"We Gave A Party for the Gods", obra de John Giorno, instalada no Castello di Brolio e selecionada pela colecionadora Luziah Hennessy para o percurso Art of the Treasure Hunt. Foto: Divulgação

A região do Chianti Classico, um dos mais sofisticados vinhos da Itália, na Toscana, desde o início de julho é palco de um inusitado percurso de obras de arte contemporânea, denominado ATH – Art of the Treasure Hunt (arte da caça ao tesouro). O tema deste ano é Mulheres na Toscana, mas a produção de nomes como Robert Wilson e John Giorno também fazem parte da programação.

Em sua quinta edição, esse percurso de arte contemporânea abrange desde duas vinícolas com obras instaladas especialmente para a versão 2023 quanto inclui outros espaços que já possuem uma coleção consolidada, caso do Castello di Ama, com nomes estelares como Louise Bourgeois, Michelangelo Pistoletto e Anish Kapoor, entre outros. O itinerário completo pode ser acessado em www.artthunt.com.

A responsável por ATH é a colecionadora Luziah Hennessy, que desde 2016 escolhe artistas e espaços para o percurso. Vivendo entre Florença e uma casa de campo na Toscana, foi por conhecer bem a região que ela deu início ao projeto. “Sempre indiquei aos meus amigos o que podia ser visto por aqui e fui descobrindo como havia muito de arte contemporânea na área”, relembra, em entrevista à arte!brasileiros, em sua casa na vila de Gaiole in Chianti, uma comuna com cerca de 2.300 habitantes.

Escultura de cerâmica da artista italiana Marta Pierobon instalada no quarto do Castelo di Brolio onde dormiu, em 1863, Vitorio Emanuelle II o primeiro rei da Itália. Foto: Fabio Cypriano

A abertura do percurso ocorreu no fim de semana de 30 de junho e 1 e 2 de julho, com um grupo de colecionadores, entre eles a argentina radicada no Brasil Frances Reynold, presidente do Instituto Inclusartiz, que visitaram coleções públicas e particulares, em Florença e na Toscana. Hennessy aproveita a oportunidade para levantar fundos para instituições filantrópicas com os convidados. Em 2023, ela conseguiu cerca de R$ 220 mil para a Fundação Walkabout, que fornece cadeiras de rodas para necessitados.

O fim de semana de abertura coincide com um dos mais importantes eventos da Toscana, o Palio de Siena, uma corrida de cavalos de tradição milenar. Ela ocorre desde o século XIII, e nela os 17 bairros da cidade – as contradas –disputam o primeiro lugar. “Organizo nesta época por conta da agenda dos grandes eventos de arte contemporânea na Europa e para se ter uma razão a mais para visitar a região”, explica Hennessy. 

Castello di Brolio

O coração do percurso está nas vinícolas Castello di Brolio e Fèlsina, mas é na primeira onde a maioria das novas obras está instalada. Fundado em 1141, Brolio impressiona não só pela arquitetura medieval como pela própria história. Em 1863, Vitorio Emanuelle II o primeiro rei da Itália, passou uma estada lá, e seu quarto hoje pode ser visitado. Nessa habitação, em uma lareira e ao lado da cama, estão instaladas esculturas em cerâmica da artista italiana Marta Pierobon. “Eu não as fiz exatamente para esta exposição, mas achei que elas fariam sentido aqui”, contou, em português fluente, a artista.

Em outro espaço com menos pompa, mas não menos impressionante, estão obras de seis artistas de diversas gerações, entre elas as brasileiras Lia D Castro e Jac Leirner. Fazem parte da seleção de Hennessy ainda a espanhola June Crespo, a cubana Diana Fonseca, a coreana Jennie Jieun Lee e a alemã radicada nos Estados Unidos Kiki Smith. As telas de Lia foram escolhidas por Hennessy quando ela esteve no Brasil no início deste ano. “Creio que ela será uma artista ainda com grande projeção”, prevê a colecionadora, que repete a todos uma fala da artista: “Existem dois tipos de casamento: o de longa duração, e o de curta duração, que é com trabalhadoras do sexo”.

