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Chico da Silva e as rotas do desassossego

Chico da Silva desenhando em uma parede
Chico da Silva desenhando em uma parede, entre 1960 e 1975. Guache sobre tela. Cortesia Galeria Galatea, São Paulo
Por Bitu Cassundé
Chico da Silva desenhando em uma parede
Chico da Silva desenhando em uma parede, entre 1960 e 1975. Guache sobre tela. Cortesia Galeria Galatea, São Paulo

O Nordeste brasileiro foi um grande fornecedor de mão de obra para aventuras econômicas no Norte do Brasil: entre milhares de nordestinos fugidos da seca em direção ao Éden amazônico, a cearense Minervina Félis de Lima migrou para o Acre por volta de 1919 para trabalhar na extração da borracha. Minervina casou-se com um indígena peruano e com ele teve Francisco Domingos da Silva, nascido entre 1922 e 1923.

Ali, por meio das missões religiosas que acolhiam os fluxos migratórios, a “civilização branca” exercia sua violência em um modelo colonial de catequização, exploração e manipulação da fé. Nos primeiros dez anos de vida, o menino Chico da Silva viveu entre esse contexto opressor e a floresta, com suas lendas e liberdade.

Detalhe da obra de Chico da Silva.

Com pouca perspectiva de sobrevivência, Minervina regressa para sua cidade natal, Quixadá, no sertão do Ceará. Nessa paisagem árida, de subsistência castigada pela seca, o pai de Chico é mordido por uma cascavel, cujo veneno lhe é mortal. Após a perda, mãe e filho se assentam, por volta de 1940, em Pirambu, bairro periférico de Fortaleza.

É nos muros da Praia Formosa, em Fortaleza, que Chico da Silva compõe imagens de seres impossíveis e narrativas orais amazônicas. Ele é, então, capturado novamente pelo projeto colonizador quando Jean Pierre Chabloz, enfeitiçado pela poética do artista local, o introduz à tinta guache e ao papel, fazendo-o abandonar o suporte da parede.

Entre 1930 e 1940, o suíço promove a presença de Chico em salões nacionais, como na Galeria Askanasi, no Rio de Janeiro. Já nos anos 1960, Chabloz articula, no recém-inaugurado MAUC/UFC (Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará), um lugar onde o artista criaria um ateliê, receberia um salário e permaneceria durante três anos. A mística construída por Chabloz em torno desse personagem indígena atingira seu ápice em 1966, quando Chico participou da Bienal de Veneza.

Um elemento constante na obra de Chico da Silva é a boca. A boca aberta para o bote, a boca aberta para o alimento, a boca que acolhe e abriga, a boca que come e transforma, a boca que devora, a boca da noite, a boca do estômago. Nas pinturas, são inúmeros os embates, bem como as animalidades que utilizam a boca como arma, como defesa, como prelúdio de perigo.

Chico ativa uma cosmologia particular na qual elementos da vida, do cotidiano, do imaginário amazônico e indígena são protagonistas. Se hoje sua criação de mundos seria classificada como “fabulação especulativa”, o artista em vida nunca foi associado a uma ideia de “futuro”, mas sempre fixado a uma imagem de passado, primitivo e bestializado, e com uma difícil adequação ao presente, ao agora, à ideia torpe de modernidade que se anunciava.

A própria boca de Chico também foi a boca da reinvenção da linguagem, da concepção de novas palavras, das criações dialéticas, que desnorteavam o interlocutor: sua boca com dentes de ouro conferia a seu corpo a mais completa modernidade. A boca de Chico nunca foi a do passado nem a do presente, a sua boca sempre esteve no futuro, e anunciava: até o céu da boca é de ouro.

Outro movimento importante na saga de Chico é a criação da Escola do Pirambu. O lugar reunia artistas colaboradores com os quais Chico compartilhou sua técnica, cuja reprodução logo contaminou a ideia do “gênio” e do “original”, fundamentais ao mercado de arte. Essa diluição da autoria na Escola do Pirambu não passou isenta de punição. Em uma matéria no Jornal do Brasil, o próprio Chabloz acusa o esvaecimento da autenticidade poética do artista. A manchete anuncia: “Suíço decreta a morte artística de Chico da Silva”.

Chico nunca se recuperou artisticamente dessa campanha produzida pelo crítico europeu, que não o respeitava como humano capaz, tratando-o como um primitivo. Chabloz não descobriu Chico da Silva: foram os muros da Praia Formosa que germinaram o visionário artista, e foram seu tino, sua força e coragem de atravessar adversidades na vida e na arte, que o configuraram como um descobridor de si mesmo.

Após o ataque, Chico foi constantemente internado devido ao alcoolismo, a problemas psiquiátricos e aos sinistros de uma sociedade também colonizada que não conseguiu sequer respeitá-lo. Atualmente, sua obra passa por um novo processo comercialmente especulativo, mas Chico morreu pobre em 1985, tornando-se personagem que merece ser desmistificado e humanizado. ✱

A refundação da cultura

A curadora indígena Sandra Benites, agora à frente da direção de artes visuais da Funarte. Foto: Rodrigo Avelar
A curadora indígena Sandra Benites, agora à frente da direção de artes visuais da Funarte. Foto: Rodrigo Avelar

Quando no início de fevereiro passado, funcionários do Museu Nacional receberam Leandro Grass, que acabava de ser empossado presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), havia uma tensão no ar, como relata o jornalista Bernardo Esteves na edição de março da revista Piauí. Desde o incêndio que destruiu 85% do acervo da instituição, o Iphan mais atrapalhava a reconstrução do Palácio São Cristóvão, sendo que seu então presidente, o monarquista Olav Antonio Schrader, chegou a propor que o local se tornasse um centro dedicado à memória da família imperial.

Pois na reunião com Grass, o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, renovou o convite para que o Iphan integrasse o comitê institucional que acompanha a renovação da instituição e, dessa vez, a resposta foi imediata. “Onde assino”, perguntou logo Grass.

Urgência, de certa forma, tem sido o ritmo dos profissionais da cultura no Brasil, em busca de recuperar o tempo perdido nos últimos seis anos, desde que ocorreu o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Não dá para esquecer que o Ministério da Cultura chegou a ser extinto por Michel Temer, mas a pressão do setor fez o MinC continuar. Mesmo assim, desde então, seu orçamento foi sendo reduzido, até que na gestão seguinte o ministério fosse extinto de vez.

Segundo dados compilados no Relatório do Gabinete de Transição Governamental, divulgado em dezembro passado, “desde 2016, houve uma perda de 85% no orçamento da administração direta e de 38% no da administração indireta” da Cultura. O documento aponta ainda que “o Fundo Nacional de Cultura (FNC), principal mecanismo de financiamento governamental do setor, teve seu orçamento reduzido em 91%”. O corte foi tão acentuado que a maior parte do que restou foi canalizada para manutenção, tornando inviável qualquer atividade finalística.

Com tudo isso, sintetiza o relatório, “a perda do setor cultural estimada para biênio 2020-2021 foi de R$ 69 bilhões”. Além do fim de políticas públicas consistentes, a pandemia em muito ajudou a arrasar o setor. Ainda segundo o documento, “as estimativas de participação do setor cultural na economia brasileira, em 2019, variavam de 1,2% a 2,7% do PIB, sendo que o conjunto de ocupados no setor cultural representava 5,8% do total (5,5 milhões de pessoas), atuando em mais de 300 mil empresas”. Com a pandemia, o faturamento do setor se aproximou de zero, já que as únicas atividades que continuaram faturando foram as relacionadas a serviços digitais, como streaming de vídeo e música.

