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Mexendo com estruturas

André Komatsu, Realidade perecível #14, 2018, 3 x 630 x 420 cm, tela de fibra de vidro, madeira, tinta esmalte a base d’água e verniz acrílico sobre concreto

Aos 40 anos de idade, o artista André Komatsu coleciona uma série de mostras importantíssimas em seu currículo, tendo participado da delegação brasileira na Bienal de Veneza em 2015 e de duas Bienais do Mercosul seguidas, em 2009 e 2011. O artista divide um espaço com um amigo no Belém, no começo da Zona Leste. O galpão de 400 m2 é usado basicamente para que as ideias tomem forma, ideias essas que surgem em qualquer lugar, seja em um quarto de hotel ou mesmo durante uma troca com o público.

Komatsu é um artista questionador, e que não tem receio disso. Seu posicionamento anti-sistema (ou mesmo no plural) é um fator importante em seu trabalho, desde o início: “A gente precisa entender que a estrutura social nunca foi alterada. Entender que o que vivemos hoje, por exemplo esse levante ultraliberal, é um desenvolvimento do mercantilismo, da burguesia, quando eles começaram a entender que o Estado poderia ser um veículo de acúmulo de capital”, comenta o artista.

Ele vem de um grupo que fazia muita performance no começo da carreira, entre 1999 e 2000: “Antigamente era muito mais visceral. Venho de uma turma que cresceu num momento que o mercado de arte não era grande como agora. Tinha quase nada. E era um grupo de artistas que o pessoal não tinha dinheiro”, ele conta. De lá pra cá, ele já trabalhou com várias modalidades, da gravura à performance à instalação: “Naquela época, você se virava com qualquer coisa. Material eu pegava na rua. Ou fazia performance porque não precisava gastar dinheiro…”. Até começar a realmente tirar um sustento de suas criações, Komatsu trabalhou como motorista particular, professor e barman.

A servidão voluntária, as relações do trabalho, a sistematização das ações, a objetificação do sujeito são alguns dos pontos que André trabalha como artista, se colocando como um pensador que investiga a ética, a política e a sociedade. Muitas vezes, ele utiliza reflexões sobre a arquitetura e a construção civil para falar sobre isso, por exemplo em obras como a da série Realidade Perecível, na qual ele apresenta textos escritos sobre telas finas feitas com concreto, que simulam um tipo de cortina. Tão frágeis que vão se desfazendo com o tempo e com o manuseio, desintegrando palavras termos como “o progresso”, “o novo mundo” e até mesmo a frase “hoje como ontem”, retirada de um jornal nazista. O estrutural e o esfarelamento da estrutura aparecem como analogias, já que ele admite: “Eu acredito que as coisas só mudem com a quebra das estruturas”.

Outra série ligada às palavras, mais especificamente à comunicação, mostrada recentemente na exposição individual Estrela Escura, na Galeria Vermelho, Acordo Social mostra jornais coletados de vários países cujos “nomes estabelecem uma palavra de ordem”, independente da linha editorial: O Mundo, A República, O Manifesto. Komatsu cobre o jornal com placas de chumbo, deixando apenas o nome visível: “Eu isolo a informação, fazendo uma relação com o reflexo de hoje, onde a informação está ali mas é velada, que são as verdades que acabam direcionando o público”.

As discussões que o artista busca trazer estão muito ligadas à sua base teórica. As leituras são frequente e indispensáveis pra ele: “Os livros que acabo lendo são muito ligados à Filosofia. Não tem nada a ver com arte. Raramente leio coisas sobre arte”, ele explica que receia que as leituras sobre arte reduzam tudo a um microcosmo: “Eu tento entender uma outra coisa. E utilizo a arte para isso”. Para isso, ele se debruça sobre autores como Michel Foucault e Vilém Flusser.

Os questionamentos de André se somam em uma representação da realidade, buscando acompanhar as questões do contemporâneo e olhando também para o passado. De referências aos candangos que construíram Brasília às que envolvem a recente crise hídrica em São Paulo, André se envolve com uma espécie de preservação da História, afinal: “Quando você apaga a História, você apaga o entendimento sobre a realidade”.

Leitura plural da obra de Pedro Motta

Ao apresentar as mais significativas séries produzidas por Pedro Motta na última década, acompanhadas de textos de curadores, fotógrafos, artistas e escritores, o livro Natureza das Coisas não apenas expõe a vasta obra recente do artista mineiro como aprofunda – em várias direções – o debate sobre seu trabalho.

Isso porque cada uma das dez séries escolhidas para estampar as páginas da publicação, que tem organização do curador e crítico Rodrigo Moura e lançamento pela editora UBU, é seguida do texto de um autor diferente, possibilitando leituras múltiplas da produção do fotógrafo, artista e “arqueólogo-viajante” – como escreve Ricardo Sardenberg.

