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Juca Ferreira: Bolsonaro “resolveu declarar guerra à arte e à cultura”

O ex-ministro da Cultura Juca Ferreira. FOTO: Divulgação

Para o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, “quem trabalha com arte e cultura no Brasil vive hoje sobressaltado e inseguro”. “Caminhamos para uma situação que aponta para a censura, perseguição aos que pensam diferente e são críticos, e que toda a área cultural e artística será tratada como inimiga”, diz. E continua: “Podemos dizer, sem dramas, que estamos caminhando para o fim da contribuição do Estado para o desenvolvimento cultural do Brasil”.

A crítica de Juca, que assumiu a pasta nas gestões de Lula e Dilma Roussef e foi secretário de Cultura da cidade de São Paulo na gestão de Fernando Haddad, se refere às novas regras da Lei Rouanet, à paralização dos repasses da Ancine (Agência Nacional de Cinema), a partir de uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União), e à retirada de patrocínios para projetos culturais por parte de empresas públicas, notadamente a Petrobras.

Após uma semana conturbada para o meio cultural, que envolveu grande reação de artistas e intelectuais às recentes decisões do governo Jair Bolsonaro, Ferreira afirma que “o presidente eleito resolveu declarar guerra à arte e à cultura”. “Como se já não fossem suficientes os problemas que o país está enfrentando e as crises do governo… Uma crise econômica profunda, desemprego, perda de direitos sociais etc.”

Quanto aos ideólogos da nova direita que pautam o novo governo e consideram que a cultura e o mundo acadêmico estão dominados pelo “marxismo cultural” e pelo esquerdismo, Ferreira é ainda mais contundente: “Às vezes eu me pergunto de que filme de terror saíram esses personagens. Paranóicos e belicosos, não se adaptam ao ambiente democrático”.

Leia abaixo a íntegra da entrevista concedida pelo ex-ministro à ARTE!Brasileiros:

ARTE!Brasileiros – Assistimos ao mesmo tempo, nos últimos dias, à reformulação da lei Rouanet, ao pedido da TCU para suspender os novos contratos da Ancine e paralisar os repasses da agência e à retirada de patrocínios de empresas públicas para o setor cultural. Como você enxerga esses fatos? Vê eles separadamente ou em conjunto, como parte de uma mesma diretriz?

Juca Ferreira – Sem compreender a importância da cultura e da arte para o desenvolvimento do país, sem políticas culturais que contribuam para o desenvolvimento cultural do país e orientem o governo e a sociedade, sem patrocínio, sem financiamento, fomento e incentivo, via apoio direto pelo fundo nacional de cultura ou sob a forma de incentivo fiscal, podemos dizer, sem dramas, que estamos caminhando para o fim da contribuição do estado para o desenvolvimento cultural do Brasil.

Mais especificamente quanto à decisão do TCU, você afirmou em artigo na Folha de S.Paulo que o risco é que, com a legítima preocupação de impedir mau uso do recurso público, seja paralisada uma política pública para o audiovisual que deu ótimos resultados durante os últimos governos. Queria que falasse um pouco sobre isso, do risco que corre o cinema nacional.

Quem trabalha com arte e cultura no Brasil vive hoje sobressaltado e inseguro. Caminhamos para uma situação que aponta para a censura, perseguição aos que pensam diferente e são críticos, e que toda a área cultural e artística será tratada como inimiga. Para não parar, [artistas e produtores] buscam equilibrar-se em meio a esse caos, obrigados a tirar leite de tijolo para manter as atividades e artísticas funcionando.

Todo o sistema de patrocínio e fomento público está ameaçado. Sem o apoio das políticas públicas e com o fim do Ministério da Cultura, todo o processo cultural e artístico passa a ser mais lento, mais precário, mais cheio de contratempos e de reviravoltas, na base apenas da vontade dos artistas, produtores e fazedores de cultura e do enorme impulso criativo do povo brasileiro. Desde o impeachment da presidenta Dilma Roussef estamos vivendo um retrocesso e parece que o pior ainda está por vir.

Sobre a Rouanet, mais especificamente, como você vê as mudanças?