A terra arrasada só conseguiu ser evitada de fato graças à aprovação e implementação das Lei Aldir Blanc 1 e da Lei Paulo Gustavo, que, juntas, destinaram R$ 6,8 bilhões para o setor cultural, a partir de um esforço com secretários de cultura, parlamentares e agentes culturais.

Por tudo isso, o retorno do Ministério da Cultura, sob a administração da cantora Margareth Menezes, primeira mulher negra com essa função, vem sendo marcado pela realocação de recursos por um lado, e a escolha de profissionais com atuação reconhecida na área.

No próprio MinC, a presença do cearense Henilton Menezes, como Secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural, é um dos ótimos exemplos. Ele é um dos maiores especialistas de políticas de fomento no país, tendo já ocupado função no setor, entre 2010 e 2013, além de ter publicado A Lei Rouanet – Muito além dos (F)atos.

Outra das secretarias do MinC que também é ocupada por um cearense é a dedicada à Formação, Livro e Leitura, com Fabiano Piúba. Ele também já havia ocupado essa função no governo Dilma Rousseff, e, nos últimos anos, era o Secretário de Cultura do Ceará. Foi lá, durante a inauguração da Pinacoteca, no fim do ano passado, quando ainda não havia sido indicado, que ele previu à arte!brasileiros que o período de reconstrução não será fácil. “Vamos precisar de pelo menos dois anos para retomar de fato as políticas necessárias”, contou.

Já para ocupar o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), até então ocupado pelo colecionador Pedro Mastrobuono, nada afeito a funções públicas, foi escolhida a funcionária de carreira no órgão Fernanda Castro, que constava de uma lista de sugestões do ICOM, o Conselho Internacional de Museus, o que aponta o respaldo do setor.

De fato, é conhecido que a gestão anterior se dedicou a nomear gestores que estavam mais voltados para a destruição de políticas culturais e dos órgãos que gerenciavam, sendo um dos casos mais exemplares o da Fundação Cultural Palmares, que chegou a excluir 27 pessoas de uma lista de personalidades negras, como Milton Nascimento, Elza Soares e Gilberto Gil. Trata-se de um verdadeiro escárnio de uma instituição voltada a combater o racismo e valorizar a produção negra.

Agora, o militante negro, advogado e presidente do bloco afro Olodum, João Jorge Rodrigues, assumiu como novo presidente da Fundação Palmares, na missão de retomar o órgão à sua função original.

Na posse de cada um dessas figuras, houve intenso prestígio do governo, como ocorreu na investidura de Maria Marighella na Fundação Nacional das Artes (Funarte), que tem sede no Rio, e foi criada em 1975, dez anos antes do próprio Ministério da Cultura.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, e a presidenta da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Maria Marighella, durante evento de sua posse na entidade, no centro do Rio de Janeiro Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, e a presidenta da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Maria Marighella, durante evento de sua posse na entidade, no centro do Rio de Janeiro
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Vereadora licenciada em Salvador, artista, neta do deputado Carlos Marighella (1911-1969), assinado por agentes do Dops em uma emboscada, Maria recebeu em sua posse, no início de março, a primeira-dama Janja, além de vários deputados federais, lotando a Sala Cecília Meireles por duas horas. Sua gestão será marcada por um colegiado de ampla representatividade, que inclui do coreógrafo e ex-bailarino do Grupo Corpo Rui Moreira, na direção de artes cênicas, à curadora indígena Sandra Benites, na direção de artes virtuais. A curadora participou, em outubro do ano passado, do VII Seminário Internacional: Cultura, Democracia e Reparação, uma parceria entre a arte!brasileiros e o Sesc. E, após toda polêmica que envolveu Sandra na curadoria do Museu de Arte de São Paulo (Masp), sua indicação tem um que de reparação.

Foi na posse de Maria Marighella, que Margareth Menezes relembrou da perseguição nos últimos e do papel central na nova gestão: “Por que o medo da cultura? Porque a cultura é ferramenta de transformação, de emancipação, de qualificação, além de ser um vetor econômico, de que podemos tirar melhor proveito”.  Como um mantra, por várias vezes ela ainda repetiu: “O MinC voltou”. ✱

A fotografia e a representação do cotidiano

Registro do livro "Fotografias deserdadas", de Rubens Fernandes Junior
Registro do livro “Fotografias deserdadas”, de Rubens Fernandes Junior

Desde que a fotografia foi inventada, ou melhor, apresentada ao público nas primeiras décadas do século 19, ela se tornou representante ou narradora da vida íntima: retratos, festas, férias, viagens. Por ter nascido como uma expressão democrática, foi se inserindo na vida cotidiana. Os famosos álbuns de família.

Por ser considerada uma arte do banal, do dia-a-dia, muitas destas fotos, que lotavam arquivos, muitas vezes acabaram sendo esquecidos em gavetas ou, pior, descartadas.

E é aí que entra o papel do pesquisador, que procura em feirinhas, mercados de pulgas, álbuns abandonados, imagens solitárias, mas que esperam que alguém as descubra para novamente retornarem à vida e terem espaço na narrativa de nossa passagem pelo mundo.

Somos seres lotados de imagens. É por meio delas que deixamos nossa marca pelo mundo em que passamos. E, desde que temos a fotografia, como protagonista, nossa existência está tão marcada como as imagens nas cavernas.

E é por causa destas fotografias, aparentemente jogadas fora ou esquecidas, que há anos o pesquisador e curador Rubens Fernandes Junior percorre sebos, feiras de antiguidades e mercados de pulgas, a fim de devolver a visibilidade das pessoas que um dia foram retratadas, por amadores ou por fotógrafos de estúdio. Fotografias agora reunidas em um livro, imagens que ele conceituou como Fotografias deserdadas, conceito, aliás, que dá título ao livro lançado pela Editora Tempo d’Imagem.

Capa do livro "Fotografias deserdadas", do pesquisador Rubens Fernandes Júnior
Capa do livro “Fotografias deserdadas”, do pesquisador Rubens Fernandes Júnior

Imagens sem nome, sem dados, sem data, mas que carregam toda uma história de representatividade. Da representatividade uma época, de uma sociedade, de momentos importantes vividos: “Há anos coleciono fotografias anônimas. Pessoas desconhecidas, raramente identificadas”, escreve o autor na apresentação do livro. E continua: “Todo o conjunto de dados, ou melhor, a falta deles, foi o atrator estranho que despertou em mim o desejo de adquirir e preservar estar fotografias que fui encontrando em sebos, feirinhas, bric-à-brac, mercados de antiguidades, lugares que abrigam tudo aquilo que teve seu fim determinado por aqueles que, em tese, eram seus proprietários”.

Um imagem aparentemente sem dados abre a possibilidade para inúmeras leituras, decodificações trazendo para nós o mesmo espanto que o filósofo Walter Benjamin sentiu ao falar sobre a fotografia de uma pescadora em seu texto A pequena história da fotografia, de 1931: “As primeiras pessoas reproduzidas entravam nas fotos sem que nada se soubesse sobre sua vida passada, sem nenhum texto escrito que as identificasse”.

Por isso estas imagens são fascinantes. Muitos filósofos e pesquisadores que escreveram sobre fotografia, como Alfredo de Paz ou Roland Barthes, por exemplo, já anunciavam que a história da fotografia deveria ser contada pelas imagens encontrada em álbuns familiares ou nas famosas caixas de sapato. Essas, sim, importantes para a representatividade de uma determinada sociedade. O sociólogo Pierre Bordieu, publicou, em 1965, um livro junto com sua equipe de pesquisa, chamado Un art moyen (sem tradução ainda para o português), em que ele pesquisou nos arquivos familiares: “Os álbuns familiares, os retratos de casamento e de formaturas, entre outros ritos de passagem, tinham um tutoria mantinham um elo afetivo”, comenta Rubens Fernandes Junior.

