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MASP recebe obras de 19 artistas afro

DALTON PAULA, Zeferina, 2018 Óleo sobre tela, 45×61 cm/ Coleção do artista, Goiânia, Brasil/ Crédito: Paulo Rezende
Em 2018, o Museu de Arte de São Paulo (MASP) dedicou todo o seu programa às histórias afro-atlânticas. A estratégia, que é desenvolver um eixo temático anual com histórias que desafiem narrativas históricas tradicionais, colocou-se em prática.

Masp recebe obras com foco contra-hegemônico

Foram 21 obras de 19 artistas afro doadas ao museu. Abdias Nascimento, Chico Tabibuia, Dalton Paula, Emanoel Araujo, Flávio Cerqueira, Jaime Lauriano, José Alves de Olinda, Lucia Laguna, Maxwell Alexandre, Mestre Didi, Rosana Paulino, Rosina Becker do Vale, Rubem Valentim, Sènéque Obin, Sonia Gomes, e os coletivos Ad Júnior, Edu Carvalho & Spartakus Santiago e Frente 3 de Fevereiro integram as novidades do acervo.
O conjunto de trabalhos reforça a presença de artistas afro no MASP e marca o ciclo de 2018 na coleção de um museu até então muito conhecido por seu acervo clássico europeu. A partir de abril de 2019 muitas dessas obras estarão expostas no Acervo em transformação. mostra de longa duração guarda a coleção do MASP nos icônicos cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi.
O diretor artístico do museu, Adriano Pedrosa, disse que a programação dedicada às histórias afro-atlânticas iniciou-se com as pesquisas desde 2014. “Essas aquisições deixam uma marca definitiva na coleção, conhecida por seus mestres europeus clássicos.” Seguindo a missão do museu, Pedrosa afirma que os mesmos esforços feitos em relação às obras de artistas afro serão dedicados às artistas mulheres. “Vamos continuar ampliando o escopo de trabalhos que trazemos para nossa coleção e expomos nos cavaletes de vidro”, finaliza.
Todos os trabalhos doados foram exibidos nas monográficas dedicadas aos artistas Araujo, Gomes, Valentim e Laguna, ou na exposição coletiva Histórias Afro-atlânticas. Em parceria com o Instituto Tomie Ohtake, a última delas dedicou-se às relações entre a África, as Américas, o Caribe e também a Europa, do século 16 ao 21, eleita a melhor de 2018 pelo New York Times e Hyperallergic, e ganhadora do Grande Prêmio da Crítica da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

As raízes de Sônia Gomes

sônia gomes, Correnteza, da série Raiz, 2018. Foto"Patricia Rousseaux
Sônia Gomes, Correnteza, da série Raiz, 2018. Foto”Patricia Rousseaux

Um dia, enquanto finalizava uma obra para a exposição vigente, Sônia Gomes percebeu que o corte feito na madeira que utilizava não deixava que a peça ficasse em pé. Ela levantou de onde estava sentada para observar melhor e pensou: “Ainda assim me levanto”. Não soube explicar de onde veio aquele sussurro em sua cabeça, mas não conseguiu parar de pensar nisso.

A artista, aliás, que seria um ótimo nome para aquela obra e, no fim, para a exposição, que está em cartaz no MASP e na Casa de Vidro, ambas as construções planejadas por Lina Bo Bardi, até março de 2019. A obra em questão se chamou, então Eu me levanto.

Em uma breve pesquisa na internet, depois descobriu que a frase era, na verdade, um verso de um poema da autora e ativista americana Maya Angelou. Teria algo de ancestralidade comum nessa reminiscência? Sônia acredita que sim, talvez. Esse acaso a encontra da mesma forma que quando ela se descobriu artista: “Não teve um momento que eu falei ‘agora eu vou ser artista’, não. Isso chegou para mim”, comenta.

A exposição Ainda assim me levanto é a primeira que faz parte de uma parceria entre as duas instituições. O projeto consiste em sediar uma mostra simultaneamente nos dois locais, uma vez por ano. É também a primeira curadoria, no MASP, de Amanda Carneiro, que atua como supervisora da Medição e programas públicos.

Ainda assim me levanto traz uma nova fase de Sônia Gomes, usando, desta vez, pedaços de troncos encontrados na beirada ou no fundo de rios do interior de Minas Gerais, seu estado de origem. Neles, Sônia faz seu trabalho com tecidos, manuseando-os das mais variadas maneiras, fluindo com seu trabalho habitual em um outro rumo.

A artista não se considera uma artista militante, mas não abdica de si como um corpo político, apesar de não levar isso ao seu trabalho de forma eminente. Já foi chamada de artista naïf, artista popular e também de artesã. Ela dispensa os rótulos: “Isso acontece porque eu sou negra, se eu fosse branca eles não estariam preocupados em me colocar nesse lugar”.

Ai Weiwei mergulha no Brasil

Ai Weiwei, The low of the journey (A lei da viagem). A obra que remete a travessia de refugiados ao redor do mundo, já foi exposta nos maiores museus. No Brasil entra na água, pela primeira vez, no Parque do Ibirapuera em São Paulo. Atualmente pode ser apreciada na Oca
Ai Weiwei, The low of the journey (A lei da viagem).
A obra que remete a travessia de refugiados ao redor do mundo, já foi exposta nos maiores museus. No Brasil entra na água, pela primeira vez, no Parque do Ibirapuera em São Paulo. Atualmente pode ser apreciada na Oca – Foto: Patricia Rousseaux

O acaso fez com que, exatamente num momento em que resistência parece ser a palavra chave para boa parte da população brasileira, esteja em cartaz em São Paulo uma ampla mostra de Ai Weiwei. A exposição do artista e dissidente chinês, que há décadas desafia o discurso hegemônico com ações e obras ao mesmo tempo ousadas e irreverentes, ocupa todo o espaço da Oca, no Parque do Ibirapuera. E retraça com bastante detalhe sua trajetória, incluindo alguns de seus trabalhos mais notáveis, bem como uma série de intervenções concebidas especificamente a partir do encontro de Weiwei com a paisagem e a cultura brasileira. Além de ser uma oportunidade rara de conhecer mais de perto sua força iconoclasta, a reunião desses trabalhos ajuda a entender as estratégias e poéticas que ele vem adotando nas últimas décadas, que conciliam questões universais como a liberdade de expressão e a perseguição aos refugiados, a um universo mais íntimo e pessoal.

É como se, calejado pelo regime de exclusão imposto a sua família ainda em sua primeira infância e por anos de resistência ao regime totalitário chinês – seu pai, o poeta Ai Qing, foi denunciado como inimigo do regime e exilado por 16 anos –, Weiwei tivesse se tornado psicologicamente impermeável à censura social. Indo mais além, nota-se em sua atitude uma estratégia de confronto às instituições e tradições impostas pela força e um desprezo provocador pelo status-quo. “A época em que me preocupava com o que as pessoas pensavam de mim ficou para trás há muito tempo”, disse ele em entrevista ao El País. Talvez por isso use com tanta falta de cerimônia sua própria imagem nos seus trabalhos.

Ai Weiwei trabalhou durante um ano pesquisando diferentes lugares no Brasil. Foto: Ai Weiwei Studio

Desde sua primeira ação mais desafiadora – a quebra de um vaso da dinastia Han com mais de dois mil anos de idade – ele coloca-se provocativamente em suas obras. Sua imagem reaparece constantemente, nas milhares de selfies que faz por onde passa (muitas delas mostrando o dedo do meio para símbolos de poder, como a Casa Branca) e que posta em sua concorrida conta no twitter. Ou em obras polêmicas como a que fez mimetizando a pose do menino sírio Aylan, encontrado morto nas areias de uma praia de Lesbos. Sua ação contundente em defesa dos refugiados, que gerou uma profusão de ações como o filme “Human Flow”, parece ter incomodado parte do circuito das artes, seja por seu uso excessivo da mídia, seja porque se sentiam mais confortáveis quando o alvo preferencial de Weiwei era o imperialismo chinês.