Medidas inócuas, demagógicas e refletem um total desconhecimento da lei e dos seus mecanismos. Só vai piorar a situação e tornar mais difícil para a arte e a cultura em geral. As medidas dessa IN são inócuas e demagógicas. Fingem democratizar e cercear abusos. Essa IN é um conjunto tosco de quem ouviu o galo cantar e não sabe onde. Só vai complicar ainda mais e inviabilizar o patrocínio e o fomento.

Outra critica é o fato de a classe artística não ter sido consultada. O próprio deputado Alexandre Frota, do partido do presidente, falou isso. Quer dizer, não há nenhuma tentativa de diálogo por parte do governo?

Como se já não fossem suficientes os problemas que o país está enfrentando e as crises do governo – uma crise econômica profunda, desemprego, perda de direitos sociais etc. – o presidente eleito Bolsonaro resolveu declarar guerra à arte e à cultura e chamar os artistas para a briga. Estão tentando destruir os avanços do cinema e do audiovisual brasileiro dos últimos anos, cercear e talvez extinguir a Ancine, interrompendo as linhas de financiamento público ao cinema brasileiro e agora resolveram inviabilizar a Lei Rouanet. Não são capazes nem querem aprimorar a Lei. Trata-se de uma política de terra arrasada.

Existe, por trás dessas mudanças, um claro viés ideológico, de desfazer políticas dos governos anteriores e de combater uma arte que seria de “viés ideológico de esquerda”. Ideólogos do governo e da nova direita falam, por exemplo, do marxismo cultural, que teria dominado a área cultural e acadêmica… 

Às vezes eu me pergunto de que filme de terror saíram esses personagens. Paranoicos e belicosos, não se adaptam ao ambiente democrático.

E como você pensa que pode haver nesse momento uma resistência ao que está acontecendo, à essas mudanças todas e às políticas para a cultura do novo governo?

Precisamos defender o que conquistamos nos últimos 20 anos. Precisamos recuperar o MinC. Precisamos defender as políticas públicas que materializam a responsabilidade do Estado democrático para com o desenvolvimento cultural do país. Em vez de extinguir, aprimorar os mecanismos e os direitos conquistados. Para começar, é preciso retomar o clima de respeito pelos que pensam diferente e investir na inteligência e no diálogo como condição básica para a vida em sociedade. Precisamos olhar para o futuro e entender que não há saída fora da democracia.

IMS inaugura exposições de Letizia Battaglia e de Sergio Larrain em São Paulo

Foto de Letizia Battaglia. FOTO: Divulgação

O Instituto Moreira Salles de São Paulo inaugura neste sábado, dia 27 de abril, duas exposições dedicadas a importantes fotógrafos estrangeiros: a italiana Letizia Battaglia (1935) e o chileno Sergio Larrain (1931-2012).

A mostra Letizia Battaglia: Palermo reúne cerca de 90 imagens, publicações e filmes, com foco especial na atuação da fotógrafa no jornal L´Ora. Durante quatro décadas, Battaglia documentou a guerra da máfia em Palermo, especialmente nos anos 1970 e 1980, além de registrar o cotidiano, a vida cultural e as transformações da cidade.

Nas palavras da própria fotógrafa, em texto publicado em 2010, “com a máquina fotográfica a tiracolo, me tornei testemunha de todo o mal que estava ocorrendo. Foram anos de guerra civil: sicilianos contra sicilianos. Foram assassinados os melhores juízes, os jornalistas mais corajosos, os políticos avessos à corrupção”. Com curadoria de Paolo Falcone, a exposição já passou por Palermo, Roma e pelo IMS do Rio antes de chegar a São Paulo.

A mostra Sergio Larrain: um retângulo na mão, por sua vez, traça um panorama da obra do chileno, que atuou como correspondente da agência Magnum durante a década de 1960. A exposição apresenta mais de 140 fotografias, um vídeo e publicações, contemplando os períodos de produção de Larrain em Santiago, o trabalho como correspondente na Europa e América do Sul e a sua volta à terra natal. Com curadoria de Agnès Sire, a mostra já passou por Arles, na França, por diversas cidades chilenas, por Buenos Aires e pelo IMS do Rio.