Para este volume, o pesquisador selecionou só imagens brasileiras. Para organizar melhor o volume de fotografias criou capítulos e uma leitura possível entre inúmeras: acidental, casais, coincidências estéticas, corpo e movimento, crianças, espelho e sombra, estranhamentos, estúdios e cenários, homem e cidade, homem e máquina, paisagem, retratos e simulações.

Em uma época de redes sociais, e da efemeridade da imagem, a preservação é importante. Imagens deserdadas são imagens canceladas se quisermos usar um vocabulário contemporâneo. Por isso a necessidade de preservá-las, mas, acima de tudo, de apresentá-las: “Ao pensar na imagem contemporânea essencialmente digital, e sua escassez material, fica evidente a importância de preservar as fotografias deserdadas à medida que, por meio delas, atestamos concretamente a existência e um ritual que produziram algum sentido na vida das pessoas comuns”, diz Fernandes Junior.

Ao recuperar imagens deserdadas ou abandonadas deixamos, para as gerações futuras sobre, registros de nossa passagem pelo mundo e de como gostaríamos de ser vistos e representados.

 

 

 

Gomide & Co abre nova sede com mostra de Lenora de Barros e gentileza urbana em sua arquitetura

Nova sede da galeria Gomide & Co, com projeto do escritório AR Arquitetos. Foto: Leonardo Finotti
Nova sede da galeria Gomide & Co, com projeto do escritório AR Arquitetos. Foto: Leonardo Finotti

Nesta quarta-feira (8/3), a Gomide & Co abre sua nova sede com a exposição Não vejo a hora, de Lenora de Barros. Na esquina da Avenida Paulista com a Angélica, o novo espaço expositivo marca os dez anos de atuação de Thiago Gomide como galerista em São Paulo, em seu terceiro e maior endereço na cidade. Concebido pelo escritório AR arquitetos (Marina Acayaba, Juan Pablo Rosenberg e Ana Flavia Piacentini), com lighting design de Fernanda Carvalho, o projeto preza pela gentileza urbana, numa arquitetura que dialoga com a cidade, acolhe o público da galeria e é convidativa aos transeuntes.

Segundo Gomide, um dos grandes trunfos da nova sede é manter exposições em curso e o acervo num mesmo lugar. “Antes, se um colecionador vinha nos visitar, interessado por algum dos artistas que representamos, mostrávamos imagens das obras e tínhamos de marcar outra visita ao endereço onde elas estavam guardadas. Perdíamos a agilidade”, conta o galerista, que em seu primeiro endereço, na Rua Oscar Freire, mantinha 80% de seu acervo em outro andar, do mesmo prédio. Quando se mudou para a galeria anterior, na vila concebida por Flávio de Carvalho (1899-1973), perto da Alameda Lorena, Thiago ainda mantinha seu acervo no prédio da primeira galeria.

“Agora, temos um ambiente confortável, uma sala de reunião e outra de espera em que a visita do colecionador se torna mais construtiva. O tempo que ele fica aqui dentro é 20 vezes maior do que nos outros endereços”, conta Thiago, que investiu também no projeto de interiores, com móveis criados pela designer Cláudia Moreira Salles e, last but not least, obras do acervo da galeria, de artistas como, León Ferrari, Mira Schendel, Lygia Clark, Sergio Camargo e Antonio Dias.

O escritório AR Arquitetos, que assina o projeto da nova Gomide & Co, já havia feito também o retrofit do Edifício Rio Negro (rebatizado como Rosa), finalizado em 2020, e que agora abriga a galeria. E fora também responsável pela arquitetura da Bergamin & Gomide, em seu primeiro endereço, na Oscar Freire. Alguns elementos da nova Gomide & Co já estavam então presentes na reforma, como a escadaria externa, que funciona como uma sequência de bancos ao longo da fachada na Angélica, seja para transeuntes ou, agora, os visitantes do novo espaço. Assim como a transparência, outro aspecto marcante do andar térreo.

O arquiteto Juan Pablo Rosenberg destaca a luz natural, que banha o espaço interno da galeria, e a possibilidade de se abrir para a rua a nova sede, durante vernissages, mais um componente de “gentileza urbana” do projeto. “Na esquina das avenidas, mantivemos uma permeabilidade visual, tanto para convidar o público a entrar no espaço expositivo, quanto para os passantes descobrirem que ali existe uma galeria”, afirma o arquiteto. Para ele, a chegada da Gomide & Co pode dar um novo sopro de vida àquela área, como mais um destino do circuito cultural da Paulista.

“Quanto mais degradado um lugar está, mais ele tende a se desagradar. Quando você deixa o lugar bem iluminado, habitado, frequentado, a tendência é que o entorno fique mais bem cuidado e preservado”, avalia Rosenberg, que chegou a sugerir a Thiago que extrapole as fronteiras da galeria e realize, na praça em frente, happenings, performances etc., extensões do que acontece na própria Gomide & Co. A ideia é mesmo ótima.

TRAJETÓRIA

Mineiro de Belo Horizonte, Thiago Gomide gostava de artes visuais desde garoto, achava que viria a ser artista. Estudou arquitetura na capital mineira, pensando numa profissão “para sobreviver”, caso a desejada carreira nas artes não decolasse. Acabou não concluindo o curso, mas, muito jovem, teve já sua primeira experiência no mercado secundário com uma loja em que vendia mobiliários modernistas, um negócio que surgiu de  maneira um pouco insólita.

Sua mãe, a arquiteta Meire Gomide, havia feito um projeto para a Casacor em 1997, na capital mineira, para o qual pedira a ajuda do filho e fizera questão de comprar uma grande quantidade de móveis originais de grandes mestres, como Joaquim Tenreiro, Sergio Rodrigues e José Zanine Caldas, entre outros, a preços então bem baixos. Terminada a Casacor, a arquiteta propôs vender ao filho aquelas peças pelo mesmo valor que havia pago, e ele poderia comercializá-las em BH por preços mais elevados, já que ela as havia reformado.

Surgia daí a tal loja, em que Thiago, que tinha muitos artistas e fotógrafos entre seus clientes, ocasionalmente trocava os móveis por obras. O negócio, no fim das contas, era mais lucrativo. Ele começou a frequentar leilões e galerias, a comprar arte. Leu uma reportagem a respeito um documentário do cineasta Zelito Viana sobre acervos de colecionadores mineiros. Na matéria, aparecia uma obra do artista plástico Tunga True rouge (1997) ilustrando a coleção de Bernardo Paz. Havia rumores de que Paz estava construindo galpões e comprando muitos trabalhos de arte.

Ato contínuo, Thiago ligou para o colecionador, que o convidou para um almoço, em que anunciou estar fazendo “o maior museu do mundo”, na verdade o que viria a ser o Instituto Inhotim, inaugurado em 2006, na cidade mineira de Brumadinho. Era 2002, e Thiago resolveu fechar a loja de móveis, após se oferecer para trabalhar com Paz: “Quero ajudar você a construir seu sonho”, disse Thiago ao colecionador.

Lá, conta Thiago, ele fez de tudo, “todo mundo que tinha um problema me procurava para resolver”. Mas ele teve também seus primeiros contatos com o grand monde da arte, de grandes exposições, como a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, a feiras, como a Art Basel. Em dezembro de 2007, pediu as contas e veio para São Paulo, onde no ano seguinte começou a trabalhar na Bolsa de Arte, de Jones Bergamin, o Peninha.