Foto que está no livro. Crédito: Divulgação

Apesar de todos os trabalhos terem como suporte básico a fotografia, Moura ressalta já no primeiro texto que o trabalho de Motta não cabe em definição simples: “Fotografia direta, desenho, colagem, manipulação digital, mock ups, simulacros e esculturas são usados e recombinados para ficcionalizar a realidade ou aproximar o documento fotográfico da ficção. Na era da pós-verdade, essas são estratégias para desnaturalizar a fotografia de natureza e de paisagem, norte orientador de sua prática”.

Além de Moura e Sardenberg, o livro reúne escritos de Eduardo de Jesus, Agnaldo Farias, Ana Luisa Lima, Luisa Duarte, Nuno Ramos, Kátia Hallak Lombardi, Cauê Alves e José Roca. Nas palavras de Lima: “Pedro Motta tornou-se testemunha e narrador das agruras resultantes da interação entre ‘cultura’ e ‘natureza’”. Se por vezes o artista aborda, como ressalta Farias, a frieza com que o homem lida com a natureza, por outras salienta a “insistência” desta em resistir.

Seja em obras feitas em ambientes rurais ou urbanos, com intervenções mais ou menos nítidas, “o trabalho de Motta atrai o olhar e logo questiona o que vemos, pondo sempre o espectador em estado de alerta. A oscilação entre verdade e ‘verdade construída’ mantém a atenção instável e exige um olhar lento, consciente e questionador”, escreve Roca.


Pedro Motta: Natureza das coisas
Rodrigo Moura
Ubu Editora
R$ 89,00

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As pulsões de Iole de Freitas

 

“Receita para criatividade: o mês de Maio + um pacote de bolachas”, escreveu em inglês, em um caderno, a artista Iole de Freitas em meados de 1974, quando começava a produzir e expor os seus trabalhos. Muitos meses de maio e pacotes de bolachas de passaram desde então, a produção de Iole foi crescendo e se desenvolvendo. Fotografias, filmes experimentais, instalações, performances e esculturas aconteceram nos mais de 40 anos que passaram desde então.

Um panorama de sua produção e sua linguagem acaba de ser lançado pela editora Cobogó, no livro Iole de Freitas – corpo/espaço. O volume espesso tem organização do curador e crítico de arte Paulo Venancio Filho, que já no texto de abertura do livro traça um delineia um quadro lógico entre sobre o uso do corpo na obra de Iole, desde as primeiras fotografias e gravações (“uma intersecção entre body art, performance e filme experimental”) até as esculturas, que, ainda no início, manifestavam “a busca por algo flexível como o corpo”, sem dúvidas explorando o espaço para isso.

Além deste ensaio de Paulo que funciona como uma introdução para o livro, há um outro da curadora Elisa Byington que o encerra. Este último se debruça sobre os trabalhos mais recentes de Iole, nas quais a artista explora a maleabilidade do aço inox ao ser dobrado, formando as mais variadas curvas. Iole também participou ela mesma da elaboração do livro, tendo se envolvido com seu acerto pessoal hoje no Instituto de Arte Contemporânea (IAC), em São Paulo, para oferecer o mais vasto material para a edição, tendo também a auxílio da filha, Rara Dias. Para além dos ensaios, estão anexados textos passados e essenciais sobre a trajetória da artista, escritos por Lucy Lippard, Sônia Salzstein, Paulo Sergio Duarte, Ronaldo Brito, Manuela Ammer e Rodrigo Naves.

A fluidez evocada por uma leveza nas formas das esculturas ou mesmo nos gestos de performances (mesmo que quando com facas) é ponto bem perceptível nas páginas do volume, talvez por ser necessária para os cursos das pulsões, sobre as quais Ronaldo Brito aponta: “Algo nas construções passageiras e inquietantes de Iole de Freitas como que traduziria a mobilidade permanente e indecidível das pulsões”.


Iole de Freitas – corpo/espaço
Paulo Venancio Filho (org.)
Cobogó
R$ 90,00

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IMS atesta afeto e defesa dos Yanomamis

Foto de Claudia Andujar que está na mostra. FOTO: Divulgação

Tem caráter de manifesto a mostra Claudia Andujar – A luta Yanomami, em cartaz no Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo. Em cerca de 300 imagens, a exposição retrata os quase 50 anos do comprometimento da artista com os povos indígenas, em um momento que o governo federal estimula ameaças que colocam em risco a condição deles na Amazônia.