Letizia Battaglia: Palermo

Até 22 de setembro

Sergio Larrain: um retângulo na mão

Até 25 de agosto

Instituto Moreira Salles – Avenida Paulista, 2424

Entrada gratuita

Cartas de Cuba #2

Roberto Diabo, Resistiendo en el Tiempo, 2019. Placas de latas e dimensões variadas

Toda bienal é intersocial e em movimento constante, cada edição tenta transcender as realidades já vividas. A 13ª Bienal de Havana tem a seu favor o projeto Detrás del Muro, que se estende por oito quilômetros do Malécon, atraindo centenas de pessoas para o calçadão que serpenteia a orla havaneira. Cuba é uma janela de 360 graus de frente para o mar e o Malecón, um mirante que permite ao público uma percepção diferente do cotidiano. Com curadoria de Juan Delgado, a coletiva abarca obras que se sucedem em exposição contínua. Fim e princípio da cidade, esse espaço tenta ir mais além do estereótipo: lugar onde começam e terminam amores, ponto de encontro de amigos, local de bebedeiras ou de simples brincadeiras de crianças.

A cada Bienal de Havana nasce uma nova edição do projeto Detrás del Muro que mistura, arte, arquitetura, performances e, neste ano, completa três edições envolvendo 70 artistas de 10 países.

Vindo do Chile, Benjamin Ossa, que vê o Malecón, como território pleno de curiosidades sedutoras ou obscuras, cria Un Invisible Faro (Um Farol Invisível), torre vazada onde a brisa do mar voa livre. Com quase 70 metros de altura por três de diâmetro, esse “facho” de luz brilha e se movimenta por meio dos 1344 discos de cobre e alumínio, suspensos em cabos de aço inoxidável, que se completam com triângulos num jogo enigmático de luminescência.

Benjamin Ossa, Un Invisible Faro, 2019. Discos de cobre e alumínio. Aço inoxidável.

Inserindo-se no rizoma urbano, Detrás del Muro acolhe performances como Construindo o Feminino e Olhar sem Ver. Ambas parecem se referir ao mundo atual: ver com olhos vendados. A primeira tenta se identificar sensorialmente com os traços femininos a partir de esculturas de vestidos, de Susy Gómez. A segunda faz o espectador caminhar por uma superfície irregular. A ideia de ambas é que o tato transpasse a visão.

Nas ocupações urbanas, os movimentos ativistas ou obras ideológicas formulam outros imaginários em novos territórios. A escravidão reflete no trabalho de Roberto Diago, que a estuda em um paralelo entre os atos de resistência cultural e as rebeliões dos escravos dos séculos 18 e 19 nas Américas. O artista cubano se interessa pelo tema de forma densa e atuante.

Em meio a artistas quase emergentes, há os consagrados como Eduardo Pojuán, cujo trabalho tem efeito revelador. Sur é uma bússola que pode ser vista como o mapa invertido, de Torres Garcia. Segundo Freud, “a antítese de brincar não é o que é sério, mas o que é real”. Del Rio trabalha o jogo entre a lucidez e a ludicidade com mangueiras de água que as pessoas podem direcionar uma contra as outras. Sob o título Transfusão, trabalha sobre a organização direta de sensações.

Uma exposição coletiva é também um arranjo de objetos ressignificados. Detrás del Muro traz peças aparentemente descontextualizadas, como a obra minimalista do mexicano José Dávila, uma instalação com rochas presas entre placas vulcânicas. Ou a de Felipe Dulzaides, um trabalho poético/político, Limited Perspective em que cria um espaço estruturado com paredes de aço, onde se abrem frestas e espreitas sobre o ato de ir e vir.

Nesse sobrevoo sobre Detrás del Muro, a fantasia feérica das transparências e cores do trabalho de David Magán chama a atenção na tentativa de captar a luz. Esse terreno luminoso atrai e devolve ao público, através das chapas de acrílico coloridas, contorções e explosões de seus próprios corpos. Em contraponto a essa luminosidade, Os Guardiões, de Xavier Mascaro, revisita um viés mítico da obra de arte e abarca um gênero de escultura historicista que ganha relevo com pigmentos criados por ele, mas que funciona como se fosse a ação do tempo.

Parte dos recentes conteúdos sociais da arte voltados à população, se aproxima mais das questões organizacionais e econômicas do que do legado estético. Embora não seja o caso de Detrás do Muro, o público que caminha por entre as obras no Malecón de Havana pode amar, odiar, questionar, enfim opinar sobre o projeto. Afinal, é ele, ao contrário dos críticos, o árbitro essencial do gosto em um evento dessa natureza. Aquele que pode garantir a continuidade de um projeto público, em países socialistas ou não.