De lá, por sugestão e ensejo do próprio Peninha, juntou-se à filha do galerista, Antonia Bergamin, com quem viria a abrir, em 2013, a sua primeira galeria em São Paulo, a Bergamin & Gomide. Como sua experiência na Bolsa de Arte era com mercado secundário, manteve o mesmo perfil na nova galeria, até 2019, quando incorporaram o primário. Em maio de 2021, Antonia e Thiago se mudaram para casa na vila dos Jardins. Um mês depois, ela saiu da sociedade, e Thiago rebatizou a galeria como Gomide & Co.

A NOVA SEDE

A nova Gomide & Co passa a integrar o corredor cultural da Paulista, onde estão a Japan House, o Sesc Avenida Paulista, o Itaú Cultural, o Masp e o Instituto Moreira Salles, entre outros. A galeria tem de 600 metros quadrados contra 140 metros quadrados da primeira e 100 metros quadrados da anterior e fica no térreo do Edifício Rosa, cujo retrofit também foi projetado por Juan Pablo Rosenberg e Marina Acayaba, do escritório que leva seus sobrenomes. Dentro, Gomide passa a contar com um pé-direito duplo, de 5 metros, que pode acomodar obras de até 4mx10m.

Nas sedes anteriores, o galerista não dispunha de uma parede tão alta, ou do distanciamento necessário para expor trabalhos de grandes dimensões não pendentes. Em 2019, por exemplo, quando apresentou uma mostra dedicada ao catalão Antoni Tàpies, Thiago não pôde exibir uma de suas criações, justamente por falta de espaço.

As mudanças na Gomide & Co não se limitam à nova sede, no entanto. Em fevereiro, a galeria anunciou que Luisa Duarte crítica de arte, curadora e pesquisadora com mais de 15 anos de trajetória na arte contemporânea estava se unindo a seu time como diretora artística. “Ela vem principalmente para a gente ampliar o programa primário, de representação de artistas, aumentar dos atuais oito para 20. E fazer com que a galeria não se limite às obras caríssimas do mercado secundário, mas possa atender, por exemplo, a um casal jovem, de menos de 30 anos, que quer comprar algo de no máximo R$ 10 mil”, explica o galerista.

“Temos também um time de artistas que demandam um pensamento, uma coerência e um tempo de discussão, acerca de suas produções, que é diferente do meu tempo”, complementa Thiago, que divulgou outra novidade: a chegada à galeria de Fabio Frayha, ex-diretor do MASP, um administrador especializado no universo das artes visuais, que passa a atuar como seu sócio.

LENORA DE BARROS

Em 2022, Lenora de Barros apresentou, de abril a julho, a instalação Retromemória no Museu de Arte Moderna de São Paulo, esteve envolvida na 59ª Bienal de Veneza e com a exposição Minha língua, aberta em outubro e que fica em cartaz na Pinacoteca até 9 de abril. Sua nova mostra, Não vejo a hora, já fora programada para abrir o calendário expositivo da Gomide & Co em 2023, na nova sede.

De dezembro a fevereiro, Lenora se concentrou nos trabalhos que apresenta agora. Gomide conta que fez um único pedido à artista: “explore bem a fachada”. “São 150 metros virados para a Angélica, e é isso que vai possibilitar a gente trazer a cidade para dentro da galeria, um tipo de espaço com que as pessoas costumam ter certa preocupação quanto a entrar ou não. É para entrar, sim. E a Lenora veio com a ideia de um painel de LED com palavras ligadas ao tempo, como retardar, antecipar, perene, atraso etc., de um poema que teve como inspiração uma brincadeira infantil que fazia com sua mãe, Electra [Barros, mulher do artista plástico e designer Geraldo de Barros]”, conta.

Em Não vejo a hora, Lenora apresenta 12 trabalhos, em sua maioria inéditos, cujo denominador comum é uma elaboração sobre o tempo. A mostra abrigará fotografias, vídeo, instalação sonora e até uma mesa de pingue-pongue, em que a artista joga e  convida o público a jogar também, com as relações entre linguagem, temporalidade e corpo.

SERVIÇO

Não vejo a hora, de Lenora de Barros
Abertura: nesta quarta-feira (8 de março), às 18h
Nova sede da Gomide & Co Avenida Paulista, 2644 São Paulo (SP)
Visitação: até 13 de maio; segunda a sexta-feira, das 10h às 19h; sábados, de 11h às 17h
Entrada gratuita

Podcast ‘O Ateliê’ aborda denúncias de relações abusivas no circuito de artes plásticas

Podcast 'O Ateliê' aborda denúncias de relações abusivas no circuito de artes plásticas
Podcast ‘O Ateliê’ aborda denúncias de relações abusivas no circuito de artes plásticas

Os bastidores de uma fatia do mundo das artes visuais ganharam inesperado alcance graças ao podcast O Ateliê, projeto do jornalista Chico Felitti. No ano passado, ele se tornou celebridade por conta de A mulher da casa abandonada, que alcançou a posição de segundo podcast mais ouvido no Brasil, segundo o Spotify.

Desta vez, Felitti apresenta uma série de denúncias de ex-alunas contra o Atelier do Centro, uma “escola para formação artística expandida”, como o local é definido em seu perfil no Instagram, dirigida pelo artista Rubens Espírito Santo.

Assim como na “casa abandonada” do bairro de Higienópolis, o jornalista parte de uma situação sem amplo conhecimento público, como o Atelier, e daí revela uma história complexa e inesperada, a partir de denúncias apresentadas na Justiça por uma das ex-alunas da escola, a artista Mirela Cabral, que lá esteve por três anos. Ela afirma que, neste período, sofreu abusos físicos, psicológicos e financeiros em uma situação que se assemelha a uma seita em que era obrigada a chamar Espírito Santo de mestre. São denúncias graves, que estão sendo investigadas pela Justiça.

Pelas relações com figuras importantes no circuito da arte contemporânea, como colecionadores de prestígio e diretores de instituições culturais, todos com nomes preservados no podcast, o assunto passou a ser comentado fortemente nos grupos de artistas, galeristas, colecionadores e afins. Quem, afinal, é o milionário que bancaria os livros publicados sobre o “mestre” Rubens Espírito Santo? Quem é o colecionador e banqueiro, pai de uma participante do Atelier do Centro, que ajuda a dar status ao local?

Essas perguntas não são respondidas por Felitti, evitando, assim, o tom de fofoca que poderia contaminar o podcast. Ao contrário, ele opta por dar visibilidade apenas a quem aceita ter seu nome tornado público e investe em contextualizar o caso por questões muito atuais, aprofundando-as com especialistas, como a dificuldade de as pessoas perceberem quando estão envolvidas em relações tóxicas. Afinal, é mesmo difícil entender apenas pelos relatos como as alunas e os alunos se deixaram envolver por tanto tempo em situações tão indignas, o que é o tema do sexto episódio, um dos melhores do podcast, sobre relações abusivas.

Se há algo que nos últimos anos finalmente está sendo levado a sério é desnaturalizar as relações por tanto tempo tidas como “normais”, mas que são de fato constituídas por puro assédio, seja físico, moral ou sexual. E vítimas, independentemente de sua classe social, merecem ser tratadas com respeito e discrição.

Fui um dos entrevistados no podcast, para contextualizar a relevância que Espírito Santo teria no circuito da arte e reafirmo aqui: nenhuma. Tendo a acreditar que ele conseguiu manter o Atelier do Centro por mais de 20 anos por se aproveitar da ingenuidade e da fragilidade de quem passou por lá.