Em sua temporada brasileira, Weiwei deu ampla vazão a esse uso – para alguns despudorado, para outros desafiante – de sua imagem. Nos mais de 200 ex-votos que encomendou para artesãos cearenses (trocando provisoriamente o uso recorrente que faz da cerâmica e carpintaria chinesa pelo entalhe de madeira típico do nordeste brasileiro) há uma série de “retratos” seus realizando suas performances. E chegou ao ápice de transformar a si mesmo no símbolo de suas causas ao associar seu próprio corpo a um símbolo da natureza potente da Amazônia brasileira.

A obra “Raiz”

Um cativante vídeo entrelaça o “making of” de dois trabalhos distintos: a penosa modelagem do próprio corpo nu do artista para criar uma escultura em gesso – apresentada ao lado do corpo escultural de uma baiana, num questionável tributo à erotização tropical – e o esforço descomunal de modelar – para posteriormente reconstituir na China – um gigantesco pequi-vinagreiro, espécie em extinção, com mais de 30 metros de altura, encontrado em plena selva amazônica. A conclusão é evidente: “Essa árvore sou eu”, evidencia ele ao final.

Confesso admirador de Marcel Duchamp e Andy Warhol, cujas obras estudou em profundidade em seus anos de formação em Nova York (entre 1981 e 1993), Weiwei parece virar esses autores de cabeça para baixo quando associa a alta tecnologia, a fotografia e o vídeo, para dar um caráter simbólico a uma única árvore. Ou quando convoca 1,6 mil artesãos de uma região chinesa famosa por seu trabalho em cerâmica para realizar de forma massiva milhões de sementes de girassol. Tais pecinhas, reproduzidas de forma grandiosa e ao mesmo tempo individualizada (são pintadas à mão, uma a uma), condensam uma pluralidade de leituras: são claras representações do povo chinês, numa referência à alegoria de que Mao seria o sol e os girassóis seus seguidores, e ao mesmo tempo uma crítica ao ocidente, em sua visão do “made in China” como algo pobre e massificado. Uma versão deste trabalho, criado para a Tate Gallery, de Londres, ocupa o terceiro andar da Oca. Infelizmente a instalação é mantida a certa distância do público, que não tem contato direto ou proximidade com as sementes.

Ai Weiwei, Forever Bicycles. A obra foi montada pela primeira vez em 2014 e contém aproximadamente 1.250 bicicletas, Especialmente transportadas para o Brasil

Outro importante trabalho de sua trajetória presente na mostra é “Reto”, uma instalação feita com 164 toneladas de vergalhões de aço retirados dos escombros de mais de sete mil escolas da região de Sichuan, construídas precariamente por desvios e superfaturamentos e que vieram abaixo com o terremoto de 2008, acarretando a morte de milhares de estudantes da região. Inconformado com o esforço do governo de acobertar o incidente, o artista lançou uma campanha para levantar a identidade dos meninos mortos e realizou uma série de ações para jogar luz sobre a conduta criminosa das autoridades.

Talvez o aspecto mais interessante da produção de Weiwei seja sua capacidade de imantar as coisas de significado, de buscar na aparência ou na essência dos objetos e gestos uma potência de síntese que leve à reflexão e ao desejo de mudança. As palavras têm também grande peso na exposição, seja por meio das frases que reescreve sobre couro de boi usando o alfabeto armorial de Ariano Suassuna, seja por meio de frases de resistência espalhadas por todo o espaço expositivo, como aquela situada sobre a instalação “Reto”: “Se você desviar o olhar, você é conivente”.

Não por acaso, o artista se incomoda em ser enquadrado no campo de artista plástico. Diz não costumar ir às aberturas de suas exposições (muitas vezes, há que se reconhecer, por estar detido, como no caso da Bienal de Veneza de 2013, quando teve que ser representado pela mãe). E que levou muito tempo para se considerar um poeta, como o pai, até reconhecer que esta é a “única posição possível ao indivíduo no nosso mundo”.

 

A arte fala mais alto

Carlos Zílio, Identidade ignorada

Por Nayani Real

Carlos Zílio nasceu em 1944, no Rio de Janeiro. Psicólogo formado pela UFRJ, tornou-se doutor em Artes pela Universidade de Paris VIII, durante seu exílio na década de 1980. Antes disso, entre 1960 e 1970, participou ativamente da oposição ao regime militar ditatorial instalado no Brasil, por meio de uma arte engajada e militância política.

Em sua obra Identidade ignorada, 1974, Zílio aborda os desaparecimentos durante a ditadura militar no Brasil. A imagem porém faz-se atual e pertinente num momento em que a diversidade e as lutas identitárias são combatidas e censuradas pelo Estado e grupos sociais conservadores.

Nos últimos 20 anos, uma cultura de reconhecimento, valorização do outro, inclusão e respeito à individualidade  e a diversidade de grupos sociais, fez enormes avanços no Brasil e no mundo. As questões de gênero e posicionamentos políticos diferentes encontravam espaço na sociedade democrática. Hoje, a (re)ascensão de pensamentos conversadores e de extrema direita questionam comportamentos contemporâneos, utilizando-se de discursos autoritários e reducionistas.

 

Marcados | Claudia Andujar

Por Marcos Grinspum Ferraz

Para os médicos que acompanhavam Claudia Andujar nos territórios Yanomami, no início dos anos 1980, as fotos deveriam ser simples registros dos habitantes daquela região amazônica. Como os índios Yanomami não possuíam nomes próprios, os números nas placas penduradas em seus pescoços serviriam como identificação para que os profissionais pudessem fazer o trabalho de saúde pública necessário. Dado o contato crescente com o homem branco, a vacinação se tornava urgente para que epidemias não dizimassem os Yanomami. Para os médicos, “deveria ser um clique e acabou”, como contou Andujar anos depois. “Mas para mim não poderia ser assim.” De fato, a série Marcados é muito mais do que um trabalho de identificação. Os gestos, expressões e olhares dos Yanomami, captados pela câmera de Andujar, revelam o trabalho não apenas ético, mas estético da artista, com sua capacidade de apresentar mundos objetivos e subjetivos, de captar sutilezas e violências, esperanças e tragédias, corpos e almas. Não à toa as fotos integraram tantas exposições ao longo das décadas, incluindo a Bienal de São Paulo, tornaram-se parte do acervo do pavilhão da fotógrafa em Inhotim e viraram livro. Marcados – para viver ou morrer? – revela um mundo índio que, sempre ameaçado, parece correr risco ainda maior quando um presidente eleito diz ser contra demarcações de terra e promete acabar com o “coitadismo” das minorias. Contra tamanha violência e ignorância, vale lembrar das palavras do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro: “Temos que aprender a ser índios, antes que seja tarde. Aprender como viver em um país sem destruí-lo, como viver em um mundo sem arrasá-lo e como ser feliz sem precisar de cartão de crédito. O encontro com o mundo índio nos leva para o futuro, não para o passado”. Em imagens, Claudia Andujar parece nos fazer esta mesma afirmação.

Projeto Brasil nunca mais | D. Paulo Evaristo Arns

Por Fabio Cypriano

Durante os anos 1970, cerca de 50 pessoas nas semanas mais movimentas procuravam o então cardeal de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, em busca de parentes desaparecidos. “O senhor tem alguma notícia do paradeiro de meu filho”, era uma frase que o cardeal ouvia de forma recorrente.