MAM expõe obras de seu acervo produzidas nos primeiros anos da ditadura militar

Eu quero você
"Eu quero você", 1966, Marcello Nitsche. FOTO: Divulgação

A segunda metade dos anos 1960 certamente foi um dos períodos mais conturbados e violentos da história política brasileira no século 20. Após o golpe militar de 1964, os anos seguintes foram marcados por uma intensificação da repressão, culminando no Ato Institucional Número Cinco (AI-5) em 1968. Movimentos de contestação no Brasil e no mundo, com focos variados – críticos aos sistemas educacionais, aos costumes, à repressão política ou às guerras –, ganharam força e tiveram grande ressonância também nas artes.

Com o intuito de revisitar esse contexto, traçando paralelos com o atual momento político do país, o Museu de Arte Moderna de São Paulo apresenta, a partir de 30 de abril, a exposição Os Anos em que Vivemos em Perigo, um recorte do acervo do museu com obras produzidas durante cinco anos críticos da história brasileira. “A proposta desta mostra será refletir sobre esses complexos momentos vividos, tendo como marcos os anos de 1965 e 1970 rebatendo e rebatidos em 2019, suas atmosferas marcadas pela vida e a presença do perigo e da ameaça”, escreve o curador Marcos Moraes.

Com cerca de 50 trabalhos de nomes como Antônio Henrique Amaral, Anna Maria Maiolino, Antônio Manuel, Cláudio Tozzi, Maureen Bisilliat e Wesley Duke Lee, entre outros, a mostra passa por tendências que vão do pop ao surrealismo, incluindo pinturas, xilogravuras, fotografias ou esculturas. Segundo o curador, “para a seleção de obras, considerei o contexto, o ambiente efervescente e os acontecimentos que envolveram esses artistas no período dos anos 60 com atitudes radicais frente ao sistema da arte vigente no país, entre eles as exposições: Nova Objetividade Brasileira (MAM RJ), 1ª JAC – Jovem Arte Contemporânea (MAC USP), Exposição-não-exposição (Rex Gallery & Sons) e a 9ª Bienal de São Paulo”.

No texto de apresentação da mostra, o museu destaca ainda que este cenário, “que transformou o antropofágico caldeirão cultural do país”, se dava no mesmo momento em que acontecia a reestruturação do MAM, que em 1969 teve sua nova sede inaugurada no Parque Ibirapuera – “resistindo aos tempos e chegando até o momento atual em que celebra seus 70 anos de história”. A mostra fica em cartaz até o final de julho.

 

Os Anos em que Vivemos em Perigo

Museu de Arte Moderna de São Paulo (Parque Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº)

De 30/04 a 28/07

Ingresso: R$ 7 ou gratuito aos sábados

Cartas de Cuba #1

Obra Un Hombre que Camina 2
Obra Un Hombre que Camina 2, de Oscar Leone

O Desafio do (Im)possível é mais que um tema, é a marca da 13ª Bienal de Havana, exposição que volta ao circuito de arte depois de um hiato de mais de três anos. O momento é especial, coincide com os 500 anos da fundação de Havana e os 30 da Bienal. Por uma semana ando cerca de 35 quilômetros por entre vários bairros que acolhem o evento, em busca dos desafios propostos. Afinal, quando chegamos a uma bienal, em qualquer país, queremos ver como o evento captou, reproduziu e elegeu o que se faz no momento em arte. Há muitas mediações superpostas na Bienal de Havana desde a sua fundação em 1984: a arquitetura do lugar, sua carga histórica, a crise financeira local e a dos países participantes.

Vista pelo retrovisor, por quem esteve em todas as edições anteriores, esta é a mais enxuta, embora tenha 170 artistas, e a menos cenográfica. A curadoria é assinada pelo pool de curadores da Bienal capitaneada pelo crítico Nelson Herrera Ysla. O momento é de reflexão, não há purpurina para os olhos. Bienais fazem história desfazendo as realizações e significações anteriores. As últimas edições das bienais de São Paulo, Veneza e a Documenta de Kassel, comprovam essa tese, todas revelam uma crise de identidade na arte contemporânea. O fio que conduz boa parte das obras desta 13ª edição parece desencapado, assim como os que ligam os diálogos deste momento mundial.