Ao olhar para esse microcosmo do mundo das artes, no fim, Felitti faz mais uma crônica do Brasil antigo, esse que perdeu as eleições de 2022, mas ainda sobrevive ao manter pessoas escravizadas para a colheita de uva, que assedia funcionários, que discrimina mulheres no trabalho, que faz afirmações preconceituosas contra nordestinos… a lista não tem fim.

Na própria entrevista concedida por Rubens do Espírito Santo, no episódio nove, sua defesa é que se tratava de um grupo de adultos, em que os eventuais exageros ocorriam no coletivo e com consentimento dos participantes.

No entanto, ao longo do podcast, Felitti usa de vários meios para apontar os comportamentos do “velho Brasil” no ateliê, a partir de depoimentos de antigos funcionários, infiltrando estudantes de arte no grupo, entrevistando pais de discípulos arrependidos.

No fim, O Ateliê não é apenas um podcast sobre uma microbolha do circuito das artes. É mais sobre como uma sociedade gera pessoas frágeis, que se deixam manipular com facilidade e que são capazes de se submeter a situações impensáveis, como venerar figuras que contestam a importância da imunização, mesmo que, escondidas, elas até tomem as vacinas que publicamente demonizaram.

Diego Dedablio apresenta primeira obra em larga escala no Brasil

Dedablio durante a pintura de empena no Conservatório de Tatuí.
Dedablio durante a pintura de empena no Conservatório de Tatuí. Foto: William Lima

Diego Dedablio é natural de Tatuí, cidade localizada a 140 km de São Paulo e conhecida por ser a capital da música. Isso se deve ao fato de sediar o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí – o maior do gênero na América Latina –, ou apenas Conservatório de Tatuí, como é conhecido internacionalmente. 

Não à toa, o tema musical está presente na obra de Dedablio há muito tempo. A iconografia do músico é um personagem recorrente junto com a música popular, o sambista, o caboclo do Maracatu e o congado de Minas Gerais. Esses elementos fazem parte da pesquisa do artista que, em conversa com a arte!brasileiros, revelou ser muito influenciado pelo Jazz, ritmo musical que começou a ouvir por causa dos professores do Conservatório da cidade. 

Apesar da música ter forte apelo, a cidade também é berço de uma das maiores atrizes do país, a tatuiana Vera Holtz. A atriz é referência para todos que aspiram a uma carreira de sucesso e prestígio nas artes cênicas.

O artista Dedablio em seu ateliê
Dedablio em seu ateliê. Foto: Diego Dedablio / Divulgação.

Em uma visita à cidade, Vera se deparou com alguns trabalhos de Dedablio, que se aventurava na street art. Curiosa por saber quem estaria por trás dos sprays nos muros, a atriz foi até a casa do conterrâneo. Além de ter adquirido algumas obras, Vera foi responsável por financiar a temporada que o artista passou em São Paulo para estudar na Panamericana Escola de Arte e Design. Dedablio comenta sobre o período: “Não terminei os estudos lá porque a escola começou a influenciar demais o meu estilo. Decidi sair por causa de modulação pedagógica. Estava numa fase em que a influência era um risco para mim. Aí eu decidi sair e fui fazer cursos livres lá em São Paulo mesmo”.

No bairro da Santa Cecília, onde morava, Dedablio passou a pintar pela região e foi estudar gravura, xilogravura e litogravura no Museu Lasar Segall. Com os cursos livres, pôde desenvolver seu estilo próprio, sem interferências. 

Nessas experimentações, aprimorou sua prática rapidamente. Entre as características do trabalho do artista está a mistura de técnicas do grafite para a fine art e vice-versa. “Há pouco tempo, fiz um mural com spray e tinta óleo juntos, que é muito incomum, né? Eu não vi ninguém fazer ainda. Normalmente, o pessoal pinta de látex”. Um dos motivos de fazer esse intercâmbio de estilos é levar a técnica das telas, como a pintura a óleo, para as ruas. “É superdifícil fazer porque é pequenininho, aí você fica lá com o pincelzinho em um muro gigante. É um martírio, mas vale muito a pena. O resultado é ótimo”. 

De volta a Tatuí, Dedablio sempre procurou manter contato com a capital. Para ele, a falta da efervescência em uma cidade pequena faz falta. Nas idas até São Paulo, realiza trabalhos independentes e, assim, recebeu seus primeiros convites internacionais. Em 2012, foi até Amsterdã, na Holanda, onde foi convidado a fazer uma intervenção na fachada de um prédio. Cinco anos depois, foi chamado pela embaixada brasileira na Bielorrússia para pintar um mural em grande escala em Minsk, capital do país. 

Somente dez anos depois do primeiro convite internacional é que surgiu a oportunidade de realizar um trabalho tão grande no Brasil. Em 2022, o Conservatório de Tatuí encomendou a pintura de um mural para a instituição. “Só agora, com uma nova gestão no Conservatório, uma gestão mais abrangente, com a cabeça mais arejada, é que eles fizeram esse convite. Eu achei superimportante para mim, por ser a primeira vez no Brasil pintando em grande escala”.

A ligação de Dedablio com o Conservatório de Tatuí vai além da conterraneidade. O artista atribui grande parte da sua educação indireta ao contato que sempre manteve com os professores da instituição e com as referências musicais que constituem o seu trabalho: “Eu fiquei supercontente, porque meu trabalho já tem muito conceito musical dentro da parte teórica e, até da prática, de sinestesia, da questão da composição, de semiótica, de escala tonal dentro do trabalho de arte, e por aí vai. [O mural] é uma retribuição àquilo que eu aprendi, ao que as artes representam. Porque são coisas bem distantes a música instrumental, a música erudita e o grafite, né? Um negócio que é muito difícil de ver”.

Parte do trabalho de Deablio realizado na empena do Conservatório de Tatuí.
Parte do trabalho de Deablio realizado na empena do Conservatório de Tatuí. Foto: Diego Dedablio / Divulgação.

Para o futuro, Dedablio tem o desejo de criar o neografite: “Eu já tenho um monte de escritos teóricos aqui e eu tenho esse plano de fazer uma formalização desse neografite que abrange todas as técnicas ao mesmo tempo. É uma pesquisa que eu tenho de antropologia e sociologia com arte contemporânea, que é uma das minhas pretensões”.

Apesar disso, o artista disse que não procura ter muitas ambições. “O mundo da arte é meio estranho, tem um negócio meio austero, com que eu não me identifico muito. Mas é necessário estar pontuando o espaço, estar presente. Acho que a minha ambição é estar vivo e presente no trabalho. Não eu, como pessoa, mas dar a vida ao trabalho, fazer o trabalho respirar na percepção do próximo, assim. Não chega nem a ser pretensão, acho que é uma obrigação mesmo”. 

A Casa Zalszupin apresenta ‘Utopias Modernistas Brasileiras’, com curadoria de Iatã Cannabrava

Augusto de Campos e Julio Plaza, "Poemóbiles". Foto: Divulgação/Almeida & Dale
Augusto de Campos e Julio Plaza, "Poemóbiles". Foto: Divulgação/Almeida & Dale

Em cartaz até 18 de março na Casa Zalszupin, a exposição Sarau Zalszupin – Utopias Modernistas Brasileiras foi uma feliz coincidência para seu curador, Iatã Cannabrava. Mas foi também uma provocação. Há alguns anos, Cannabrava havia apresentado à Almeida & Dale – galeria que mantém o espaço expositivo em parceria com a ETEL – um projeto de mostra que misturava fotografia moderna com poesia concreta, que, segundo ele, “visualmente, tinham um caminho muito similar”. A proposta foi aceita, mas somada ao desafio de que ele traçasse um terceiro vértice em sua curadoria: o mobiliário modernista.