Por iniciativa dele, inspirado nas centenas de testemunhos colhidos na sede da Arquidiocese de São Paulo, em Higienópolis, mas em uma rede que integrou lideranças de outras religiões, jornalistas e advogados, foi criado o Projeto Brasil Nunca Mais, em agosto de 1979. Até março de 1985, em sigilo, um grupo trabalhou em 850 mil páginas de processos do Superior Tribunal Militar para a publicação de um relatório e um livro, que revelaram a gravidade das violações aos direitos humanos promovidas pela repressão política durante a ditadura militar. Lançado em 1985, o livro permaneceu na lista dos dez mais vendidos por 91 semanas consecutivas, tornando-se – à época – o livro de não-ficção brasileiro mais vendido de todos os tempos. Hoje em dia, o Projeto possui uma versão digital disponível em http://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/.

 

Missão/Missões – Como Construir Uma Catedral | Cildo Meireles

Por Leonor Amarante

Uma de minhas obras políticas preferidas é a instalação Missão/Missões – Como Construir uma Catedral, realizada por Cildo Meirelles em 1987. A obra reforça a ideia de que o artista tem o compromisso moral de denunciar as atrocidades político-sociais em qualquer país, em qualquer época. Nesta instalação, Cildo aponta as práticas genocidas da igreja católica em suas Missões Jesuítas iniciadas em 1610 no Brasil, Paraguai e  Argentina. Na tentativa de evangelização dos índios da região, combinou-se força e violência, o que exterminou parte deles. Na instalação, o elo entre as duas estruturas, uma feita de ossos e outra de moedas, é construído com hóstias que ligam o chão de ouro ao céu macabro, em franca denúncia sobre as relações de poder da Igreja. A controvertida obra hoje faz parte do acervo da Daros-Latinamerica, em Zurique, na Suíça.

 

Operação Tutoia | Fernando Piola

Por Maria Hirszman

“Operação Tutoia”, trabalho realizado em 2007 e 2008 por Fernando Piola, desafia de forma contundente a estratégia de silenciamento em torno dos aparelhos de repressão e explicita, por meio de um lento processo de subversão das aparências, o caráter violento de instituições simbólicas da ditadura, como o Doi-Codi. Durante meses, o artista trabalhou no número 921 da Rua Tutoia, em São Paulo, apresentando-se como paisagista. E, semana a semana, substituiu as plantas do jardim por diferentes espécies de coloração vermelha, transformando o entorno da antiga sede do centro responsável pela detenção e tortura de milhares de pessoas e assassinato de 50 opositores ao regime em palco de uma ação ousada de intervenção urbana, denúncia política e investigação poética.

A ação subverteu o espaço das forças de poder e tornou visível o que  se pretendeu varrer da história e da memória. Os registros fotográficos (forma definitiva de um trabalho êfemero por natureza) hoje pertencem à coleção do Museu de Arte Contemporânea (MAC). E mostram como o tingimento da paisagem de vermelho, uma cor tão cheia de simbologias, foi pouco a pouco tornando concreta, pulsante e real a necessária tomada de consciência, não apenas em relação às brutalidade cometidas naquele local (que ainda hoje, surpreendentemente, abriga o 36º Distrito Policial da cidade), mas ao descaso em relação a um período negro de nossa história.

 

Assentamento | Rosana Paulino

Por Jamyle Rkain

O que acho mais belo na obra Assentamento, de Rosana Paulino, é como ela vai além de uma questão mais ampla de como os negros escravizados precisaram se reconstruir para caber em um local desconhecido ao qual foram levados. Gosto especialmente de olhá-la a partir de uma perspectiva que pensa especificamente sobre a mulher negra na sociedade.  A fotografia da mulher desconhecida registrada pela expedição Thayer, entre 1865 e 1866, refere-se a uma escrava. Rosana intervém na fotografia de sua forma, seccionando-a e sobrepondo nela a ideia da costura, enquanto o coração sangra. Isso me leva às discussões que os movimentos negros trazem também, de forma mais contemporânea, sobre a solidão da mulher negra. Esse assunto, muito discutido pelos feminismos negros, cuida de refletir sobre como a mulher negra heterossexual é facilmente abandonada pelos homens em um relacionamento amoroso, independente de brancos ou negros, por serem colocadas pela sociedade em uma posição diminuta. Talvez essa costura também possa ser o juntar dos cacos em uma situação dessas. Vejo essa discussão como algo essencial, embora seja preterida. Pontuo isso porque acredito que mesmo a obra trazendo uma perspectiva mais histórica, ela também mostra olhares do contemporâneo sobre assuntos das militâncias negras que são urgentes.

 

Lasar Segall: ensaio sobre a cor

Os quatro segmentos da mostra Lasar Segall: ensaio sobre a cor levam ao público uma variedade de obras que demonstam as fases do artista com base no uso da cor. No Sesc 24 de Maio, até o dia 5 de março de 2019, a exposição também apresenta uma videobiografia do pintor. É uma parceria do Sesc com o Museu Lasar Segall.

Se debruçando sobre as várias formas de expressão de sua época (1891-1957), foi do expressionismo ao modernismo, deixando um vasto acervo, que teve curadoria de Maria Alice Milliet para a exposição no Sesc. São quase 100 obras “grupadas conforme o esquema cromático” que mudam de acordo com a vida de Segall e com as fases de sua obra, explica a curadora.

A exposição também abarca obras de artistas contemporâneos a Segall, como Milton Dacosta e Anita Malfatti, evidenciando que havia um grupo de artistas que conversava entre si.

Assista à reportagem feita pela ARTE!Brasileiros sobre a explosição.

 

 

Os destaques da arte no Brasil em 2018

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A ARTE!Brasileiros acompanhou durante todo o ano que agora se encerra os acontecimentos na arte no Brasil e no mundo. Nesta reta final de 2018, fizemos um balanço daquilo que foi destaque no cenário nacional da arte e listamos algumas exposições em instituições e em galerias que foram marcantes.

Além disso, é importante pontuar alguns outros acontecimentos que se fazem importantes no desenvolvimento, na preservação e na manutenção da arte, como a inauguração da Fábrica de Arte Marcos Amaro, no interior de São Paulo. O espaço gerido pelo empresário, artista e colecionador homônimo se propõe a ser um importante polo de disseminação da arte. A Casa do Povo, espaço cultural no Bom Retiro, se firmou como um notável ambiente de troca e discussões sobre os temas que circundam o campo artístico.

O Masp e a Casa de Vidro, ambas instituições sediadas em prédios icônicos de Lina Bo Bardi, firmaram parceria para que pelo menos uma vez ao ano exposições simultâneas sejam realizadas nos prédios. Neste momento, acontece Ainda assim me levanto, de Sônia Gomes, em salas dos edifícios. Com grande esforço da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia, o Sesc sediou em suas unidades dezenas de exposições valorosas ao longo de 2018, como Lugares do Delírio, Jamaica Jamaica e VKHutemas.

A Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage assume gestão do Museu Internacional de Arte Naïf, no Cosme Velho, para realizar sua reabertura. Também no âmbito das reformas, o Museu Bispo do Rosário, por meio de investimentos da Galeria Almeida e Dale e da Fundação Marcos Amaro, está realizando uma série de melhorias no espaço e na conservação de seu acervo. Também vimos, em 2018, a Montblanc dar o prêmio de Arts Patronage para Mônica Nador, por seu trabalho no JAMAC.

