Mulheres negras marcham em São Paulo em 2016. FOTO: Tuane Fernandes-Mídia NINJA

Setenta e cinco anos atrás, em 1943, a CLT proibia pagar salários diferentes a homens e mulheres pelo mesmo trabalho. Você sabia disso? Eu, não. O deputado Bolsonaro também não, ele que se opôs, na entrevista à Globo News, a qualquer medida legal que proíba a discriminação entre homens e mulheres. O artigo 461 da CLT foi sendo mudado ao longo dos anos – em 1952 se acrescentou a proibição de discriminar por nacionalidade ou idade, em 2017 (e somente em 2017!) a de distinguir por etnia – mas não é cumprido. Pior, quem é a favor, como eu, não sabe que ele existe, e quem é contra, como o candidato Bolsonaro, também não.

Há porém um meio seguro de torná-lo letra viva, assim como de cortar pela raiz a maior parte das discriminações contra mulheres, negros, indígenas. Ele passa por uma grande mudança de foco: passar das ações afirmativas à disputa pelo poder.

Sempre fui favorável às cotas, mas perdemos a mira, quando nos limitamos a multiplicar os lugares onde devem ser implantadas. Ficamos indo de baixo para cima. O melhor é realizar a igualdade de gênero e de etnia, exatamente no centro de poder talhado para a proporcionalidade: na Câmara dos Deputados.

Como teremos metade de mulheres na Câmara? No Brasil, elegemos os deputados pelo voto proporcional. Devem representar a diversidade de opiniões existente no País. Basta introduzir a lista fechada, que se torna possível garantir o equilíbrio de gênero e de etnia na Câmara – assim como nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Na lista fechada, o eleitor vota no partido já sabendo qual a ordem dos candidatos que serão eleitos. Portanto, se o partido conseguir votos suficientes para cinco deputados, serão os cinco primeiros da lista.

Precisamos apenas emendar a lei eleitoral – só isso – e determinar que na lista deverão ser alternados nomes de homens e mulheres. (Depois, falarei dos negros). Assim, se um partido encabeçar sua lista com um homem, todos os números pares da lista serão de mulheres (e os impares, de homens). Ou vice-versa.

Essa medida resultará praticamente numa paridade. Cerca de metade dos eleitos serão mulheres.

O que isso significará? A lei atual manda cada partido apresentar um terço de mulheres em sua lista, mas muitas estão lá só para inglês ver. Não são votadas, não são eleitas. Agora, se elas se alternarem com os homens nas listas de candidatos, terão poder – e os partidos escolherão as melhores, claro, não apenas figurantes.

Imaginem o resultado. Nunca mais ouviremos um presidente dizer que mulheres são importantes para o país porque comparam os preços nos supermercados… Nem haverá leniência com o feminicídio e crimes de ódio contra elas. O machismo terá os dias contados. Os salários tenderão a se igualar para a mesma função e com a mesma produtividade e perfeição técnica (copio aqui o artigo 461 da CLT).

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A mesma regra pode ser aplicada quanto às assim chamadas minorias étnicas, que estão em torno de 50% da população – um pouco menos, se pensarmos apenas nos afrodescendentes, um tanto mais, se incluirmos os indígenas e os que descendem deles.

Se tivermos metade de deputados entre descendentes de africanos e de indígenas, acabarão as invasões policiais às favelas. O negro não servirá mais de alvo a exercícios de tiro. O duplo padrão de abordagem policial – delicado nos bairros ricos, agressivo nos pobres – desaparecerá. Mais importante: a qualidade de vida, as oportunidades de emprego, as posições na sociedade gradualmente – mas não a perder de vista! – ficarão mais próximas. Conseguiremos a igualdade de oportunidades, marca distintiva de uma sociedade decente.

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O difícil, claro, é combinar as duas regras, isto é, estabelecer cotas de eleição tanto para mulheres quanto para negros. Não tenho uma fórmula pronta. Na verdade, o que aqui pretendo é colocar o tema em discussão. Não dá para esperarmos que o mero passar do tempo promova a igualdade real de nossos compatriotas. Quem espera, nunca alcança! diz um contra-ditado, mais verdadeiro do que a mera espera.

O Brasil está atrasadíssimo. No Canadá, quando o atual premier, Justin Trudeau, deu posse a seu gabinete, lhe perguntaram por que havia metade de mulheres: “Porque estamos em 2015”, respondeu. Isso, poucos meses antes de Temer empossar seu ministério, sem nenhuma mulher (ou negro ou indígena). Na Colômbia, o novo presidente – conservador – nomeou estes dias seu gabinete, também com metade de mulheres. Na Espanha, o atual ministério de esquerda tem mais mulheres do que homens. Conservadores na Colômbia, progressistas na Espanha assumem a mesma agenda de direitos.

Enquanto isso, continuamos capengando. Precisamos mudar esse cenário de forma decisiva. É claro que nesta eleição não dá mais. Uma medida dessas tem que ser discutida. Mas está na hora de a colocarmos na agenda brasileira.

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