Do Centro Wifredo Lam, sede da Bienal, saio com três trabalhos na cabeça. O primeiro deles, Verso-Recto-Recto-Verso, da indiana multimídia Rena Saini Kallat, uma imensa instalação que aborda a questão dos países divididos ou em conflito, como Índia/Paquistão, Estados Unidos/Cuba, Coreia do Norte/ Coreia do Sul, entre outros. Tiras largas de seda azul vão do teto ao chão-, são confeccionadas por tecelões de Bhuj, cidade indiana-, e exibem vocábulos em escrita convencional e em braile. O jogo de palavras transforma-se em um texto ininteligível tanto para os cegos como para os videntes. O desejo de surpreender é claro e consegue. Cada significado de uma palavra é conectado por vários outros. O resultado é confuso, crítico e proposital. A artista usa a cegueira como metáfora da amnésia coletiva que, em sua opinião, contamina os valores sobre os quais essas nações foram erguidas.

Ao entrar na sala de Oscar Leone, um jovem colombiano vide oartista, penso logo em Pierre Restany, o icônico crítico francês, já morto, que dizia não ter paciência para videoarte.

Logo de início percebo que as imagens podem se transformar num caldo ácido e crítico. A obra é longa, mais de uma hora, e vejo boa parte dela. Além do mais, lá fora o sol queima como no Senegal. Sequência de um homem que caminha (a terra) é uma vídeo performance que aparentemente fala da relação entre o homem e a paisagem, mas vai além. O personagem carrega nos ombros um pernil de vaca por extenso percurso entre colinas, vales, montanhas até chegar a Bogotá, centro político e financeiro da Colômbia.

O discurso visual parece logo ultrapassar o estágio do processo local e exprime a tensão em que vivem milhões de pessoas. Sua caminhada toca em territorialidade, fome, mutações subjetivas e sobrevivência. Leone já expôs Imagens da Natureza no Espaço das Artes ECA/USP, em 2017, e agora deixa em aberto uma reflexão sobre em que consiste a mutação que ainda nos espera no futuro.

Por último, adentro a instalação Blanco da cubana Tamara Campo que procura levar o espectador a vários deslocamentos pela sala ladeada de centenas de finos pedaços de plástico branco, que formam dois triângulos cujos eixos criam um ponto de tensão e de encontro. A intenção, embora não confessa, é cenográfica, mas fica atenuada pela museografia que a “instalou” em uma sala que deveria ter no mínimo o dobro de espaço. O que permanece é uma atitude antagônica, a intimidade. A ideia era fazer o visitante multiplicar deslocamentos testando sua percepção numa trama de entrega e reflexão.
Andando pelos pontos expositivos espalhados por Havana me lembro de ter visto nas edições anteriores colecionadores, diretores de museus, críticos, jornalistas e artistas estrangeiros tentando descobrir a produção cubana. Eles atuavam como exploradores da selva quando encontram uma cidade perdida.

Hoje isso está um pouco diferente, muitos museus  latino – americanos, europeus e americanos já conhecem a arte da Ilha, fato que coloca Cuba, eventualmente, na lista de algumas exposições relevantes.

Juliana Gontijo apresenta trabalhos no MAMAM-PE

Juliana Gontijo, Foz e Fronteira, 2018

Aos 33 anos, a artista Juliana Gontijo, natural de Belo Horizonte, ainda carrega o mesmo carinho pela geografia que tinha quando teve que escolher entre ela ou Artes Plásticas ao pleitear uma vaga na faculdade. Acabou por seguir pelos caminhos da arte, mas levou consigo nas pesquisas no cerne de seu trabalho várias das ciências que compõem a geografia.

Na primeira exposição individual que apresenta na Galeria Murilo Castro, em Belo Horizonte, desde que começou passou a ser representada por ela, Juliana reúne obras criadas a partir de uma viagem que fez para o Acre, onde visitou espaços de vivência indígena. Ela já havia tido esse contato anteriormente, seja sob um ponto de vista artístico ou sociológico: “O que encontrei nessas viagens foi uma intersecção do que eu já fazia com uma perspectiva desse aspecto, sempre foi sobre paisagem, território e corpo”, ela explica. 

