Nos últimos meses, imagens jornalísticas de grande impacto foram utilizadas pelo seu alcance midiático. Foi o caso, na recente Bienal de Berlim, da polêmica exposição do artista francês Jean-Jacques Lebel, Poison soluble. A obra, criada em 2013, é um labirinto de imagens recortadas e ampliadas das torturas sofridas por prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib. Por conta disso, 15 artistas iraquianos se retiraram e removeram seus trabalhos da Bienal, acusando os curadores do uso indevido das imagens.

Só para lembrarmos do fato: em 2004, em meio à Guerra do Iraque, o mundo se espantou quando as primeiras páginas dos jornais estamparam prisioneiros iraquianos sendo torturados por soldados americanos. O complexo penitenciário de Abu Ghraib ficava a 32km de Bagdá e era administrado pelos norte-americanos. O que mais chocou naquele momento, além do fato bárbaro em si, é que os soldados haviam registrados aquelas cenas com uma estética que muito se aproximava de álbuns de férias: eles, sorridentes, diante dos prisioneiros.

Na contemporaneidade, em que os museus cada vez mais trabalham histórias do passado, evitando um apagamento histórico, a espetacularização nem sempre é sinal de sucesso, mas muitas vezes causa de naturalização de um evento, como o das torturas, ou até mesmo de alienação.

No mesmo mês, julho deste ano, outra polêmica envolvendo imagens: a revista Vogue contratou a reconhecida fotógrafa Annie Leibovitz para retratar o casal presidencial da Ucrânia, que posou em frente aos escombros de guerra e dentro do palácio oficial em que residem. Imediatamente, as redes sociais entraram em polvorosa criticando a atitude de todos: da revista, da fotógrafa e do casal. O problema da matéria não são as fotos em si, mas sim o contexto, a publicação para a qual foram realizadas, uma revista de moda. Talvez, se elas tivessem sido feitas para a capa de uma revista de informação, o debate não teria sido tão acalorado.

No Instagram também surgiram registros realizados por um professor, um pedido de seus alunos ucranianos, para que fossem fotografados em meio aos escombros de sua escola no dia da sua formatura. A justificativa foi a de se fazer um ensaio-protesto contra a guerra, numa estética de redes sociais.

Não é de hoje que filósofos e estudiosos da comunicação falam sobre a cada vez mais crescente onda do entretenimento midiático. Aliás, este processo se potencializa na virada do século 20 para o século 21, quando o ataque às Torres Gêmeas nos foi apresentado como um evento cinematográfico.

Cada vez mais as imagens que diariamente desfilam diante de nossos olhos nas telas do computador, ou de um smartphone, são mais espetaculares, sensacionalistas ou escandalosas. O filósofo francês Gilles Lipovetsky e o professor da faculdade de Grenoble, Jean Serroy, em seu livro A estetização do mundo, de 2015, já avisavam que vivemos numa hipercultura midiática-mercantil em que “a arte contemporânea se pretende ‘experencial’ proporcionando sensações fortes, um choque visual pelo espetáculo do desmedido, do excessivo.” Uma estética midiática, que nem sempre pretende ou busca a reflexão, mas o susto.

A colocação da imagem como um megaevento que nos desconcerta, não fica presa a imagens jornalísticas. Devemos pensar hoje também na “moda” de exposições imersivas, que por si só são bastante interessantes, mas nem tudo deveria ser imersivo. São mostras muitas vezes criadas com o único intuito da distração, do divertimento. Não que o lúdico não seja importante, mas a forma que nos são apresentadas parecem mais cenários prontos para selfies, ou possibilidades de criar engajamento nas redes sociais.

Nem toda obra se presta a esta experiência. Algumas, feitas no início do século 20, foram criadas para um outro tipo de diálogo, de rupturas estéticas e históricas, de questionamento dos estados vigente da arte e não como cenários fake de um parque de diversões.

A polêmica e desafiadora crítica de arte e de cultura Camille Paglia, em seu livro Imagens cintilantes, de 2015, retoma uma constatação já por muitos colocada: “A vida moderna é um mar de imagens. Nossos olhos são inundados por figuras reluzentes e blocos de texto explodindo sobre nós por todos os lados.” Ela se pergunta como podemos viver diante desta sensação de vertigem, já que perdemos nossa capacidade da contemplação, que é quase sinônimo de calma, sensação que parece impossível se vivemos na contemporaneidade: “Em meio a tamanha e neurótica poluição visual, é essencial encontrar o foco, a base da estabilidade, da identidade, da direção da vida”, diz Camille, em outro trecho.

Diante desta espetacularização das imagens contemporâneas, precisamos compreender o papel da arte ou, como afirma a própria Camille Paglia, “precisamos reaprender a ver”.


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