Também fotógrafo, Cannabrava conta que esta é sua primeira exposição que não envolve somente o suporte. Diante do desafio, ele conta que passou meses procurando uma parceria. Acabou contando com a ajuda do jornalista Tato Coutinho, com quem, ao longo de dois anos, havia editado um livro para o Itaú Cultural, o Moderna para sempre: Fotografia modernista brasileira na Coleção Itaú Cultural. A publicação é resultado de um conjunto de itinerâncias da exposição homônima, feita no Brasil e em outros países da América Latina, entre 2010 e 2019, período em que a coleção foi se completando.

Em comunicado de imprensa, o curador afirma que a exposição “festeja a utopia modernista brasileira insinuada na produção reunida aqui. São obras marcadas pelo desejo de invenção, pela busca de uma linguagem própria capaz de dar conta, mais do que da realidade em si, da necessidade de transformação da realidade que se apresentava então”.

Na mostra, Cannabrava sugere conexões visuais entre criações de épocas, suportes e autores completamente distintos. Na sala de estar, ele tirou partido da arquitetura da casa projetada por Jorge Zalszupin que “é um convite a ver, de outra maneira, tudo que tem nela e do lado de fora”, disse ele, à arte!brasileiros. Por exemplo: o curador iluminou, com uma luz amarela, uma árvore de tronco e raízes impactantes da área externa, vista através de um pano de vidro, e, na parede ao lado, colocou fotografias como Folhagem (c. 1960) e Decorativa (c. 1950), de José Yalenti, assim como Folhas (c. 1951), de Carlos Líger.

Noutro canto da sala, Cannabrava insinua associações entre ângulos de A caça do índio do Alto-Xingu (c. 1947), de Jean Manzon, e Diana (c.19450), de José Yalenti, com aqueles  da mesa lateral Ninho (1949), de Lina Bo Bardi, por exemplo. Outro nexo proposto pelo curador é um desenho de 1956 de Lúcio Costa, para o Plano Piloto de Brasília, e a fotografia Aldeia de Índios Brasileiros (1944/1947), também de Manzon. Ainda ali, a circularidade presente na foto Espiral (1944), de Gaspar Gasparian, conversa com a mesa Pétala (1959), de Zalszupin. “A forma vem como reflexão, e eles, os modernistas, tinham reflexões comuns, cada um no seu território, ou trilha”, comenta o curador.

Cannabrava valeu-se ainda da criativa arquitetura de Zalszupin para dispor, num volume cúbico que outrora abrigava a lareira da morada, os poemas concretos Ver navios (1958), Crystal (1958) e White (1957), de Haroldo de Campos. Do segundo, Cannabrava consegui o original datilografado, pertencente ao colecionador Fernando Abdalla, e o poema está disposto logo ao lado da lareira, no encosto do sofá de alvenaria.

Ao descer em direção ao pátio da casa, Cannabrava criou um ambiente dedicado à poesia visual. Recorre novamente à arquitetura de Zalszupin para expor obras como Solida (1962), de Wlademir Dias-Pino, num nicho. O poema The Bird (anos 1950), também de Dias-Pino, surge na parede logo à frente. Numa prateleira, o curador expõe uma reedição de 1984 do livro Poemóbile (1968), colaboração do espanhol Julio Plaza e Augusto de Campos. Outra obra dos artistas, Objetos (1969), está em exibição no mezanino da casa.

A exposição ocupa outros dois cômodos, no segundo andar da morada. Num deles, Cannabrava emula o cubo branco de uma galeria para criar um diálogo entre as fotografias Janela (c. 1960) e Composição em preto e branco (c. 1960), de Eduardo Salvatore; Abstração (1957), de José Oiticica Filho, e Fotoforma (1950), de Geraldo de Barros, com o poema Form (1959), de José Lino Grünewald, e a poltrona Módulo (1977), de Oscar Niemeyer.

“Esta é a sala do projeto inicial, a poesia concreta diluída no meio da fotografia moderna, e vice-versa. As duas trilharam caminhos similares, ao romper com o referente e apresentar reflexões na forma. E, ao não ter cor, a sala volta às origens da minha pesquisa sobre fotografia moderna”, conclui o curador.

 

SERVIÇO

Sarau Zalszupin – Utopias Modernistas Brasieiras
Curadoria: Iatã Cannabrava
Até 18 de março
Visitação: segunda a sexta-feira, das 10h às 17h; sábados, das 10h às 14h
Entrada: gratuita, por agendamento, no site mediante agendamento no site casazalszupin.com

 

Em ‘Ianelli 100 anos: o artista essencial’, MAM-SP resgata a pesquisa de linhas, formas e cor do pintor

Arcangelo Ianelli, natureza-morta, 1960. Foto: Sérgio
Arcangelo Ianelli, natureza-morta, 1960. Foto: Sérgio Guerini

O MAM-SP apresenta Ianelli 100 anos: o artista essencial, exposição que abre seu calendário de 2023, quando completa 75 anos de atividades, e resgata a pesquisa de linhas, formas e cor do pintor, que teve uma relação estreita com o museu paulistano. Foi ali que Ianelli fez sua primeira individual em uma instituição, em 1961, e, a partir de 1969, participou de seis edições do Panorama de Pintura, sendo premiado em 1973. Em 1978, o MAM-SP abrigou também uma retrospectiva de sua obra, com mais de 160 de suas criações, numa exposição que recebeu o prêmio de melhor do ano da Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA).

Com quase 100 trabalhos, Ianelli 100 anos apresenta desde a fase inicial da carreira do artista, com pinturas mais acadêmicas, até sua imersão na abstração. Ao conceber o percurso da mostra, a arquitetura do MAM – um volume que se afunila a partir da entrada – acabou definindo bastante como a curadora Denise Mattar iria construir seu caminho pela trajetória do pintor, caminho esse que não obedece exatamente a uma cronologia. 

“Acho que uma exposição é um ensaio visual, que tenta conversar com o lugar onde ela vai ser montada. Como a produção do Ianelli parte do pequeno para o grande, e eu queria que o público enxergasse as diferentes fases dele, uma nas outras, pensei num percurso meio retroativo, que começa nas obras de maiores dimensões, feitas até 2000, em que ele explora os campos de cor, até voltar ao figurativo, do início de sua carreira”, explica Denise, à arte!brasileiros.

A PESQUISA

Denise Mattar conta que teve um contato mais próximo com Ianelli no próprio MAM, de que o pintor era assíduo frequentador, entre 1987 a 1989, período em que ela trabalhou como diretora técnica da instituição. Feito no início de 2020, pouco antes da pandemia, o convite para que Denise fosse a curadora da mostra partiu dos filhos do artista, Kátia e Rubens. Iniciada a pesquisa, Denise teve acesso ao vasto material documental da família – o próprio Ianelli, vale ressaltar, tinha uma organização bem sistemática de sua produção – e lançou mão também de publicações da biblioteca do próprio museu. Desde o começo, a proposta da curadora foi apresentar ao público novidades acerca da obra do pintor.

“Uma coisa que eu descobri foi o fato de que [o crítico e escritor] Mário Pedrosa (1900-1981) tinha exposto pela primeira vez a obra do Ianelli numa instituição, no próprio MAM-SP, na virada de 1960 para 1961, ano em que a mostra foi para o MAM Rio”, conta Denise. O que mais chamou a atenção da curadora foi uma passagem do texto de Pedrosa, para a mostra, em que ele ressaltava haver ‘uma vibração, uma liquidez cristalina’ nas telas do artista, algo que parecia antever a produção de Ianelli na série Vibrações (1999-2000).