Nas pinturas que apresenta nessa exposição, Risco, Juliana trabalha com um traçado que define uma fronteira territorial, fronteiras essas que, segundo ela, não podem ser consideradas definitivas quando falamos de formação do Brasil: “A ideia é estar o tempo todo tensionando uma linha que é cartográfica, mas também dos limites do pensamento”. Isso porque, além de simular mapas com território e fronteiras, Juliana também trabalha a palavra na tela.

Ela conta que um de seus processos para formular os pensamentos escritos à lapiseira consistem em referências de suas leituras, as quais deixa perderem-se com o tempo. Juliana escreve os trechos que gosta em tiras de papel e guarda em uma caixa, retirando-as de lá tempos depois. As reflexões em cima desses trechos formam os pensamentos escritos nos quadros.

Juliana também apresenta a exposição O Tempo é Implacável, com curadoria de Wagner Nardy, no MAMAM (Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães), no Recife, com abertura em 25 de abril, às 19h. A exposição na galeria Murilo Castro, em Belo Horizonte, terminou em 27 de abril.

SP-Arte/2019

Obras de Adriana Varejão dialogam com a violência do passado colonial em Salvador

Pele Tatuada à Moda de Azulejaria (1995)

Com 19 obras bastante representativas de sua trajetória de mais de 30 anos, a artista carioca Adriana Varejão apresenta no MAM-BA, em Salvador, a mostra Por uma Retórica Canibal. Com curadoria de Luisa Duarte, a exposição reúne trabalhos produzidos entre 1992 e 2016, e deve circular por outras cidades do país até o fim do ano.

A produção de Varejão, centrada em grande parte em uma revisão histórica do colonialismo, escancarando suas violências e atrocidades, ganha força especial ao ser exposta no Solar do Unhão, um conjunto arquitetônico antigo restaurado por Lina Bo Bardi nos anos 1960. “Salvador e Cachoeira são cidades fundamentais na construção da minha obra. Nessas cidades, eu encontrei referências importantíssimas do período barroco que usei em muitos de meus trabalhos, especialmente nos que se referem à azulejaria”, afirma Varejão.

Ruína de Charque, Porto (2002)

Com azulejos rasgados que expõem em suas entranhas vísceras, carne, órgãos e sangue, a artista traz à luz histórias ocultas, pouco visitadas pela história oficial. Segundo o texto curatorial: “A seleção de trabalhos revela ainda a rede de influências que atravessa a obra da artista: do barroco à China, da azulejaria à iconografia da colonização, da história da arte à religiosa, do corpo à cerâmica, dos mapas à tatuagem, vasto é o mundo que alimenta a poética de Adriana Varejão”.

É a primeira vez que Salvador recebe um conjunto significativo de obras da artista, que já expôs em diversas cidades do mundo e tem obras em instituições como o Metropolitan Museum of Art e o Guggenheim Museum em Nova Iorque, a Tate Modern em Londres, a Fondation Cartier em Paris, o centro Inhotim em Brumadinho, o MAM de São Paulo, o MAR no Rio de Janeiro e o Stedelijk Museum em Amsterdã, entre outros. A mostra fica em cartaz até 15 de junho e seguirá para outras cidades fora do eixo Rio-São Paulo.

 

Adriana Varejão – Por uma Retórica Canibal

De 17 de abril a 15 de junho de 2019

Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA) – Av. Contorno, s/n, Solar do Unhão, Salvador

Gratuito

Memória e Geopolítica na arte

A artista chilena Voluspa Jarpa estará representando o seu país no pavilhão do Chile na Bienal de Veneza de 2019. No ano passado, a artista participou do Seminário ARTE!Brasileiros: ARTE além da ARTE, na mesa Geopolítica e Arte e apresentou seu trabalho junto a outros profissionais da área. No vídeo, confira a fala de Voluspa no evento. Abaixo, leia texto sobre a pesquisa da artista, publicado na ARTE!Brasileiros 44:

Uma das vertentes que tem envolvido o trabalho de inúmeros artistas é a recuperação da memória e a pesquisa de arquivos que possam trazer à luz através das suas obras. Documentos nem sempre são acessíveis e, nos últimos anos, graças à democratização da informação historiadores e pesquisadores, tornaram possível perceber como a história, muitas vezes, tem narrativas falhas.