Andujar tem sido vista de forma recorrente nos últimos 20 anos, desde a chamada Bienal da Antropofagia, em 1998, passando pela bienal Como viver junto, em 2006, tendo o ápice de visibilidade na inauguração do seu pavilhão em Inhotim, há três anos, além de outras dezenas de mostras, coletivas ou individuais, como na Pinacoteca do Estado, em 2005, com A vulnerabilidade do ser.

Contudo, o recorte proposto por Thyago Nogueira, que organiza a mostra atual, dá contundência ao trabalho de Andujar, apresentando ainda um vasto material de notas, entrevistas para a imprensa, livros e mesmo diários gravados, que atestam o profundo vínculo de Andujar com os yanomamis.

Trata-se, na verdade, da segunda mostra sobre Andujar no IMS. A primeira, No lugar do outro, de 2015, exibida na sede carioca, reuniu a produção da artista nos anos 1960 e 1970, especialmente como fotojornalista, mas abarcando séries que já apontavam para sua estratégia particular de produzir imagens a partir de um envolvimento efetivo. A mostra chegou até as fotos para a edição especial da revista Realidade, sobre a Amazônia, de 1971. Foi então seu primeiro contato com os yanomamis.

Três anos depois, em 1974, ela retornou equipada para permanecer um longo tempo entre aqueles com os quais viveria por mais de quatro décadas. “Acho que uma das coisas mais maravilhosas deles é o fato de que parecem estar sempre felizes. Escuto-os rir de manhã, gritar de um jeito alegre, conversar, cantar. À noite, quando escurece, deitam nas redes e é a mesma coisa por horas”, diz a suíça naturalizada brasileira, em inglês, em um dos áudios disponíveis na mostra, realizado em 1974, uma de suas primeiras idas ao Catrimani, o povoado mais visitado por ela.

A exposição atual é dividida em duas partes, e a primeira atesta de fato essa alegria contagiante dos yanomamis na mata, na maloca, em seus rituais de festa e em conexão com os espíritos da floresta. Algumas imagens são conhecidas, mas há muito material novo. No geral, reforçam a relação íntima, afetiva, delicada entre a fotógrafa e seus retratados. São imagens realizadas próximas, de uma testemunha que não se considera distante e que para melhor transmitir o que vê usa recursos simples, como passar vaselina nas bordas da lente da câmera, para desfocar o entorno, fazendo sobressaltar quem está no centro da imagem.

Nesta primeira sala ainda, como não há paredes dividindo o espaço, mas as fotografias estão penduras do teto, há quase a simulação da convivência das famílias em suas ocas. Sem dúvida é uma opção ética, o do viver junto, que segue o respeito que Andujar dedica na construção das imagens.

Já no segundo andar, Nogueira ressalta o caráter militante de Andujar, seja com a série Marcados, realizada em 1983, quando junto com dois médicos vacinou centenas de Yanomamis, protegendo-os contra doenças que chegaram junto com as estradas abertas pela ditadura militar.

O destaque, contudo, fica por conta da instalação Genocídio do Yanomami: Morte do Brasil, criada em 1989 e exibida no mesmo ano no Museu de Arte de São Paulo (Masp), contra a ameaça de demarcação da terra indígena, pelo governo Sarney, em 19 “ilhas” na Amazônia, que terminaria por asfixia-los.

A criação do território Yanomami, uma área com o dobro do tamanho da Bélgica, ocorreria três anos depois, em 1992, no governo Collor. Para alguns teóricos, pelo empenho da Andujar à causa, essa poderia ser considerada a maior obra de land art existente.

A instalação foi originalmente montada com um sistema de projetores de slide, mas no IMS é feita com um sistema digital, que projeta fotos de Andujar e, por meio de filtros e luzes, cria uma narrativa de um mundo em harmonia que vai sendo, aos poucos, destruído. O que há 30 anos já era uma causa urgente volta a ter atualidade frente às declarações do presidente eleito, que acha que demarcação de território indígena é “como manter zoológico”.

Com imagens de 43 fotógrafos, Leilão Lula Livre acontece nesta quarta em São Paulo

Foto de Bob Wolfenson

Por iniciativa do grupo Fotógrafos pela Democracia, com a colaboração de importantes nomes da fotografia brasileira, acontece nesta quarta-feira, dia 3 de abril, o Leilão Lula Livre.  São 50 imagens do ex-presidente, em diversos momentos de sua vida, doadas por 43 fotógrafos. Entre eles estão Bob Wolfenson, Marlene Bergamo, Ricardo Stuckert, Juvenal Pereira, André Dusek e Hélio Campos Mello (veja a lista completa abaixo).

Todas as fotos, de grande valor histórico, têm a assinatura de Lula, e partem do valor inicial de R$ 1.313,00. O leilão acontece no bar Sabiá, em São Paulo, e haverá também a possibilidade de participar online (veja no site). O dinheiro arrecadado irá para o Instituto Lula, para onde convergem todas as ações de apoio à libertação do ex-presidente.

