Roberto Diabo, Resistiendo en el Tiempo, 2019. Placas de latas e dimensões variadas

Toda bienal é intersocial e em movimento constante, cada edição tenta transcender as realidades já vividas. A 13ª Bienal de Havana tem a seu favor o projeto Detrás del Muro, que se estende por oito quilômetros do Malécon, atraindo centenas de pessoas para o calçadão que serpenteia a orla havaneira. Cuba é uma janela de 360 graus de frente para o mar e o Malecón, um mirante que permite ao público uma percepção diferente do cotidiano. Com curadoria de Juan Delgado, a coletiva abarca obras que se sucedem em exposição contínua. Fim e princípio da cidade, esse espaço tenta ir mais além do estereótipo: lugar onde começam e terminam amores, ponto de encontro de amigos, local de bebedeiras ou de simples brincadeiras de crianças.

A cada Bienal de Havana nasce uma nova edição do projeto Detrás del Muro que mistura, arte, arquitetura, performances e, neste ano, completa três edições envolvendo 70 artistas de 10 países.

Vindo do Chile, Benjamin Ossa, que vê o Malecón, como território pleno de curiosidades sedutoras ou obscuras, cria Un Invisible Faro (Um Farol Invisível), torre vazada onde a brisa do mar voa livre. Com quase 70 metros de altura por três de diâmetro, esse “facho” de luz brilha e se movimenta por meio dos 1344 discos de cobre e alumínio, suspensos em cabos de aço inoxidável, que se completam com triângulos num jogo enigmático de luminescência.

Benjamin Ossa, Un Invisible Faro, 2019. Discos de cobre e alumínio. Aço inoxidável.

Inserindo-se no rizoma urbano, Detrás del Muro acolhe performances como Construindo o Feminino e Olhar sem Ver. Ambas parecem se referir ao mundo atual: ver com olhos vendados. A primeira tenta se identificar sensorialmente com os traços femininos a partir de esculturas de vestidos, de Susy Gómez. A segunda faz o espectador caminhar por uma superfície irregular. A ideia de ambas é que o tato transpasse a visão.

Nas ocupações urbanas, os movimentos ativistas ou obras ideológicas formulam outros imaginários em novos territórios. A escravidão reflete no trabalho de Roberto Diago, que a estuda em um paralelo entre os atos de resistência cultural e as rebeliões dos escravos dos séculos 18 e 19 nas Américas. O artista cubano se interessa pelo tema de forma densa e atuante.

Em meio a artistas quase emergentes, há os consagrados como Eduardo Pojuán, cujo trabalho tem efeito revelador. Sur é uma bússola que pode ser vista como o mapa invertido, de Torres Garcia. Segundo Freud, “a antítese de brincar não é o que é sério, mas o que é real”. Del Rio trabalha o jogo entre a lucidez e a ludicidade com mangueiras de água que as pessoas podem direcionar uma contra as outras. Sob o título Transfusão, trabalha sobre a organização direta de sensações.

Uma exposição coletiva é também um arranjo de objetos ressignificados. Detrás del Muro traz peças aparentemente descontextualizadas, como a obra minimalista do mexicano José Dávila, uma instalação com rochas presas entre placas vulcânicas. Ou a de Felipe Dulzaides, um trabalho poético/político, Limited Perspective em que cria um espaço estruturado com paredes de aço, onde se abrem frestas e espreitas sobre o ato de ir e vir.

Nesse sobrevoo sobre Detrás del Muro, a fantasia feérica das transparências e cores do trabalho de David Magán chama a atenção na tentativa de captar a luz. Esse terreno luminoso atrai e devolve ao público, através das chapas de acrílico coloridas, contorções e explosões de seus próprios corpos. Em contraponto a essa luminosidade, Os Guardiões, de Xavier Mascaro, revisita um viés mítico da obra de arte e abarca um gênero de escultura historicista que ganha relevo com pigmentos criados por ele, mas que funciona como se fosse a ação do tempo.

Parte dos recentes conteúdos sociais da arte voltados à população, se aproxima mais das questões organizacionais e econômicas do que do legado estético. Embora não seja o caso de Detrás do Muro, o público que caminha por entre as obras no Malecón de Havana pode amar, odiar, questionar, enfim opinar sobre o projeto. Afinal, é ele, ao contrário dos críticos, o árbitro essencial do gosto em um evento dessa natureza. Aquele que pode garantir a continuidade de um projeto público, em países socialistas ou não.

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