A resistência e a perseverança desses agentes da arte e da cultura em tempos nos quais elas têm sido atacadas por valores políticos e ideológicos são coisas para serem festejadas. Desejamos um 2019 no qual possamos estar junto a essas pessoas e entidades que valorizam a arte.

Instituições

 

Histórias Afro-atlânticas

A grande exposição do ano realizada pelo Masp em parceria com o Instituto Tomie Ohtake ganhou reconhecimento no Brasil e no mundo, ganhado o APCA e sendo citada como uma das melhores exposições do ano pelo The New York Times. “Neste ano comemorou-se os 130 anos da Abolição no Brasil, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888. E, no entanto, são vivas e profundas as marcas da escravidão no País. Diariamente somos confrontados com as provas concretas da desigualdade racial, seja por meio de aterradores dados estatísticos ou através de dramas reais, como o assassinato de Marielle Franco, que relembram quão profundo e arraigado é o racismo no país. Apesar da sensação de que pouco avançamos para combater tal situação, a denúncia dessa segregação persistente parece pouco a pouco esgarçar o manto da invisibilidade que recobre a questão”. Leia aqui sobre a exposição, eixo de nossa edição 43.

FOTO: Conversation, Barrington Watson, 1981.


Hilma af Klint: mundos possíveis

Como primeira exposição do ano, a Pinacoteca do Estado de São Paulo sediou a primeira individual da pintora sueca na América Latina. A curadoria foi de Jochen Volz, diretor da instituição, e teve mais de uma centena de obras expostas. Hilma af Klint é uma artista excepcional. Nas várias acepções do termo. Sua obra não é apenas seminal, antecipando em vários anos o início do abstracionismo, como apresenta uma qualidade estética rara, aliando sutileza formal e cromática a uma intensa espiritualidade”. Confira texto completo de Maria Hirszman sobre a exposição.

Foto: Hilma af Klint, ‘The Ten Largest, No. 7, Adulthood, Group IV’, 1907. Cortesia da Fundação Hilma af Klint


AI-5: ainda não terminou de acabar

Nos 50 anos do do Ato Institucional n. 5, o Instituto Tomie Ohtake realizou uma grande coletiva que discutiu a ditadura militar no Brasil e fez pensar sobre o presente momento. “A ruptura da legalidade democrática leva à perda do direito de expressão, à autocensura, à instabilidade institucional, dentre outras consequências, cujos tentáculos se estendem até nossos dias. Para investigar os efeitos deste trauma no campo artístico, o Instituto Tomie Ohtake deu espaço à mostra “AI-5: Ainda não terminou de acabar”. Relembre reportagem sobre a exposição, publicado na ARTE!Brasileiros 44.

FOTO: Evandro Teixeira, ‘A queda do motociclista da Força Aérea’.


Ex-África

Mostra que visita as unidades do CCBB ao longo das unidades federativas do País, Ex-África reuniu a maior quantidade de obras provenientes de processos artísticos da África contemporânea. “A África é lembrada pelo sofrimento. Colonização, pragas, fome, segregação, inúmeros adjetivos de um continente abalado. Não obstante, parece importante observar que há movimentos na arte contemporânea que vem buscando, de forma notavelmente expressiva, trazer a tona séculos de identidade”, escreveu Matheus Moreira em texto sobre a mostra.

FOTO: Kudzanai Chiurai, ‘Genesis [Je n’isi isi] III’, 2016 


Arte Democracia Utopia: quem não luta tá morto

Coletiva com curadoria de Moacir dos Anjos buscou apresentar, no Museu de Arte do Rio (MAR), um panorama do que foi produzido recentemente no cenário nacional que vá de encontro à um ideal utópico. “(…) a exposição alcança uma temperatura às vezes até documental, que apresenta um quadro complexo da situação atual”. Clique aqui e confira o que Fabio Cypriano escreveu sobre a exposição em texto para nossa edição 45.

FOTO: Anna Maria Maiolino, ‘Por um fio’, 1976


Bill Viola: visões do tempo

Uma valiosa mostra de vídeos produzidos nos últimos 20 anos pelo artista estadunidense e um dos pioneiros do formato: Bill Viola. Visões do Tempo, no Sesc Avenida Paulistacontou com a curadoria integrada de Kira Perov, diretora executiva do estúdio de Bill, Juliana Braga de Mattos e Sandra Leibovici, respectivamente gerente e assistente da gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc São Paulo (GEAVT). Leia mais sobre a exposição clicando aqui. 

FOTO: Bill Viola, Chapel of Frustrated Actions and Futile Gestures (Capela de Ações Frustradas e Gestos Fúteis), 2013


Irving Penn: centenário

Grande fotógrafo estadunidense, Penn teve exposição no Instituto Moreira Salles paulista em homenagem aos 100 anos que completaria. Mais de duas centenas de fotografias estiveram na mostra. Dentre as imagens estavam retratos de nomes como Pablo Picasso, Audrey Hepburn, Truman Capote e Yves Saint Laurent, além delas, fotografias de moda e cliques de diferentes etnias, como os povos de Cuzco e da Nova Guiné, dentre outros registros.

FOTO: Irving Penn, Audrey Hepburn’, 1951.


MAM 70: MAM E MAC-USP

As sete décadas do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), que tem obras de seu acervo no Museu de Arte Contemporânea da USP, foram reunidas em uma mostra para comemorar esse natalício, com curadoria de Ana Magalhães (MAC USP), Felipe Chaimovich (MAM) e Helouise Costa (MAC-USP). Com quatro eixos expositivos, a exposição buscou enfatizar a fotografia, o contemporâneo, a formação do acervo e a missão pedagógica da instituição.

FOTO: Rosana Paulino, Sem Título, 1997.


Bienal Naïfs do Brasil

“(…) há muitas questões que podem escapar de quem observa a obra de um artista popular olhando-o a partir da concepção do primitivismo, que reduz esses artistas a um rótulo que pode significar um julgamento pelo contexto sócio-cultural em que vivem. Talvez o ponto mais latente disso na mostra seja o fato de que muitas obras abordam discussões sociais e políticas, muitas vezes identitárias, que podem muitas vezes se fecham apenas à ambientes acadêmicos e seriam reproduzidas apenas por artistas que tenham acesso a isso. Os naïfs se mostram muito à frente nesse ponto, assinalando nitidamente o seu posicionamento sobre algumas dessas questões”. Leia o texto completo sobre a exposição que ocorreu no Sesc Piracicaba clicando aqui. 

FOTO: Gildo Xavier, Conquista, 2017.


Anri Sala: o momento presente

“Sala relaciona o território e a música a partir da memória do lugar e, como define a curadora da exposição, Heloisa Espada, o casal que empurra o realejo pode ter frequentado a Salle des Fêtes ou isso pode apenas simbolizar um fragmento de um sonho acordado. No trabalho de Anri Sala, a banalização do dia a dia se transforma por meio de práticas libertárias no espaço público, no melhor espírito da Internacional Situacionista, movimento surgido em 1957, que defendia, entre outras coisas, uma vida lúdica e de liberdade permanentes”. Confira texto no qual Leonor Amarante fala sobre a mostra ocorrida no Instituto Moreira Salles.

FOTO: Anri Sala, ‘Long Sorrow’, 2005.


GALERIAS

Vanderlei Lopes, A democracia é um mito, 2018

Com o ar pesado demais para respirar

Exposição importante com curadoria de Lisette Lagnado, sediada na Galeria Athena, no Rio de Janeiro. “A curadora aponta para os tempos cíclicos da arte, da política e da própria sociedade, afinal, um distanciamento necessário para quem vive a barbárie dos dias atuais”. Confira texto de Fabio Cypriano sobre a exposição em diálogo com a exposição com curadoria de Moacir dos Anjos no MAR.