Para os organizadores do evento, em texto de divulgação: “Poucos líderes mundiais tiveram a trajetória política tão documentada quanto o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Não só pelo seu carisma e simplicidade, como também pela extensa vida de luta.  Uma parte desses registros será leiloada, representando nossa grande bandeira pela liberdade de Lula, hoje um preso político no Brasil”.

O texto segue: “As fotos registram mais de quatro décadas da vida de Lula: desde o jovem sindicalista falando aos trabalhadores em assembleia, sua eleição para o sindicato dos metalúrgicos e a histórica greve dos metalúrgicos do ABC em 1979 até o Lula de cabelos brancos, sendo carregado nos ombros do povo, momentos antes de sua prisão, em sua intimidade familiar, suas alianças políticas e a grande identificação com o povo brasileiro, que o abraçou nos lugares mais pobres e esquecidos deste país”.

Participam os fotógrafos: Alberto Veiga, André Dusek, Bob Wolfenson, Celso Junior, Christian Carvalho Cruz, Claudia Ferreira, Claudia Guimarães, Douglas Mansur, Ed Viggiani, Edu Simões, Egberto Nogueira, Eliária Andrade, Ennio Brauns, Francisco Proner, Helcio Toth, Hélio Campos Mello, Ian Maenfeld, Jarbas de Oliveira, Jesus Carlos, João Bittar, João Roberto Ripper, João Wainer, Juca Martins, Juvenal Pereira, Luiz Prado, Lula Marques, Luludi Melo, Márcia Zoet, Marisa Carrião, Marlene Bergamo, Masao Goto Filho, Midia Ninja, Miguel Chikaoka, Mônica Maia, Mônica Zarattini, Nair Benedicto, Nana Moraes, Paulo Pinto, Ricardo Stuckert, Roberto Parizotti, Rogério Reis, Rosa Gauditano e Wilson Pedrosa.

ARTE!Brasileiros e MAM-SP promovem debate “Sertão: experimentação e resistência”

No próximo dia 4/4, quinta-feira, 18h30, o MAM e a ARTEBrasileiros promovem o debate “Sertão: experimentação e resistência”, ligado ao 36º Panorama da Arte Brasileira, com a participação da curadora Júlia Rebouças e Durval Muniz de Albuquerque Jr., professor da UFRN e UFPE, autor do livro “A invenção do Nordeste e outras artes”. O evento acontece no auditório Lina Bo Bardi e a entrada é gratuita.

Inscrições antecipadas no link: http://bit.ly/DebateSertao36Panorama

O Panorama será realizado entre 17 de agosto e 15 de novembro de 2019.

Serviço:
Debate Sertão: experimentação e resistência – 36º Panorama da Arte Brasileira
Data: 4/4/2019, 18h30
Auditório Lina Bo Bardi
Museu de Arte Moderna de São Paulo
Parque Ibirapuera, portões 2 e 3

Confirme presença no evento no Facebook: https://www.facebook.com/events/2287715558110445/

Sobre os participantes:

​Júlia Rebouças. Nasceu em Aracaju, Sergipe, 1984

É curadora, pesquisadora e crítica de arte. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Minas Gerais (2017).
Atualmente, é curadora do 36º Panorama da Arte Brasileira MAM-SP, intitulado Sertão, com inauguração em agosto de 2019. Foi co-curadora da 32ª Bienal de São Paulo, Incerteza Viva (2016) e da 9ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, em 2013. Entre 2007 e 2015, trabalhou na curadoria do Instituto Inhotim, Minas Gerais. Na Associação Cultural Videobrasil, integrou a comissão curadora dos 18º e 19º Festivais Internacionais de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil, em São Paulo. Prepara a mostra individual de Cildo Meireles no Sesc Pompeia, São Paulo, a acontecer em 2019.

 

Profº Dr. Durval Muniz De Albuquerque Júnior. Nasceu em Campina Grande, Paraíba, 1961.

Mestre e doutor em História Social pela Unicamp. Professor titular da UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor dos programas de pós-graduação em História da UFRN e da UFPE – Universidade Federal de Pernambuco. Autor dos livros A invenção do Nordeste e outras Artes (Cortez, 1999);  História, a arte de inventar o passado (Edusc. 2007), Preconceito contra a origem geográfica e de lugar: as fronteiras da discórdia (Cortez, 2007) dentre outros. Além disso é autor de capítulos em vários livros e artigos nas áreas de Teoria da História, História Cultural dos espaços e Estudos de Gênero.