Documentos e arquivos são temáticas de espaços por todo o mundo. Em Istambul, na Turquia, por exemplo, a instituição cultural Salt Galata foi criada em 2011, com o objetivo de pesquisar e arquivar documentos sobre a cultura, história, política e a arquitetura do império otomano e da Turquia. Parte fundamental do trabalho é focado no levantamento de documentos e depoimentos sobre o extermínio dos armênios em 1915. O material serve de base para exposições, debates e programas de comunicação. No Líbano, o Atlas Group, fundado em 1999 pelo artista Walid Raad, busca localizar, preservar, estudar e produzir material audiovisual, literatura e outros artefatos vinculados à história do país.

De certa forma, grupos como esse seguem o que filósofos e historiadores como Foucault e Agamben defendem: o contemporâneo não existe. Que o acesso real ao presente é uma indagação sobre o passado, e que a chave para a compreensão é o exercício de uma espécie de “arqueologia” a partir das interrogações que o presente projeta no passado. Essa tem sido uma metodologia que inspira especialistas de diferentes áreas do pensamento.

Desde os anos 1960, a América Latina foi assolada por ditaduras cuja violência se diferenciou de outros movimentos políticos ou golpes de estado de camarilhas. Na Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai e Brasil houve milhares de presos políticos, desaparecidos e assassinatos.  Tratou-se de implantar um sistema caracterizado pela orgânica e sistemática destruição do livre pensamento, um modelo que parecia ter ruído há muito tempo. A comunicação sobre os fatos era censurada e poucos percebiam o que ocorria em volta. Cinquenta anos depois desse sinistro cenário, nos restam depoimentos e documentos.

A artista chilena Voluspa Jarpa, nascida em 1971 em Rancagua, Chile, desenvolve há anos uma pesquisa baseada no tratamento e uso de arquivos como fonte estética. Na mostra, En Nuestra Pequeña Región de por Acá, no MALBA – Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires, realizada em 2016, ela reuniu vários trabalhos criados a partir de documentos do Serviço de Inteligência dos EUA, no período entre 1948 e 1994, centrados na figura de 47 líderes latino-americanos que ocuparam lugares determinantes em seus países e que foram assassinados ou desapareceram em circunstâncias não esclarecidas. Na opinião de Pérez Rubio, diretor artístico do museu até julho deste ano, “na obra de Jarpa o ato de investigação e o ato artístico são um só. A história fala através das peças.”

Jarpa escreve em La forma simbólica del archivo:  “As minhas razões para trabalhar com o arquivo não vêm dos fundamentos da historiografia, tampouco vêm da necessidade de comprovar e contrapor fontes de informação com o intuito de narrar um ponto de vista que conteste o do historiador. As minhas razões  para me aproximar e mergulhar na necessidade de arquivo que tenho vivido  nos últimos 20 anos, vêm do encontro do apagado com o rasurado. Vêm da não história ou do que é mais misterioso, vêm da dimensão de SECRETO como assunto de segurança, da sua histeria e da sua mudez. Minha urgência pelo arquivo se deve a este sintoma, a esta “nuvem flutuante de mal estar” percebida através da minha infância ancorada no Cone Sul da América Latina . Infância que me fez perguntar muitas vezes quanto da minha subjetividade está atravessada, modelada pelos fatos e pela atmostera que envolveu minha infância, por estas ditaduras militares e seus códigos e linguagens das quais fui testemunha em meu próprio país e também nos outros países da região por onde viajei e viví. Do que se tratam os arquivos da não história da Guerra Fria na América Latina? O que revelam deste passado e, principalmente, como isto hoje nos questiona, como nos afeta?

Eu trabalho desde os quinze anos com os arquivos da CIA e outros organismos de inteligência  dos EUA  sobre  países latinoamericanos que foram tornados públicos sobre um período que vai de 1948 até final do séculoXX. Comecei trabalhando com os arquivos que foram publicados sobre o Chile ( no que se denominou Proyecto de Desclasificación Chile) nos anos 1999, 2000 e 2001, quando Augusto Pinochet estava preso em Londres – fato que propiciou uma intenção internacional favorável para tornar visíveis estes arquivos – sendo o Chile o pais que teve o maior volume de arquivos tornados públicos, desclassificados.

