Marta Minujín e Andy Warhol na na fotoperformance
Marta Minujín e Andy Warhol na na fotoperformance "El pago de la deuda externa argentina con maíz, 'el oro latinoamericano'" (1985). Foto: Leonor Amarante

A dimensão transformadora da arte cria personagens que se diferenciam dos demais pela força criadora e continuidade inesgotáveis. Marta Minujin: Ao vivo, em cartaz a partir deste sábado (29/7) na Pinacoteca Luz, reafirma essa máxima exibindo uma produção alegórica, interestelar, atemporal, que celebra 60 anos de arte e delírio da icônica artista argentina.

Tudo o que se vê por trás desse repertório estético já rompeu convenções, criou muito barulho e não dissocia vida e obra alimentadas também por energias coletivas produzidas por amigos famosos como Allan Kaprow, pioneiro do happening e o lendário Andy Warhol.

O público que chega à Pinacoteca é recebido por um trabalho gigante inflável de 17 metros, a Escultura de los deseos (Escultura dos desejos, 2022), em que Minujín explora a natureza plástica dos materiais que produzem o ritmo. Essa obra de clima festivo foi feita para o Lollapalooza Argentino. O recorte afinado de Ana Maria Maia, curadora da mostra, traz dezenas de obras que compõem a “ópera” Minujín, síntese dos desejos típicos de uma artista nascida e socializada com gatilhos ambiciosos e produtivos, com objetivo claro de criar uma arte autoral inconfundível.

A exposição não é itinerante, foi pensada e desejada pela Pinacoteca, segundo a curadora. “A América Latina está na programação dos próximos anos do museu, e Minujín surge como um dos primeiros nomes da lista. Começamos a visitar o ateliê dela, em Buenos Aires, no começo do ano passado.” A mostra foi pensada em conjunto, e as obras escolhidas são o fio condutor de uma produção que atravessa vários movimentos internacionais de arte. O diretor da Pinacoteca, Jochen Volz, ressalta no catálogo que a ideia de realizar uma exposição de Minujín vem desde 2018, quando a artista participou da coletiva Mulheres radicais: arte latino-americana, 1960-1985, organizada por Cecilia Fajardo-Hill e Andrea Giunta.

A exposição inaugural de Minujin foi em 1959 no Teatro Agón, em Buenos Aires, quando ela tinha apenas 16 anos. Dois anos depois obteve bolsa de estudos do National Endowment for the Arts o que lhe permitiu fixar-se em Paris, onde iniciou as estruturas habitáveis, cobertas por colchões encontrados entre os resíduos dos hospitais parisienses. Em 1963 criou La Destrucción, seu primeiro happening, quando reuniu obras com colchões e convidou colegas para destruí-las. Era o início de uma vida agitada com experiências internacionais performáticas que lhe permitiram, ainda jovem, criar uma voz feminina inovadora na competitiva e fechada cena artística portenha da época, dominada por artistas vestidos de tweed e gravata. Abrindo caminhos, Marta inventou sua maneira de lidar com a arte e com o sistema.

Entre vários trabalhos em exposição na Pinacoteca destaca-se El Batacazo (1965), por ter sido premiado no Instituto Di Tella de Buenos Aires (1963/1969), quando o espaço era o epicentro da vanguarda argentina e por onde passaram celebridades internacionais. De happenings, às instalações e ambientações, quase nada escapou da programação desse icônico instituto que pulsava em plena Calle Florida. O Prêmio Internacional Di Tella transformou-se em vitrina para o mundo da arte, quando a instituição fazia ponte com museus importantes como o MoMA e galerias influentes, como a do marchand Leo Castelli, em Nova York. Com essa premiação, Minujín chamou a atenção de Aldo Pellegrini, poeta, ensaísta e crítico de arte, que participou do júri, mas quem a lançou, de fato, foi Romero Brest, que dirigia o Di Tella. Entre 1970 e 1980, Minujín tornou-se uma artista internacional, conhecida por suas performances e instalações singulares.

A artista sempre atuou no Brasil, onde tem muitos amigos. Em 1978, a convite do crítico Walter Zanini, integrou a mostra Poéticas visuais, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), organizada por Julio Plaza e Zanini, que à época era diretor do museu. Meses depois, participou da 1ª Bienal Latino-Americana de São Paulo, cujo tema foi Mitos e magia, que foi transformado na paródia Mitos e vadios, uma intervenção organizada por Ivald Granato num estacionamento da rua Augusta, com performances de vários artistas, como Minujín, Oiticica, Aguilar e Regina Vater.

O arco conceitual da mostra abrange o neoconcretismo, a tropicália, a psicodelia, entre outros movimentos presentes na produção de Minujín. Em um de seus processos midiáticos, em 1976, criou a ação Comunicando con tierra, em que ela propõs intercambiar o solo latino-americano com interlocutores de todo o continente. Marta foi a Machu Picchu, no Peru, e coletou 23 kg de terra, dividindo-a em pacotes de um quilo, e enviou 23 deles a artistas de cidades diferentes da América Latina. No Brasil, foi José Roberto Aguilar que misturou a terra recebida com a de São Paulo, e Hélio Oiticica juntou a terra de Machu Picchu com a do Rio de Janeiro. Depois de receber todas as 23 misturas, ela voltu a Machu Picchu onde enterrou tudo de volta.

Minujín costuma dizer que política atrapalha a criação, mas, na verdade, seu trabalho toca na política à maneira dela, na convocação do corpo, na insurgência na dança, na brincadeira, no jogo. Ana Maria lembra que a artista tem séries importantes que falam do fato de ela ser latino-americana, de se colocar na cena internacional como mulher latino-americana. Um dos trabalhos mais icônicos, e eminentemente político, é o que reflete sobre o rombo que a ditadura militar argentina deixou nos cofres do governo. A curadora lembra que durante o período de redemocratização, a inflação tornou-se incontornável, o endividamento com potências internacionais foram às alturas. Então, em 1985, Minujín comentou esse episódio na fotoperformance argentina con maíz, “el oro latinoamericano” (O pagamento da dívida externa argentina com milho, “o ouro latino-americano”), na qual ela e Andy Warhol personificaram estereótipos de seus países de origem: no caso, uma argentina devedora e um estadunidense credor. Enquanto Minujín forjava um pagamento baseado em sacas de cereal, os índices de inflação na Argentina chegavam a picos altíssimos.

Outro caminho que Minujín adotou para intervir no imaginário geopolítico regional foi atuando no espaço público, conforme se vê nos trabalhos que ocupam uma das salas da exposição. Depois de El obelisco acostado (O obelisco tombado), de 1978, que criou a viagem imaginária do monumento desde a Praça da República, em Buenos Aires, até o interior do pavilhão da Fundação Bienal de São Paulo, Minujín começou a criar uma série de projetos superdimensionados para serem instalados em ruas de diferentes cidades e países. Hoje a artista soma vários deles e não para de ser convidada para criar muito mais ainda.

SERVIÇO
Marta Minujín: Ao vivo
Curadoria: Ana Maria Maia
Até 28/01/2024
Pinacoteca Luz (1º andar) – Praça da Luz, 2
Horários: de quarta a segunda, das 10h às 18h (entrada até 17h)

 

 

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