Telas de Thiago Martins de Melo inauguram fusão Leme + Almeida e Dale

Thiago Martins de Melo, Necrobrasiliana, 2019. FOTO: Filipe Berndt

 

Após a galeria Leme e a galeria Almeida e Dale anunciarem uma fusão no final de janeiro passado, a agora Leme/AD abrirá exposição Necrobrasiliana, do artista maranhense Thiago Martins de Melo no dia 30 de março, a partir das 13h.

Thiago desenvolve telas imponentes com críticas à necropolítica, do extermínio dos povos indígenas ao genocídio da juventude negra. O artista não tem receio de ser político ou de se colocar na obra. Figuras como Marielle Franco, Marighella e até mesmo o bando de lampião podem ser identificadas em seus trabalhos.

Além do forte conteúdo político, que chama muito a atenção, a técnica nas pinturas do artista é notável, com um exímio rigor formal. Acompanhando as pinturas, o artista também leva à galeria uma escultura e uma instalação.

Augusto de Campos abre nova exposição e chama o momento atual do Brasil de “deplorável”

“Mercado”, obra de 2002 que está na mostra. FOTO: Divulgação
“Mercado”, obra de 2002 que está na mostra. FOTO: Divulgação

Sentindo-se deprimido por conta dos acontecimentos políticos brasileiros dos últimos anos – desde o impeachment de Dilma Roussef até a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro –, o poeta e artista visual Augusto de Campos, hoje aos 88 anos, se encontrava “pouco animado a expor qualquer coisa”, como ele mesmo conta. Após 70 anos de carreira, “estava sem muita disposição e paciência com ‘artices’ e ‘artismos’”.

Quando veio o convite da Luciana Brito Galeria para que realizasse uma mostra individual, titubeou, mas aceitou principalmente pela “oportunidade de manifestar o meu inconformismo”. Para isso decidiu reunir em uma mesma exposição trabalhos antigos e atuais que, em conjunto, sinalizam para os paralelos entre os piores períodos da ditadura militar e os dias de hoje.

“Além da horrorosa guinada à direita, nunca vi tanta mediocridade junta, tanta gente feia, tanto retrocesso, nem mesmo na ditadura militar. É um pesadelo, em que tudo foi entortado e rebaixado, e uma figura monstruosa como Trump aparece como ‘deus ex machina’, bajulado e bafejado por nossos governantes na pior paródia que se poderia imaginar da paródia histórica que foi a ditadura vintenária que nos assombrou”, dispara o escritor.

Criador, ao lado de Haroldo de Campos e Décio Pignatari nos anos 1950, do que ficou conhecido como poesia concreta e dono de uma vasta obra “verbovicovisual” – termo que se refere às dimensões semânticas, sonoras e visuais da palavra –, Augusto expõe agora, na mostra Poemas e Contrapoemas, desde obras célebres como LUXO, de 1965, até inéditas como CLÁUSULA PÉTREA. Aparentemente uma simples transcrição de um artigo da Constituição brasileira, a poesia de 2018 se revela, no contexto atual, como crítica contundente à “situação jurídico-política do país” e à prisão do ex-presidente Lula.

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, diz o poema de Augusto, que além de artista visual, poeta, escritor e tradutor é formado em direito e foi procurador do Estado durante 40 anos. Mas o próprio Augusto ressalta que a exposição não apresenta somente poemas de viés político. Obras com outras temáticas e seu trabalho com diferentes materiais e suportes – em papel (serigrafia e impressão), em tela e em vinil – estão presentes na Galeria Luciana Brito a partir deste dia 30 de março.

Depois de longa trajetória sendo reconhecido majoritariamente no campo das letras, Augusto começa a ganhar mais espaço também no campo das artes, destacadamente a partir da mostra retrospectiva REVER, realizada em 2016 no Sesc Pompeia. Em 2017 – ano em que recebeu o Grande Prêmio Janus Pannonius, espécie de Nobel da poesia – realizou sua primeira individual em uma galeria de arte, também na Luciana Brito.

Por e-mail, Augusto de Campos respondeu ao que seria uma curta entrevista enviada pela ARTE!Brasileiros – apenas quatro perguntas –, mas que se tornou um longo e contundente texto de um pensador que nunca temeu tomar lado na história. Leia abaixo a íntegra.

ARTE!Brasileiros – A exposição Poemas e Contrapoemas reúne obras de diferentes períodos, criadas desde os anos 1960 até hoje. Como se deu a escolha dos trabalhos e como você enxerga estas obras quando colocadas em conjunto?