Com desclassificados quero dizer que os documentos que os Estados Unidos trouxeram a luz sobre a América Latina, estiveram classificados sob a condição de secreto e esta condição, por sua vez, se subdivide em outras como: confidencial, não distribuir,  proibida ou restrita a sua circulação… Então, conceitualmente, desclassificação quer dizer tirá-los desta condição restritiva e torná-los públicos”.

Este é parte do texto escrito por Voluspa Jarpa por ocasião da abertura da exposição “En nuestra pequeña región de por acá”, no Malba, em Buenos Aires.

 

Projeto cede espaço para artistas produzirem dentro da galeria

Helô Sanvoy e Alice Lara, primeiros participantes do projeto. FOTO: Marcos Ferraz

Com exceção dos dias de abertura de exposições – com as badaladas vernissages –, galerias de arte costumam ser locais pouco frequentados. No dia a dia, em que raros visitantes adentram os espaços, certa frieza e aridez predominam no ambiente. Foi levando isso em conta, com o desejo de trazer mais vida e produtividade à sua galeria, que Andrea Rehder concebeu para este ano de 2019 o projeto Rizoma.

A ideia é simples: convidar jovens artistas para ocupar, com diferentes tipos de atividades, as duas salas do segundo piso do estabelecimento, localizado no nobre bairro do Jardim América, em São Paulo. Antes utilizadas para guardar acervo ou como áreas expositivas, as salas estão, desde meados de março, funcionando como espécies de ateliês e espaços de pesquisa para os artistas convidados. Na verdade, eles podem usar as salas “como bem entenderem”, diz Rehder, inclusive para promover conversas, debates, trocas artísticas com terceiros etc.

Helô Sanvoy na sala que ocupou na galeira. FOTO: Marcos Ferraz

“Existe aqui um alto custo de aluguel da casa, num ótimo lugar da cidade, e muito pouco uso. E tem tanta gente precisando de espaço, querendo fazer e expor projetos… Por que deixar essa casa de dois andares parada?”, questiona a galerista. A ideia é que cada convidado passe um mês com uma sala disponível. Os artistas recebem a chave da galeria e podem entrar e sair a qualquer hora.

O primeiro a participar foi o goiano Helô Sanvoy, um dos poucos participantes do projeto que já é representado pela galeria. Foi ele, inclusive, que ajudou a pensar no nome Rizoma, a partir da proposta de que os artistas usem o projeto para criar raízes, diálogos e elos entre si e com a galeria. Quinze dias após Sanvoy, a pintora brasiliense Alice Lara ocupou a sala ao lado, iniciando um rodízio de datas que faz com que cada artista conviva ao menos com outros dois durante o seu mês de permanência.

Ao fim de seu período de “ocupação”, cada artista ainda ajuda na transição e entrega da sala para o próximo participante, além de realizar um open studio – com conversas e apresentação dos trabalhos. Os próximos nomes já confirmados são Sandra Lapage, Carlos Pileggi, Virgílio Neto, Betina Vaz e Ju Freire. O ciclo deve seguir ao menos até o fim do ano.

Alice Lara com seus objetos de trabalho na galeria. FOTO: Marcos Ferraz

Rehder faz questão de ressaltar que não se trata de um projeto de residência artística, já que não há processos rígidos de seleção dos participantes, de curadoria ou financiamento dos trabalhos. “É uma coisa muito livre, experimental, onde os próprios artistas podem sugerir a participação de outros, podem conversar comigo sobre suas necessidades de materiais e assim por diante. Se quiserem podem também escolher vender as obras, mas o intuito do projeto não é ser algo comercial.”

Rehder destaca ainda uma preocupação de intercalar artistas de diferentes gêneros, “estimulando uma pluralidade e igualdade que por vezes eu mesma não prestei atenção durante minha trajetória de galerista”, e de incentivar um pensamento crítico sobre o que ali é produzido. Em pouco tempo de funcionamento do Rizoma, segundo ela, já surgiram jovens curadores dispostos a escrever sobre as obras dos artistas, como Isabella de Souza e Raquel Vallego.