Neide Sá, A Corda

Neide Sá: estrutura poética, ruptura e resistência

Uma das fundadoras do movimento Poema-Processo, a artista carioca Neide Sá teve exposição individual na Galeria Superfície. Gustavo Nóbrega, diretor da galeria, se empenhou em inseri-la em grandes exposições desde que começou a representá-la, enfatizando o importante papel poético, político e comunicativo da artista. Suas obras também estiveram em grandes exposições, como Mulheres Radicais e Arte-Veículo. Clique aqui e leia nossa matéria sobre a exposição, publicada na edição 44 da ARTE!Brasileiros.


León Ferrari, ‘Sem título’, 2008

León Ferrari: por um mundo sem Inferno

Lisette Lagnado se destaca como curadora de importantes exposições de 2018. Na Galeria Nara Roesler de São Paulo e Nova Iorque, apresentou mostra individual de León Ferrari. O artista também foi tema de conferência realizada pela ARTE!Brasileiros em abril, no auditório do MAM. A exposição na galeria mostrou um panorama da obra do artista que “ao longo de sessenta anos de arte, viveu no contrafluxo do sistema sendo empurrado aos infernos para emergir ainda mais forte. Ferrari observa o mundo e o transfigura em textos/gráficos que apontam dimensões submersas no cotidiano”. Leia texto de Patricia Rousseaux sobre o artista, capa de nossa edição 42.


Milton Dacosta, ‘Construção Sobre Fundo Vermelho’, 1957

Milton Dacosta: a cor do silêncio

Uma sublime retrospectiva na Galeria Almeida e Dale fez coro à celebração dos 100 anos que seriam completados pelo artista em 2017. “Dacosta não era adepto dos rótulos, tendo um percurso livre em sua passagem da figuração para a abstração, enquanto os colegas artistas disputavam a importância dos estilos”. Clique e leia entrevista na qual Paulo Pasta e Alexandre Dacosta falam sobre o artista.


Maria Laet, Terra, 2015
Maria Laet, Terra, 2015

Maria Laet: Poro

A exposição aconteceu tanto na galeria A Gentil Carioca, no Rio de Janeiro, quanto na galeria Marília Razuk, em São Paulo. Maria também teve forte presença na 33ª Bienal de São Paulo. “A obra de Maria Laet é uma suave projeção de sua personalidade. Ambas têm a essência onírica que brota de um imaginário quieto, afetivo e seletivo”. Confira texto de Leonor Amarante sobre a artista.


David Medalla, ‘A Flor Mohole’.

Você sonha com o quê? 

Apresentada na Galeria Luisa Strina, coletiva com curadoria de Magali Arriola reuniu obras de Marcel Duchamp, Pierre Huyghe, Laura Lima e Zé Carlos Garcia, Marie Lund, David Medalla, Cildo Meireles, Theo Michael e Gabriel Sierra. A mostra foi definida por Leonor Amarante como “uma indagação de como a arrogância do mundo pode ser questionada com devaneios e imaginação”. Leia o artigo completo clicando aqui.


Marcelo Moscheta, ‘A História Natural e Outras Ruínas (Cap. 15), 2018

Marcelo Moscheta: a história natural e outras ruínas.

Desdobramento da pesquisa de Moscheta sobre a natureza e seus recursos na qual se debruça há anos, a exposição foi sediada na Galeria Vermelho. O artista utilizou múltiplas técnicas para transpor em suas obras as questões das modificações que o fator humano causa na ambiente. A força dessas transformações é desencadeada obra por obra: “E compreenderam também que nada – nem montanhas, rios, continentes ou mares – é eterno na Terra”, diz texto de enciclopédia em uma delas.


Clara Ianni, War II

Aonde Vamos?

Adolfo Montejo Navas, Ana Vitória Mussi, Clara Ianni, Ile Sartuzi, Kilian Glasner, Nazareth Pacheco, Ole Ukena e Tiago Tebet tem obras na mostra sob curadoria de Paulo Kassab Jr. na Galeria Lume. Jogando luz sobra a ideia de transição entre passado e presente, a exposição faz refletir sobre o caminho que percorremos e as quebras e permanências que se dão ao longo do tempo, dialogando com a situação política e social do país e questionando a intolerância e as ferramentas de mentiras nos dias de hoje.


Santídio Pereira, Sem título

Santídio Pereira: o olhar da memória

Com apenas 23 anos, o artista piauiense mostrou uma força robusta em exposição realizada na Galeria Estação. A mostra trouxe obras em xilogravuras, “técnica antiga que requer um tipo de relação diferente e mais demorada com a matéria, que sangra a madeira, e que coincide com a maneira com que Santídio enxerga seu passado”. Leia texto sobre a exposição publicado em nossa edição 44.

 


Ícaro Lira, Crime e Impunidade, 2017.

Ícaro Lira: Frente de trabalho

Em abril, Ícaro teve individual na Galeria Jaqueline Martins, que destacou o pensamento coletivo do artista, uma de suas características fortes. Trazendo trabalhos próprios, colaborativos e de outros artistas, Ícaro tornou o espaço expositivo um espaço de produção e chamou a atenção do público para o exercício de reflexão sobre o trabalho, inclusive no sistema da arte, num processo engajado e de resistência.

Cinco décadas de realismo em mostra internacional

Foto: Leonor Amarante

A mostra 50 Anos de Realismo – Do fotorrealismo à realidade virtual – parece impor a ideia de que a natureza não é mais que uma projeção dos homens. Montada no Centro Cultural Banco do Brasil, arquitetura que criticamente pode operar com o conceito de panoptismo,
(vigilância total e contínua) a coletiva internacional se move com formas significantes de escultura, pinturas, fotografias, vídeos e realidade virtual.

Realismo 

O realismo pode ser considerado um refresco para o espectador que ainda não digeriu a complexidade e as “esquisitices” da arte contemporânea. As instalações realistas e hiper-realistas representam aparentemente uma sociedade alegre, divertida, envolvida em uma sinalização do tempo de ócio. As referências iconográficas da coletiva não são casuais. A curadora Tereza de Arruda, que vive em Berlim há mais de 30 anos, foi buscar obras com algum ímpeto político social, como a instalação Springtime, de Peter Land, e outras com o portrait de Simon Hennessey, sem deixar de lado o sofrimento e a ternura como em Mother and Child, de John De Andrea.

Foto: Leonor Amarante

O conjunto de 93 obras, de 30 artistas, sugere um percurso que começa com as pinturas das décadas de 1970 e 80 que retratam, com precisão fotográfica, o American Way of Life. Destacam-se o britânico John Salt e o americano Ralph Goings, cujas telas exibem estacionamento de trailers, caminhonetes e as tradicionais mesas de lanchonetes de cidadezinhas do interior americano com jarros, saleiros e ketchups. Todas encontram lugar no espaço e no tempo da história americana.

O escultor americano John De Andrea, um dos artistas mais importantes da mostra, com Christine, recompõe seu imaginário, em uma escultura hiper-realista de mulher nua
em bronze policromado, que funciona como marco no espaço interno da sala, rodeada de um certo número de obras distribuídas de acordo com relações angularmente determinadas. De Andrea é um dos artistas americanos que caíram no gosto de Harald Szeemann, que o expôs na quinta edição da Documenta de Kassel, na Alemanha, em
1972, quando o crítico suíço deu Norte à exposição, transformando-a no que ela representa hoje no mundo das artes: respeito e poder. Na mostra alemã ele chamou a atenção com Arden Andersen e Nora Murphy, escultura hiper-realista de um casal “transando”. Os personagens de De Andrea, cuja teatralidade se impõe, são uma extensão tridimensional de suas pinturas. Em Kassel, ele se apresentou com algumas estrelas do mercado como Georg Baselitz, Christian Boltanski. Marcel Broodthaers, Dan Graham, Christo e Jeanne – Claude, cujos trabalhos contrastavam com o seu realismo.