Na mostra, Lia, que usa a prostituição como ferramenta para seu trabalho artístico, o que chegou a chocar colecionadoras presentes, é vista em quatro telas que retratam um de seus clientes, Davi, que também assina todas as telas. “Para mim é muito importante trabalhar com a memória da apresentação, e não da representação, já que para a psicanálise de Frantz Fanon a representação é uma forma de destruição”, contou a artista em sua casa, em maio passado. Sendo assim, Davi acaba fazendo uma espécie de coautoria da obra, escolhendo da paleta de cores a deixar vestígios na obra, como esperma ou pedaços de roupa.

Escultura em cerâmica da artista italiana Marta Pierobon dispostas na lareira do Castello di Brolio, uma das sedes do percurso Art of the Treasure Hunt, 2023. Foto: Fabio Cypriano

Já em Fèlsina, Hennessy apresenta quatro artistas: a russa Alexandra Sukhareva, Marta Pierobon, a única a ocupar os dois espaços, Aidan Salakhova, do Azerbaijão, e o norte-americano Bob Wilson. Enquanto em Brolio as obras foram dispostas em habitáveis espaços do castelo, em Fèlsina elas estão exibidas na própria vinícola, em adegas onde o vinho está armazenado em dezenas de barris para amadurecimento, criando um contraste inusitado, como o manto criado por Salakhova, de mármore de Carrara, onde a artista vive atualmente. 

Arredores

Além destes dois espaços, o percurso inclui outras vinícolas que já possuem coleções de arte permanentes, como é o caso do Castello di Ama, uma espécie de Inhotim local, já que os artistas criaram impressionantes instalações para o próprio lugar.

Desde 1999, 16 artistas foram comissionados para produzir obras para o espaço, entre eles o francês Daniel Buren, o italiano Michelangelo Pistoletto, o indiano Anish Kapoor e o cubano Carlos Garaicoa. É dele uma das obras mais curiosas, Yo no quiero ver más a mis vecinos, realizada em 2006, composta por diversas miniaturas de famosos muros que impõe limites como a Muralha da China. O diálogo com a região é bastante obvio, já que muitas construções da região são, elas mesmas, envoltas por grandes muros medievais, caso do Castelo de Radda, sede de outra vinícola importante.

Outro ponto alto da coleção foi realizado por Louise Bourgeois (1911- 2010), este com a ajuda de um assistente que foi até o local, fez diversas fotos, e a francesa naturalizada norte-americana projetou uma instalação para a vinícola. Topiaria é uma escultura que se vê por uma fenda de dentro da adega, em forma de uma mulher sentada, mas de seu corpo forma-se uma rosa, de onde brota água.

Telas da artista brasileira Lia D Castro, no Castello di Brolio, sua primeira exibição na Itália. Foto: Divulgação

Além de locais públicos, os participantes do final de semana de abertura visitaram duas coleções privadas, uma em Florença, do britânico Christian Levett, que reúne um grande acervo de mulheres artistas, entre elas Elaine de Kooning (1918-1989), Mira Schendel (1919-1988), Louise Bourgeois e Tracey Emin. Várias dessas obras foram adquiridas do leilão do acervo do cantor George Michael.

Já a segunda coleção privada visitada foi da suíça Suzanne Syz, que na década de 1980 viveu em Nova York e se tornou amiga de figuras icônicas da arte contemporânea, como Andy Warhol, Jean-Michel Basquiat, Julian Schnabel e Francesco Clemente, todos exibidos em sua casa nos arredores de Siena, junto a outros artistas mais recentes, como o italiano Francesco Jodice, a suíça Silvie Fleury e o alemão Carsten Höller. “Colecionar é dar apoio a jovens artistas e eu faço isso com o coração”, defendeu Suzanne ao grupo, próxima ao retrato que Warhol fez dela e seu filho Marc. Definitivamente, não é só vinho de qualidade que se encontra na Toscana. ✱

*Fabio Cypriano viajou a convite da organização de Art of the Treasure Hunt

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