Augusto de Campos – Tudo começou com um convite que recebi da Galeria Luciana Britto. Eu, na verdade, estava pouco animado a expor qualquer coisa, deprimido como me encontro com a situação jurídico-política do país, sem muita disposição e paciência com “artices” e “artismos”. Mas resolvi acolher a ideia quando aceitaram que eu expusesse, além de trabalhos novos, alguns dos meus “contrapoemas”, obras de contestação tanto à noção convencional de poesia quanto ao momento político que atravessamos. No meu estado de espírito, era difícil para mim, um poeta de vida longa, com 70 anos de atuação artística, “sobrevivente” de várias gerações, pensar em voltar a exibir-me tão cedo.  Mas a proposta que me fizeram foi de uma mostra reduzida, com poucos trabalhos em grande formato e em novos materiais, não todos inéditos. E a oportunidade de manifestar o meu inconformismo, rara para mim, que pouco espaço tenho nas mídias usuais, prevaleceu quando me ocorreu associar alguns novos experimentos contestatários a um poema que nasceu de um momento análogo, LUXO, que publiquei em 1965 e que agora volto a exibir de uma forma diferente. Há um arco, portanto, nessa curva temporal, de mais de meio século, embutida na mostra.

Você vê paralelos entre o Brasil de hoje e o de quando começou a produzir os “contrapoemas”?

Sim, vejo paralelos. Compus LUXO, em 1965, em plena vigência do golpe militar imposto no ano anterior, e o poema me foi sugerido por um incidente que ocorreu em dezembro de 1964, na exposição dos Popcretos que fiz com Waldemar Cordeiro, na Galeria Atrium em São Paulo. Quando fomos retirar as obras, terminada a mostra, todas elas tinham sido danificadas com ofensas inscritas em esferográfica. Numa das minhas obras, que tinham claro viés antiditadura, haviam escrito a palavra “lixo”. O anúncio de apartamentos de alto luxo, publicado no ano seguinte, com fototipos kitsch-decorativos, associou-se em minha mente à palavra com que tentaram vandalizar aquele meu trabalho e me levou à concepção do poema, que buscava satirizar a classe média e alta, que, em sua maioria, apoiava o golpe de então. LUXO foi publicado como poema-objeto e como encarte em revistas, livros e vídeos, aqui e no exterior.  Na ocasião, tinha-me ocorrido fazer uma versão diferente, em formato redondo, como uma requintada tampa de lixo, que acabou descartada por falta de fundos e de tecnologia. Tentamos, agora, uma aproximação dessa ideia com a melhor técnica disponível. O poema LUXO é a ponta do arco que começa nos anos 60, sob a égide do lema de Maiakóvski — “sem forma revolucionária não há arte revolucionária” — e continua nos “contrapoemas”, concreto-conceituais, compostos mais recentemente. Destaco entre eles CLAUSULA PÉTREA, que nada mais é do que um ready made. Trata-se da transcrição do inciso LVII do artigo 5º da nossa Constituição, preceito que só pode ser alterado, ampliado ou atenuado por uma nova Constituinte, e que proíbe que um cidadão seja considerado culpado antes de condenado em última instância, e não apenas em segundo julgamento, e preso como ocorreu com o ex-presidente Lula, em evidente desrespeito à Lei Maior. Como essa matéria será, ao que se anuncia, em breve rediscutida pelo Supremo Tribunal Federal, o poema vem a calhar, e insisto em compartilhá-lo, na esperança de que o egrégio tribunal, Supremo entre os Poderes, desta feita não se atemorize diante das pressões de haters, extremistas de direita e militares radicais e faça prevalecer a norma fundamental da Carta Magna, que consagra a presunção de inocência e assegura os nossos direitos individuais. A prevalecer a atual decisão, que divide a Alta Corte, e contraria também o princípio curial “in dubio pro reo”, teremos prisões prematuras, escassas de provas, e que induzem as instâncias superiores a manter os julgados, ainda que injustos ou carentes de suporte probatório, diante do dano irreparável a que se submete quem tiver sido privado de sua liberdade e  desmoralizado em um processo judicial a meio do caminho. Pois como indenizar um prisioneiro afinal inocentado? Não. Que os juízes trabalhem. Para os casos de periculosidade evidente, há o remédio da prisão cautelar. Prisões políticas não se justificam.

Como enxerga o atual momento político e a ascensão da extrema direita?

Quanto à situação política atual, acho-a simplesmente deplorável. Além da horrorosa guinada à direita, nunca vi tanta mediocridade junta, tanta gente feia, tanto retrocesso, nem mesmo na ditadura militar. É um pesadelo, em que tudo foi entortado e rebaixado, e uma figura monstruosa como Trump aparece como ‘‘deus ex machina”, bajulado e bafejado por nossos governantes na pior paródia que se poderia imaginar da paródia histórica que foi a ditadura vintenária que nos assombrou.