Na mostra paulistana há obras com realismo estático, mas com referência a uma ação performática, como a instalação do dinamarquês Peter Land, um braço soterrado pedindo socorro. A história dos espaços expositivos é a de como as diversas formas de instalações
modificaram nossa percepção do que vemos, dependendo do contexto de onde são montadas. Land brinca com o paradoxo do que é exposto e o que é escondido. Em outro
trabalho ele elimina um corpo, supostamente masculino, o coloca atrás de uma cortina escura e só deixa à mostra a ponta dos sapatos. Ele trabalha o conceito de lugar
transitivo que poderia estar em qualquer outro espaço. A singularidade não é própria desta mostra em que convivem tantos elementos díspares. O que a exposição parece buscar, em sua diversidade, é colapsar a materialidade dos suportes utilizados. As pinturas realistas usam imagens que já deixaram de ter interesse próprio e que funcionam como notícias de seus momentos. Funcionam também como testemunhos do poder que imagens cotidianas podem alcançar.

A série de fotos hiper-realistas é chave da historicidade da mostra como memória, mas o marco zero são as pinturas com precisão fotográfica das décadas de 1970 e 80. Cada
obra tem a capacidade de ser um objeto individual, carregado ora de limpeza formal, ora de leviandade, ora de formalidade ou simplesmente de kitsch. No realismo, o campo de fricção é amplo como mostra o argentino, residente em Londres, Ricardo Cinalli. O tema é amplo e se espraia entre naturezas-mortas, paisagens urbanas e rurais e uma série de retratos, muito próximos de fotografias ampliadas, caso das obras dos britânicos
Simon Hennessey e Paul Cadden. As novas mídias emergem nesse realismo de cinco
décadas. O artista alemão Felix Kraus, autor das pinturas The Beginning of the End of The World e Cutting Sunday, se aproxima da realidade virtual, ao envolver suas telas
numa projeção 3D, transformando-as em cenas fantasmagóricas. Essas distorções entre ficção e realidade são evidenciadas não só na The Swan Collective, de Kraus, como em outras. A linha tênue entre o real e o ficcional torna-se mais forte nas pinturas realistas do
alemão Sven Drühl cujas imagens foram extraídas a partir de frames de videogames.

Com esse conjunto, vindo de colecionadores de vários países, a curadora tenta descobrir até que ponto as pessoas vivem no que ela chama de realidade crua. “Quis trazer a
discussão para o nosso tempo e, por isso, decidi que a exposição começaria no fotorrealismo e chegaria à realidade virtual”. Para cumprir o enunciado Tereza de
Arruda pensou em um local onde pudesse, espacialmente, desenvolver sua tese, daí a escolha do prédio do CCBB.

Serviço

Exposição 50 Anos de Realismo: do Fotorrealismo à Realidade Virtual
De segunda a domingo das 09:00h às 21:00h. Fecha às terças-feiras.
Centro Cultural do Banco do Brasil – CCBB São Paulo – Rua Álvares Penteado, 112
Até 14 de janeiro de 2019

A vertiginosa amorosa festa

Aquele Vestígio Assim... Feérico, na Casa triângulo

Um conjunto de tapetes pendurados no teto se movimentam, girando em ritmos distintos, criando uma sensação de dinamismo, quando mostras em galerias costumam ter uma energia quase sepulcral, especialmente pelo pouco público que as frequenta.

Em Aquele Vestígio Assim… Feérico, que esteve em cartaz até 27 de outubro na Casa Triângulo, o assumed vivid astro focus (avaf) fez sua própria festa, mesmo quando não havia público. Em uma fase obscura do país, de clima de guerra nas redes sociais, a experiência de movimento da cor foi como um oasis.

O projeto é um desdobramento da exposição abstracto viajero andino fetichizados, realizada, em 2017, no Museu Mario Testino (MATE), em Lima, no Peru, quando o avaf produziu uma série de quatro tapeçarias inspiradas na cultura Wari, que surgiu na região andina por volta de 680 dC, criadas em conjunto com  Elvia Paucar Orihuela, uma artesã de San Pedro de Cajas.

Em São Paulo, foram seis tapetes, realizados também com Orihuela, em padrões semelhantes às 17 pinturas expostas na mesma sala, número calculado para cobrir todas as paredes, criando um ambiente imersivo. Para chegar a esses padrões, Eli Sudbrack, que criou o avaf em 2001, deu uma espécie de zoom em antigos trabalhos, como se os observasse com uma lente de aumento em busca de seus componentes genéticos. Cria-se, assim, uma imersão na obra do coletivo, que se transforma em realidade e ficção, já que mesmo partindo de imagens existentes, chega a formatos totalmente distintos do original.
Esse procedimento um tanto caleidoscópico, contudo, repete-se com o programa avalanches volcanoes asteroids floods, que tem por base um arquivo de vídeos de Sudbrack, onde são exibidos 66 pequenos trechos selecionados de registros dos últimos 15 anos. Há um pouco de tudo lá, relacionado ao artista, é claro. De trechos de performances, como a realizada em 2008, no encerramento catártico da Bienal do Vazio (28ª. Bienal de São Paulo), a cenas privadas, do cºnvívio afetuoso com amigos. É como se fosse possível, por cerca de duas horas, entrar não só nas memórias do avaf, como no círculo íntimo que ajuda a construir sua obra.

Finalmente, a mostra é composta ainda por um quarto trabalho, na verdade uma instalação que reúne pinturas de assistentes, ex-alunos e amigos de Sudbrack (Camila Rocha, Gilson Rodrigues, Thiago Barbalho, Ricardo Alvez e Nadja Abt) em uma estrutura criada por ele.
Ali ganha força a noção de coletivo, já que não há identificação de autoria no conjunto. Desde seu início, em 2001, avaf tem sido um estranho no ninho no universo das artes plásticas, já que evitou identificar ou singularizar seus membros em uma cena onde ainda conta muito a ideia mítica de autor, para deleite dos colecionadores. Ocasionalmente avaf se transforma em uma dupla com o artista parisiense Christophe Hamaide-Pierson, que também desenvolve projetos avaf independentemente. E o avaf também se transforma em um coletivo, dependendo dos diferentes projetos em que estão envolvidos.

O próprio nome avaf é um acrônimo que muda conforme o local e o momento onde alguma obra é produzida, como o recente America Votes Against Fascism. Obviamente, trata-se de uma atitude política em acreditar na necessidade do esforço coletivo, que pressupõe elementos tão em falta nesses tempos, como respeito, liberdade, coragem e generosidade.
Uma obra composta por tantas mãos, como essa instalação na Triângulo, só é possível quando há um empenho genuíno por novas práticas, que partem de atitudes libertárias. Para o avaf esse compromisso é mantido em clima de festa, talvez por isso a cor seja tão importante em sua trajetória e esteja sempre vibrando de maneira tão intensa.

Novas atitudes _e o mistério em definir quem e o que é avaf merece ser visto como parte dessa estratégia _ precisam ser construídas com uma força criativa potente e é justamente isso que se observa nos tapetes, nas pinturas, nos vídeos e na instalação. Há uma interdependência entre todos esses trabalhos, é bom lembrar, que também merece ser visto como parte de uma estratégia política, ao buscar em pequenos detalhes de antigas obras novas imagens, em considerar histórias aparentemente sem relevância como essenciais, em reunir pessoas e obras de forma inesperada.