Outro achado de Denise foi um poema de Ferreira Gullar (1930-2016) em espanhol, que ela encontrou no catálogo de exposição feita por Ianelli na 3ª Bienal Internacional de Pintura de Cuenca, em 1991. A curadora não apenas localizou a versão original, em português, em Relâmpagos, livro do poeta publicado em 2004, como identificou que havia um trecho a mais. No MAM-SP, o poema é mostrado na íntegra. Numa passagem, Gullar descreveu assim a pintura de Ianelli:

Pintar, para Arcangelo Ianelli agora é
suscitar o surgimento da cor.
Fazer silêncio e deixar que ela (a cor) imerja
nele – do cerne dele – densa, luminosa.
Vinda do fundo da sombra, a cor
[…] Pintar para Ianelli agora é mostrar a cor como pura duração

Em sua pesquisa, Denise Mattar também encontrou um texto de Gian Carlo Argan (1909-1992) de 1966. Em 1964, Ianelli havia ganhado o prêmio de viagem ao exterior no Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM), passando em seguida dois anos (1965-1967) na Europa. Em sua análise, feita por ocasião de uma mostra de Ianelli no Consulado do Brasil em Munique (Alemanha), o teórico da arte italiano teceu considerações que pareciam antever as recorrentes comparações da pesquisa de cor do brasileiro com a produção de Mark Rothko (1903-1970), pintor norte-americano de origem letã, apontando em que se aproximavam e se distanciavam as respectivas práticas. Escreveu Argan:

“Na pintura de Rothko, Ianelli reconhece com razão, e absoluta franqueza, o ponto de
chegada do desenvolvimento histórico da representação do espaço por meio de
relações colorísticas qualitativas e quantitativas. […] No caso de Ianelli, o fator dominante é uma evidente especulação sobre valores proporcionais: é isso que o distancia consideravelmente da dimensão da espacialidade expansiva e transbordante de Rothko e o leva da consideração das relações métrica e tonal entre os campos de cor, a uma delimitação geométrica das áreas coloridas e sua assunção como núcleos formais em relação às distâncias de fundo.

Já em 2002, quando a Pinacoteca realizou uma retrospectiva da carreira de Ianelli – o pintor, então com 80 anos, não compareceu à abertura, porque teve um AVC – a analogia com Rothko voltou à tona, em uma crítica de Olívio Tavares de Araújo, publicada no jornal O Estado de São Paulo. Araújo escreve que “em algumas fases, manchas e faixas flutuantes podem lembrar a pintura de Mark Rothko”. Mas ponderou:

[..]. basta observar atentamente a evolução interna da pintura de Ianelli para perceber que ele não foi beber em Mark Rothko. Ambos chegaram a soluções da mesma natureza porque têm sensibilidades parecidas. São temperamentos líricos que seguram o próprio lirismo, amantes de uma ordem inabalavelmente apolínea. Beberam nas mesmas fontes. São irmãos, não descendentes um do outro.

TRAJETÓRIA

Nascido na capital paulista, Arcangelo Ianelli (1922-2009) começou a desenhar ainda na adolescência, como autodidata. Em 1940, entrou para a Associação Paulista de Belas Artes e, no início daquela década, frequentou o ateliê de artistas como Waldemar da Costa (1904-1982) e Maria Leontina (1917-1984). Ao longo dos anos 1950, fez parte do Grupo Guanabara, ao lado de Manabu Mabe (1924-1997) e Jorge Mori (1932), entre outros. Em sua trajetória artística, foi da representação figurativa, do início da carreira, nos anos 1950, ao abstracionismo e à pesquisa dos campos de cor, passando ainda pelas experiências com formas geométricas, pelas pinturas sobre madeira e esculturas de mármore.

Segundo Denise Mattar, o próprio Ianelli consentia que sua carreira tinha fases e que ele “as desenvolvia à exaustão, até passar para outra”. Em um texto, lembra a curadora, o crítico Paulo Mendes de Almeida também via ciclos “quase que estanques” na prática do pintor. Mas Denise não percebe a produção do artista do mesmo modo. Para exemplificar isso, no catálogo da exposição, ela isolou parte de uma obra figurativa, dos anos 1950, em que já se insinuava o que o pintor viria a fazer nas décadas seguintes, a saber, “toda uma redução da forma até chegar aos campos de cor”, segundo a curadora.

“O que eu queria mostrar na exposição é que o percurso de Ianelli não era exatamente assim, estanque. Na verdade, você vai vendo uma interpenetração em sua produção”, conta Denise. “Mesmo na obra totalmente figurativa, de seus primeiros trabalhos, ao olhar uma janela você vê nuances de luz e cor que têm tudo a ver com a produção posterior dele, por exemplo, na série Vibrações, dos anos 1990, assim nomeada pelo crítico Paulo Mendes de Almeida. Há um processo interior, de extrema coerência, que está presente na mostra”.

Reprodução do catálogo da exposição "Ianelli 100 anos - O artista essencial", com uma natureza-morta de 1960 e, à esquerda, um detalhe da obra
Reprodução do catálogo da exposição “Ianelli 100 anos – O artista essencial”, com uma natureza-morta de 1960 e, à esquerda, um detalhe da obra

Ainda sobre aqueles trabalhos, que abrem a exposição e são comparados às obras de Mark Rohtko, Denise lembra que estão na moda as chamadas exposições imersivas, mas que elas não passam de projeções. “Enquanto que o Ianelli proporciona um mergulho na cor propriamente dita. O público é atraído pelo pigmento, que o leva realmente para dentro da pintura. E ele usa essas dimensões extraordinárias para justamente as pessoas terem essa sensação”, diz.

Como parte da pesquisa sobre a trajetória de Ianelli, Denise fez visitas às casas de Rubens e Kátia Ianelli, que abrigam o acervo do pai. Delas, tirou a ideia de levar à mostra um pouco dos bastidores da produção do pintor. Três vitrines trazem à exposição algo do dia a dia de Ianelli em seu ateliê, um material nunca antes visto pelo público. Uma delas exibe parte de sua biblioteca – livros sobre colegas de ofício, como Samson Flexor, Flavio-Shiró, Lygia Clark e Hélio Oiticica, ou ainda do fotógrafo J.R. Duran – dividem o espaço de duas estantes com inúmeros pincéis e algumas tintas, assim como reproduções de frases diversas, uma delas atribuída ao escritor francês André Malraux, que diz: “A ordem é o prazer da razão; a desordem é a delícia da imaginação”. Entre as estantes, um cavalete com das obras do pintor.

Noutra vitrine, encontram-se experimentos que Ianelli fazia em paralelo à prática de pintura, voltados à produção de esculturas, nos anos 2000. O artista fazia primeiro um modelo de papel, depois partia para o papelão, uma folha de metal, a madeira e a madeira pintada, explorando possibilidades, com pequenas alterações. Duas das esculturas, cujas etapas de criação estão evidenciadas nesta vitrine, estão presentes na exposição.

“O interessante desse material é que muitas pessoas se perguntam como um pintor tão pintor, como o Ianelli, num certo momento resolve fazer esculturas. Ver esse ateliê ajuda a entender melhor essa obsessão dele na busca pela essência da forma”, ressalta a curadora. “O público percebe que o Ianelli é um artista de processo, num momento das artes em que o processo era valorizado. Hoje em dia, temos certo desprezo por isso, todo mundo está focado no resultado inédito, em algo que nunca foi feito”.