O conteúdo dos trabalhos nunca está dissociado das formas, dos materiais, das cores, dos modos de expor. Gostaria que você falasse um pouco sobre como se deu essa parte da pesquisa e produção da nova exposição.

A mostra não é constituída apenas de poemas de viés político. Há ainda poemas de outra natureza, menos disfóricos, alguns conhecidos, mas apresentados de forma e suportes diferenciados, e que tentam compactar-se num recorte que eu diria ideogrâmico, buscando constituir um conjunto formalmente coerente. Troquei muitas ideias com os organizadores, que compartilharam dúvidas e soluções comigo. Dada a relação entre as dimensões dos trabalhos e o espaço disponível da galeria, não podíamos contar com grande número de obras. Por outro lado, havia limitações gráficas para a expansão das dimensões originais, já que a maior parte das obras foi produzida para formatos menores, nem todos suscetíveis de vetorização suficiente para que pudessem ser ampliados sem perda de qualidade, produzidos que foram por mim, quase todos, com programação digital. Cada caso foi analisado e resultou de uma pesquisa própria de escolha de material compatível, com vistas à tônica geral da mostra, na qual as obras são idealmente abraçadas pelo poema CIDADECITYCITÉ, de 1963, numa versão especialmente concebida para o espaço da galeria.

 

Poemas e Contrapoemas

Luciana Brito Galeria – av. Nove de Julho, 5162

De 30/3 a 1/6

Entrada gratuita

Solange Farkas e Gabriel Bogossian falam sobre bienal Sesc_Videobrasil

Em primeiro ano reconhecendo-se como uma “bienal”, não mais “festival”, o Sesc_Videobrasil terá 55 artistas, já divulgados em fevereiro passado. A partir do tema Comunidades Imaginadas, a bienal deste ano, que acontece entre entre 09 de outubro de 2019 e 02 de fevereiro de 2020, será sediada no Sesc 24 de maio.

Usando uma estratégia comum a bienais, o projeto adota a iniciativa de partir de um conceito, um tema. Essa talvez seja a grande mudança que o peso do novo título carrega. O open call ainda é considerado para a escolha dos artistas que participarão, mas agora há a sugestão de um ponto de partida para o pensamento e construção da obra.

A direção artística da bienal ainda fica a cargo de Solange Farkas, fundadora da Associação Cultural Videobrasil, que tem como parceiros no corpo curatorial Gabriel Bogossian, Luísa Duarte e Miguel López. Confira lista completa de selecionados clicando aqui.

A mudança no nome não modifica bruscamente o projeto. Afinal, ele já tinha todas as características de uma Bienal: acontece de dois em dois anos, volta-se para a arte contemporânea e tem um recorte para uma área do planeta (o Sul). Solange acredita que é esse recorte geopolítico que enfatiza o papel particular do Sesc_VideoBrasil como uma Bienal, pois dá voz a uma produção de um lugar do mundo que ainda tem dificuldade de acesso e visibilidade.

Confira entrevista com Solange e com Gabriel Bogossian acima.

 

 

A Casa do Parque inaugura com mostra que reflete contexto político brasileiro

Fachada da Casa do Parque. Foto: Divulgação

Quem passa em frente ao número 1.300 da avenida Fonseca Rodrigues, na zona oeste de São Paulo, dificilmente percebe que ali está localizada uma instituição cultural que, a partir deste sábado (23 de março), deve se tornar um importante polo artístico da cidade. Excetuado um discreto logotipo no muro, com o escrito “A Casa do Parque”, aquela parece ser apenas mais uma residência nobre no bairro paulistano de Alto de Pinheiros.

Na verdade, o casarão em frente ao Parque Villa-Lobos abrigará exposições, cursos, oficinas e variadas atividades culturais, começando pela mostra Tensão Relações Cordiais, com curadoria de Tadeu Chiarelli, e por um ciclo de debates sobre colecionismo de arte contemporânea. Idealizada e fundada por Regina Pinho de Almeida – colecionadora dona de um enorme acervo e figura atuante em museus como MASP, Pinacoteca e MAM – a Casa representa uma expansão das atividades do Instituto de Cultura Contemporâneo (ICCo), criado por ela em 2009 e responsável pela realização de mostras, residências e publicações.

Não se trata, no entanto, de um projeto “personalista”, como ressaltam Chiarelli e Paulo Werneck, coordenador da programação cultural da Casa. Editor da revista literária 451 e curador de três edições da Flip, Werneck assume a tarefa de montar uma programação em variadas áreas artísticas. Ao seu lado, o educador e artista plástico Claudio Cretti fica responsável pela programação de cursos, que transitam de modo multidisciplinar e pouco convencional pelos campos das artes, botânica, dança, design, arquitetura e cozinha.