Além da mostra na Casa Triângulo, avaf ainda pode ser visto na reTRANSpectiva #2, outra ironia política ao evitar o termo usual retrospectiva para se aproximar de novas construções identitárias com o prefixo trans. Realizada na Viva Projects até 21 de dezembro (rua Cristiano Viana 201, São Paulo), a mostra reúne um conjunto de 27 trabalhos efêmeros, muitos deles produtos utilitários, realizados em diversas parcerias, entre elas com marcas como Amapô ou comme des garçons.

Festa costuma ser um espaço de liberdade, onde é preciso estar livre de condições pré-estabelecidas e em busca de uma alegria libertadora. A vertigem nas obras e atitudes do AVAF nada mais é que um desejo por novas utopias, da festa como um elemento dionisíaco unificador, onde nem sempre essas utopias são esperadas: seja na galeria, seja em uma marca comercial.

Pesquisa de arquivos cria narrativas políticas na arte contemporânea

Detalhe da obra "Bandeirantes", 2018, impressão uv sobre caixas de arquivo de papelão, 650 x 200 cm
DOPS (Série movimentos religiosos)

As imagens que compõem o trabalho DOPS fazem parte do fundo do DOPS-ES arquivados na Série “Movimentos Religiosos” no qual encontram-se relatórios decorrentes de investigações sobre bispos católicos. A série de fotografias apresenta os principais personagens do evento organizado pela igreja católica chamado “Concílio de Jovens”, por padres ligados a Teologia da Libertação, que buscava dialogar com a comunidade questões não apenas de cunho religioso, mas dar voz para que representantes de organizações sociais apresentassem suas reinvindicações e problemas que enfrentavam. No verso de cada fotografia há uma descrição textual que indica o nome das pessoas fotografadas e se respondem ou responderam a processos e o que teriam afirmado no evento.
A manipulação no trabalho DOPS (Movimentos Religiosos) se estrutura como conceito operacional do processo de criação e de ativação da proposta. Esse procedimento retira a autoridade com a qual o documento foi produzido ao mesmo tempo que apresenta o olhar de controle do regime autoritário

 

ARTE!Brasileiros — Conta um pouco da tua história

Rafael Pagatini — Nasci em 1985 na cidade de Caxias do Sul-RS, na serra gaúcha, sou filho de um marceneiro e de uma professora de ensino de primeiro grau. Com 18 anos fui para Porto Alegre, capital do estado, com o objetivo de estudar artes na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Em Porto Alegre tive contato com o sistema de arte local e com pessoas que me auxiliaram a pensar arte e suas possibilidade criativas.
Me aprofundei desde o começo na xilogravura, talvez por ter proximidade com a madeira, por causa de meu pai. Nessa época aprendi a conviver
em grupo, morando com outros estudantes.

Em Porto Alegre passei a investigar possibilidades de usos de processos gráficos ampliando meu repertório, usando desde xilogravura até gravações e cortes a laser. Além disso tive contato com a pratica de pesquisa em poéticas visuais que me fez perceber como os procedimentos adotados ao longo do processo de criação promovem possibilidades discursivas para o trabalho. Nesse sentido o gesto de gravar, como processo de impressão de um corpo, de inscrição em um território, me levou a pensar nas questões da memória e a desenvolver uma linguagem a partir dos procedimentos da gravura e suas relações com a fotografia.

Desde cedo também comecei um percurso acadêmico. Ministrei a disciplina de gravura
na Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória-ES. E atualmente curso meu doutorado no PPG Artes da Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo, com uma tese na linha de Poéticas Visuais, discutindo usos de arquivos e processos gráficos na arte contemporânea.

A!B – O que te levou a investir no teu trabalho e o que,
na tua opinião, foi fundante para tomar essa decisão?

Minha pesquisa passa pelos por processos gráficos, as relações com a fotografia e como
eles podem refletir uma discussão sobre perdas e apagamento. No entanto, quando me mudei para Vitória, tive interesse em trabalhar com questões que trazem a tona a paisagem social, a partir da memória da ditadura militar.

Esse desejo teve inicio na minha atividade como docente do curso de arte da Universidade Federal do Espírito Santo.

Aí tive acesso à relatos dos alunos, sobre violência, morte e estupros de parentes e amigos, por parte do estado. Ao mesmo tempo com isso também, mergulhei na história da cidade, do estado e do país. Essas histórias me fizeram repensar minha condição como professor de arte e como artista. Como reagir a isso, percebendo a violência como um elemento impregnado na cultura, sociedade e história brasileira. Resolvi então, estudar como foi a formação recente do estado do Espírito Santo, e como esse processo se relacionava com um projeto histórico que através do discurso do progresso promoveu ainda mais violência.

O estado do Espírito Santo possui um fluxo de capital muito grande por causa dos portos que movimentam boa parte da economia. Entre eles, o Porto de Tubarão, da mineradora Vale que exporta minério de ferro para todo mundo, é um dos mais importantes. Nesse contexto Vitória me parecia uma cidade interessante para pensar como o local se liga ao global através das commodities que passam pela cidade e como elas influenciam social, politica, estética e historicamente a memória do lugar.

O porto ao mesmo tempo que gera impostos para o município, joga minério de ferro sobre as casas, É normal acordar com um brilho escuro nas varandas. A violência simbólica, chega com o sopro do vento. Essa relação complexa entre economia, processos de exploração, tributos, poluição, me levaram a pesquisar como foi o processo de implantação do porto e a partir disso o período militar.

A economia capixaba foi baseada até a década de 50 na exportação de café, a partir da década de 60 ela se insere dentro de uma lógica de expansão de grandes projetos Industriais da economia brasileira voltada para mercado externo. Esse processo causou o acirramento das desigualdades regionais e acarretou com que os índices de violência crescessem exponencialmente. A modernização econômica, por exemplo, promoveu a construção da Samarco Mineração, inaugurada em 1977, pelo então presidente militar Ernesto Geisel. Empresa que provocou em 2015 o maior crime ambiental da história brasileira. O rompimento da barragem de Fundão, no estado de Minas Gerais, levou uma onda gigantesca de metais pesados ao rio Doce, principal rio do Espírito Santo. Acompanhei a chegada da lama tóxica na foz do rio, a destruição da vida marinha, o desespero de pescadores, ribeirinhos, a morte de um rio. As águas na cor laranja do rio Doce refletiam toda a história de autoritarismo, violência, conflitos e decadência desse grande projeto de progresso, impulsionado no estado pelo regime militar.

Como ligar as pesquisas e pensar a construção de narrativas possíveis. Como poderíamos pensar poeticamente a partir da arte como força de reação a estruturas autoritárias e a arte como espaço de invenção de práticas e utopias? Intento que minha produção apresente, como, o lugar do político nas práticas da memória pode se construir localmente e se vincular ao contexto atual brasileiro.

Rafael Pagatini, Bem-vindo, presidente!, 2015-2016

Para aprofundar a pesquisa me aproximei de um colega historiador da universidade, Pedro Ernesto Fagundes, que me ajudou com suas pesquisas a pensar a memória local, e iniciei a investigação com os arquivos do DOPS-ES no Arquivo Público do Espírito Santo. Me interessa pensar o arquivo como algo vivo, pulsante, que me leva a uma crise de representação que parte da arte e se aproxima da história e da sociologia.

Algumas perguntas norteiam minha prática a partir do uso de arquivos: Como foi a participação de empresários no governo militar? Qual o imaginário existente na sociedade sobre o período? Quanto essa história ainda é latente no contexto social, cultural e político brasileiro? Como trabalhar a partir de uma estética do período pode contribuir para o desenvolvimento de uma pesquisa em arte? Como recuperar as falhas, os desejos, as lacunas da memória sem impor discursos, mas abrindo o trabalho para a experiência da arte e sem fechar a pesquisa nos códigos restritos do campo artístico?