SERVIÇO

Ianelli 100 anos: o artista essencial
Até 14 de maio
Curadoria: Denise Mattar
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) – Parque Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3
Horários: terça a domingo, das 10h às 18h (com a última entrada às 17h30)
Ingressos: R$25,00 inteira e R$12,50 meia-entrada; aos domingos, a entrada é gratuita

Mostra de Arte da Juventude (MAJ) chega à 30ª edição com um número recorde de inscrições

Maria Macedo, frame da fotoperformance "Dança para um futuro cego”, 2021.
Maria Macedo, "Dança para um futuro cego”, 2021.

Criada em 1989, em Ribeirão Preto, a Mostra de Arte da Juventude (MAJ) chega à sua 30ª edição e faz sua primeira itinerância na capital paulista, no Sesc Consolação. Foram 402 inscrições – número recorde – a partir das quais a dupla de curadores Luciara Ribeiro e André Pitol escolheram 40 artistas e coletivos.

“A exposição traz um conjunto de obras selecionadas em parceria com [o curador] André Pitol e reflete a pluralidade da juventude no campo das artes, tanto de contextos quanto de territórios”. Espelha também o que estes jovens têm pensado e utilizado na produção de suas obras. “Há questões políticas, sociais, identitárias, poéticas e estéticas”, conclui.

Segundo Pitol, os temas abordados nas obras da MAJ emergiram das próprias pesquisas estéticas dos artistas e, claro, de seu interesse em discuti-los. E que o aspecto híbrido ou mesmo digital de alguns trabalhos foi consequência natural do período em que a seleção foi feita num período grave da pandemia de covid-19. Entre os trabalhos que ele destaca está o mural 45 propostas antirracistas, de Alan Ariê (Itapecerica da Serra/SP).

 

Ainda segundo Luciara, recentemente a MAJ se abriu enquanto mostra nacional, com participação de artistas de outros estados, ainda que tenha uma grande presença de nomes do Sudeste, em especial de São Paulo. Mesmo assim, ela traz grande diversidade, com artistas do interior e da periferia da capital paulista. Luciara ressalta que ela e Pitol fizeram uma nova leitura da premiação da MAJ, sempre voltada a três artistas.

“Percebemos que nas edições anteriores da exposição o critério era conceder o prêmio aos trabalhos tidos como mais bem resolvidos ou artistas que haviam tido mais destaque. O que nós fizemos foi entender que a mostra deve fomentar a produção e conclusão de trabalhos. Então, neste ano em que a MAJ chega à sua 30ª edição, a premiação foi um incentivo para que as obras pudessem ser finalizadas”, explica.

Ao fim, foram laureados Rebeca Ramos (São Paulo/SP), cujas esculturas estão relacionadas a uma crítica social à desigualdade na cidade de São Paulo e que destacam o amarelo, cor que remete à fome segundo Carolina Maria de Jesus (1914-1977), autora de Quarto de despejo (1960); Anderson Oli (João Pessoa/PB), cujo vídeo A rua que era praia resgata a memória do Complexo da Maré, no Rio; e Roberval Borges (Teresina/PI), que criou um mural com 176 pequenos espelhos em que o visitante tanto se vê quanto “encara um repertório de pessoas”, segundo Pitol, com quem nos deparamos quando vamos a uma feira de rua.

Assista à entrevista com os curadores no vídeo abaixo:

SERVIÇO

30ª Mostra de Arte da Juventude – Itinerância
Até 5 de março
Sesc Consolação – Rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque – São Paulo (SP)
Visitação: de terça a sexta-feira, das 10h às 21h; sábados, das 10h às 20h; domingos e feriados, das 10h às 18h
Entrada gratuita

 

Brasil ganha Red List (lista vermelha) que ajuda a identificar objetos culturais em risco de tráfico

Litografia da vista de S. Sebastião do Rio de Janeiro, tirada das Ilha das Cobras, Alemanha, séc. 19. Crédito: Fundação
Litografia da vista de S. Sebastião do Rio de Janeiro, tirada das Ilha das Cobras, Alemanha, séc. 19. Crédito: Fundação Biblioteca Nacional

O Conselho Internacional de Museus (ICOM) lançou a Lista Vermelha (Red List) Brasil, um documento bilíngue, em português e inglês, que elenca as tipologias dos objetos culturais mais vulneráveis ao tráfico internacional. A apresentação da lista aconteceu na terça (14/2), no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, em cerimônia com a presença da ministra da Cultura, Margareth Menezes. Elaborada em parceria com especialistas brasileiros, a Red List Brasil tem o apoio do Itaú Cultural e do Instituto Moreira Salles.

O objetivo da Red List Brasil é ajudar profissionais de arte e de patrimônio, assim como  autoridades policiais ou mesmo cidadãos a identificar itens suscetíveis à comercialização ilegal. Ela é dividida em cinco categorias: livros, documentos, manuscritos e fotografias; arqueologia; arte sacra e religiosa; objetos etnográficos e paleontologia.

Capa da Red List Brasil
Capa da Red List Brasil

É importante ressaltar que os itens inventariados (veja alguns deles na galeria abaixo) no documento não foram roubados. Eles estão registados em coleções de instituições reconhecidas, são bens públicos pertencentes à União e indicam, para efeito de comparação, as tipologias em maior risco. Também vale salientar que tais objetos são contemplados pela legislação brasileira voltada à proteção do patrimônio cultural e histórico do país.

Segundo Roberta Saraiva, diretora do ICOM Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) lista um total de 1.974 objetos já traficados, sendo que apenas 48 teriam sido recuperados. E, de acordo com a INTERPOL, o Brasil ocupa a 26ª posição entre os países com maior número de bens culturais comercializados ilegalmente.

“Temos uma legislação robusta, mas o país tem dimensões continentais, com fronteiras muito porosas. Portanto é sempre uma grande dificuldade fazer o controle da saída dessas obras. Então, um documento como a Red List é muito estruturante porque, além do uso prático, ele articula as diferentes instâncias de governo para este trabalho de proteção do patrimônio”, afirma Roberta.

A diretora do ICOM Brasil também participou do lançamento, ao lado da presidente global do ICOM, Emma Nardi; da presidente do ICOM Brasil e diretora-executiva do Museu da Língua Portuguesa, Renata Motta; da secretária da Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, Marilia Marton; da presidente do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), Fernanda Castro; e da Chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do MinC, Mariana Braga.

O documento enumera quatro instituições que devem ser contatadas em caso de reconhecimento de um desses objetos: a sede do próprio ICOM, na França; o Iphan; a Agência Nacional de Mineração (AMN) e o Instituto Brasileiro dos Museus (Ibram). A lista insta museus, casas de leilões, comerciantes de arte e colecionadores a não comprarem objetos similares aos apresentados sem que haja antes uma pesquisa rigorosa de sua proveniência e checagem de documentação legal.

Estabelecido em 1946, o ICOM abriga em sua rede mais de 45 mil membros, de mais de 100 países e territórios, e é a única ONG entre as seis organizações especializadas e reconhecidas pelas Nações Unidas na luta com o tráfico de bens culturais, ao lado da UNESCO, UNIDROIT, INTERPOL, WCO (Organização Mundial de Aduanas) e UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime). A instituição elabora as Red Lists desde 2000. Já foram publicadas 20, que contemplam 57 países em quatro continentes. Recentemente, o ICOM lançou uma Red List emergencial, para a Ucrânia, por conta da guerra contra a Rússia.