O diálogo entre casa e parque, entre público e privado, entre o que é intimo ou partilhado dará a tônica de várias atividades da Casa, que surge na cidade em um momento delicado para o setor cultural – seja por conta da onda conservadora ou da falta de investimento público. “É uma resposta realmente contundente a esse momento”, diz Werneck. Para Chiarelli, “é uma atitude muito séria da Regina, nesse contexto do país, fazer uma aposta dessas. Claro que já existe um público para a Casa, mas também há um público grande a ser conquistado e formado”.

Jardim da Casa do Parque. FOTO: Divulgação

Segundo o curador, um importante diferencial da Casa em relação a outras instituições culturais ou espaços de arte independentes da cidade é a existência de um significativo acervo de arte – a própria coleção de Regina. Isso não transforma o espaço em um museu, mas permite não só a montagem de exposições de arte contemporânea como a utilização das obras em cursos e oficinas.

Corredor cultural

Apesar de não estar em uma área central ou comercial da cidade, mas em um bairro residencial de elite, a localização da Casa do Parque não parece, para Werneck, um empecilho para suas atividades. Primeiro pela proximidade com o Parque Villa-Lobos, espaço público com grande circulação de pessoas, mas também por estar em uma espécie de “corredor urbano” cada vez mais nutrido de espaços culturais.

“A gente quer ter um impacto na região, que apesar de ser um bairro nobre está perto do Ceasa, do Jaguaré, onde há comunidades mais pobres. E é curioso, mas se olharmos do Instituto Acaia até o Museu da Casa Brasileira, você tem mais de dez instituições culturais relevantes. Eu vejo um corredor cultural se formando”, afirma. De fato, entre estes dois extremos, do instituto na Vila Leopoldina até o museu no início do Itaim Bibi, em uma linha reta de cerca de 7 quilômetros – servida por transporte público e ciclovia –, estão espaços como a Biblioteca do Parque Villa-Lobos, o Instituto Tomie Ohtake, a Galeria Estação e a CASA Museu do Objeto Brasileiro, entre outros.

Neste sentido, o coordenador destaca que A Casa do Parque pretende trabalhar também em parceria com outras instituições, além de trazer para seu espaço diferentes públicos, “dos frequentadores do parque aos alunos do colégio Santa Cruz ou das escolas públicas da região”. Haverá também atividades extramuros, sendo a primeira delas um festival literário no Parque Villa-Lobos, realizado junto com a SP Leituras no segundo semestre deste ano.

Tensão política

Se há um clima de celebração com a abertura do novo espaço cultural, como é de se esperar, ele parece contrastar com a abordagem crítica e até obscura da exposição de inauguração, “reflexo do contexto político que vivemos hoje no Brasil”, segundo Chiarelli. Tensão Relações Cordiais reúne obras da coleção de Regina Pinho de Almeida selecionadas a partir de uma leitura bastante livre do curador, que não quis “escolher as peças mais famosas, fazer uma mostra cronológica nem mesmo seguir uma linha por analogias de linguagem”.

“A minha ideia foi que a Regina, com a coleção dela, está escrevendo um texto sobre arte contemporânea. E eu queria escrever um texto em cima do texto dela”, diz Chiarelli. “E pelo contexto de crise, eu tinha em mente essa distopia terrível que estamos vivendo. E a minha opção foi transformar o espaço expositivo em uma espécie de caverna, onde as obras se situariam independente de qualquer pré-determinação”.

Num ambiente escuro, com iluminação pontual e expografia de Pedro Mendes da Rocha, a potência das obras – de Jenny Holzer, Hildebrando de Castro, Liliana Porter, Estela Sokol, Waltercio Caldas, Nazareno, Laura Erber e Edgard de Souza, entre outros – se apresenta independentemente das possíveis relações estabelecidas entre elas. “A exposição não é agradável, é muito contida e investe na potência das obras. Para o público, acho que é uma experiência de reflexão sobre o momento atual.”

Sobre o título da mostra, inspirado em trabalho de Paulo Climachauska presente na mostra, o curador é enfático: “A obra do Paulo fala muito do país e do que estamos vivendo hoje. Essa cordialidade do brasileiro, historicamente falando, é uma falácia, uma hipocrisia”. “Essa obra, que é uma releitura do trabalho do Debret, mostra uma relação entre escravos e senhores que aparentemente é cordial, mas que é absolutamente pautada na violência, no medo. E é isso que nós vivemos hoje. Em certo sentido pode parecer que está tudo bem, mas nós estamos em uma tensão violenta”, conclui.

Tensão relações cordiais

A Casa do Parque Av. Prof. Fonseca Rodrigues, 1300, São Paulo
De 23 de março a 30 de junho
Entrada Gratuita