A!B – Como você escolhe os suportes?

A partir do desejo de refletir sobre a construção de discursos, duvidar das imagens e aí ir atrás de suportes e materiais. As relações instáveis entre fotografia, arte e documento, e como uma imagem transita entre documento e ficção e como levar elas para o produto final.

Assim, penso a imagem fotográfica como rastro da realidade e a possibilidade de manipulação. Trabalho com a fotografia a partir de imagens que pesquiso em arquivos e como elas podem ser subvertidas, construídas, interpretadas. Penso a fotografia como uma materialidade a ser desdobrada, fraturada, modelada, reconstruída. Como trabalho muito com arquivos públicos, sempre imagino como essas imagens funcionam como pequenos espaços públicos de discussão e debate.

A partir do uso de documentos, que objetiva aguçar a percepção, o julgamento que completa a obra é realizado pelo espectador. Assim, me interesso em criar uma incerteza para conseguir explicitar reações e posturas de quem se aproxima do trabalho. Dessa forma vejo os documentos como uma imprecisão do que é o arquivo, o que é um arquivo público, partilhado que é tão sedutor quanto impreciso.

Como exemplo disso posso citar o trabalho Bem-vindo, presidente!. Ele surgiu a partir da constatação que praticamente todas grandes empresas de Vitória-ES haviam sido inauguradas no período conhecido historicamente na cidade como “Grandes Projetos”, ao longo do período militar. Isso me levou ao Arquivo Público do estado do Espírito Santo e a pesquisar o jornal A Gazeta das décadas de 60, 70 e 80. A partir da data da inauguração desses projetos, como o Porto de Tubarão, Aracruz Celulose, Samarco Mineração, CST, entre outros, percebi que todos os presidentes militares visitaram a cidade para a inaugurar esses empreendimentos. Esse evento político de inauguração tinha uma agressividade e me pareceu interessante para entender a relação com a cidade, assim busquei a partir dessas datas entender como o jornal noticiava esses eventos. Para minha surpresa encontrei vários anúncios de empresas desejando uma boa estada aos presidentes em terras capixabas. Cataloguei esses anúncios de várias décadas diferentes, alguns inclusive das mesmas empresas, e busquei um suporte que ao mesmo tempo trouxesse a densidade dos textos presente nos anúncios, mas provocasse uma relação inversa a partir do suporte do trabalho, tais como leveza, invisibilidade e criasse um gesto sutil a partir do movimento do vento de saudação. A impressão a jato de tinta no papel japonês promoveu essas relações pela forma como o trabalho é fixado no espaço expositivo. O desafio foi entender como os anúncios se movimentavam pela ação do vento da galeria e usar diferentes densidades de papéis para que desta maneira o trabalho ganhasse movimento ao mesmo em que permitisse a leitura dos anúncios e salientasse a fragilidade dos discursos.

O trabalho Bandeirantes, por exemplo, nasceu dos deslocamentos que realizo para ir a Campinas pela Rodovia dos Bandeirantes por conta do doutorado. A forma como as pessoas com que eu pegava carona tinham orgulho em suas falas da estrada me fizeram ter interesse na história da rodovia.

A!B – Me conta da metodologia de pesquisa e como você resolve transformar essa pesquisa nesse produto final

Entendo que o trabalho está finalizado quando consigo suscitar as questões que me levaram até a pesquisa, mas, ao mesmo tempo, posso ainda imaginar aberturas e transbordamentos possíveis em suas leituras.

Nesse sentido minha metodologia parte muito do interesse em me envolver com o assunto de forma a me tornar por momentos um historiador, engenheiro, antropólogo, arquivista, sem deixar de ser artista. Ou seja, a partir da arte abrir um campo de leitura e experimentação para a sociedade. Deste jeito leio muito sobre o que estou abordando, as perspectivas interpretativas sobre o assunto. No caso do regime militar recorro muito a historiadores para buscar sustentar minhas hipóteses, sempre percebendo como essas questões ganham um novo contorno a partir do contexto e dos acontecimentos contemporâneos.

Muitas vezes, os materiais e suportes indicam novos caminhos e perspectivas para o trabalho, por isso que o desenvolvimento das obras sempre passam por um período de maturação. Os processos gráficos que utilizo funcionam muito a partir de um conjunto de procedimentos, um processo no qual a criação de um projeto é muito importante para respeitar algumas etapas. Por exemplo, a escolha da imagem é fundamental para que seus códigos possam reverberar para fazer pensar, sentir o trabalho não apenas intelectualmente mas corporalmente. Da mesma forma o próprio espaço expositivo no qual o trabalho é apresentado promove novas possibilidades discursivas, ou ainda contradições que muitas vezes não tem que ser superadas, mas reveladas. Portanto, minha metodologia acontece a partir da curiosidade de pesquisar histórias, de pensar o que me deixa angustiado, de partilhar um sentimento, abrir arquivos, buscar o não dito.

Pagattini, participou desde 2011 de inúmeras exposições dentre elas:

Em 2018 Estado (s) de Emergência com curadoria de Priscila Arantes e Diego Matos. Na Oficina Cultural Oswald de Andrade em São Paulo. O poder da multiplicação, com curadoria Gregor Janser no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS.

RSXXI – o Rio Grande do Sul Experimental com curadoria do Paulo Herkenhoff no Santander Cultural, Porto Alegre. 

Abre Alas 14, na Gentil Carioca com curadoria de Clarissa Diniz, Cabelo, Ulisses Carrilho no Rio de Janeiro.

Em 2017 no 20 Festival Vídeo Brasil, com curadoria de Solange Farkas, Diego Matos, João Laia, Beatriz Lemos e Ana Pato no Sesc Pompéia em São Paulo.

Em 2012 ganhou seu primeiro Prêmio EDP nas Artes no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo – SP.

50 anos do MASP na Avenida Paulista

*Por Fábio Magalhães

O MASP hoje

Neste mês de novembro o edifício do MASP, projetado por Lina Bo Bardi, completou 50 anos. Hoje é um ícone da cidade de São Paulo, superando outros símbolos, como: o edifício do antigo Banespa, o Monumento às Bandeiras de Victor  Brecheret e do edifício do Museu do Ipiranga. Mas Lina não tem nada a ver com isso, com ícones ou outros atributos simbólicos da metrópole paulista. Lina criou um edifício racional, com um enorme espaço flutuante – setenta metros de luz! – apoiado por quatro pilares sobre o terreno onde anteriormente havia o Trianon.

A cor vermelha veio depois. Veio para proteger a viga e os pilares de infiltrações. Houve polêmica na época da pintura, entretanto, hoje não podemos imaginá-lo sem essa cor. No MASP não só o edifício flutua, as pinturas dispostas em cavaletes de vidro parecem levitarem. Certamente o edifício é, em si mesmo, uma obra de arte relevante dentre as obras de seu magnífico acervo.

Estrutura do prédio em construção o no ano de 1968 na Avenida Paulista

Quando John Cage visitou São Paulo e, ao ver o MASP, gritou – “É a arquitetura da liberdade!”  Lina Bo Bardi concordou com a definição de Cage: “… quando projetei o Masp: o museu era um ‘nada’, uma procura da liberdade, a eliminação de obstáculos, a capacidade de ser livre perante as coisas.”

Não é à toa que o vão livre do MASP abriga as grandes manifestações populares da cidade. Lugar de encontro, de arte e de cultura, mas também de protesto e de sonho libertário.