Motivo Japonês (1959), têmpera sobre tela. Crédito: Acervo MAC USP
Motivo Japonês (1959), têmpera sobre tela. Crédito: Acervo MAC USP

Conheci o trabalho de Eleonore Koch no início deste século e, nos anos 2010 surgiu a oportunidade de organizar uma exposição sobre o seu trabalho e percurso, o que acabou não ocorrendo. Mas, enquanto durou essa possibilidade, pensava em uma exposição sóbria e que, na medida do possível, revisse toda a sua poética – uma das mais singulares que tenho visto.

Anos mais tarde me ocorreu a ideia de que seria de grande interesse organizar uma exposição que reunisse num único espaço uma significativa porção de suas obras e algumas pinturas dos dois artistas que serviram de parâmetro para Koch até que ela constituísse sua própria poética. Refiro-me ao ítalo-brasileiro Alfredo Volpi e ao inglês Patrick Caulfield.

A obra de Volpi poderia ser definida como o resultado da ação de um artista que pautou sua produção no próprio fazer pictórico, na própria expressividade da cor. Isto não significa que, para ele, a história da pintura não tenha sido importante. Todos conhecemos seu apreço pela pintura dos “primitivos” italianos. Porém, tal reconhecimento não significou que Volpi teria desenvolvido uma absorção “crítica” daquela produção. Não, a pintura daqueles artistas do começo do Renascimento na produção de Volpi serviu como combustível para seu próprio fazer pictórico que, mesmo moderno, não excluiu sua origem ou tradição.

Por sua vez, a pintura de Patrick Caulfield poderia ser caracterizada como sendo uma poética reducionista e “fria”, que passava em revista o amor meio bandido que a pintura moderna sempre nutriu pela visualidade “baixa” da cultura de massa. De Léger, e passando por tantos outros – sobretudo pelos pop (com os quais ele não gostava de ser associado) –, Caulfield representou objetos chapados no plano, com cores saturadas e delineados fortemente, trazendo para o âmbito da pintura erudita – e do seu jeito – a cultura visual dos meios de massa.

Teria sido interessante cotejar a produção de Koch com as dos dois outros artistas para investigar os porquês das escolhas feitas por ela: como Koch pensou Caulfield em relação a Volpi e vice-versa, como Koch pensou a produção dos dois em relação a uma nova possibilidade para a sua poética?

Mas é claro que essa ideia também não vingou. Realizar uma exposição unindo obras dos três artistas era – e continua sendo –, uma missão praticamente impossível. Porém, felizmente para mim, que sempre apreciei o trabalho de Eleonore, e para todo o público interessado, no dia 6 de abril passado, o Museu de Arte Contemporânea, o MAC USP inaugurou a mostra Eleonore Koch: em cena, organizada por Fernanda Pitta, uma das curadoras da instituição.

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O MAC USP, na antiga sede do DETRAN de São Paulo, é um presente para os habitantes e visitantes da cidade. Onde já se viu no Brasil um lugar que, por si só, já é uma grande obra da arquitetura do século 20 e que, ainda por cima, apresenta um acervo com obras brasileiras e internacionais tão características da produção atual? São Paulo quando quer – e as políticas culturais dão certo –, pode ser uma mãezona. Como não vibrar quando, ao percorrer todas aquelas galerias repletas de obras de arte, encontrar a exposição dedicada à obra de Eleonore Koch, em cartaz até julho deste ano?

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Uma das questões que mais me mobilizam no trabalho de Koch é a estratégia usada pela artista para traduzir para a pintura aspectos da realidade onde ela estava mergulhada. Na verdade, o que sempre me interessou na sua obra não foi propriamente essa tradução, mas como a artista a produzia. Seguindo o fio proposto pela curadora, chego à seguinte conclusão: por estar em cena nos espaços que recria, Koch encena, com suas obras, a própria pintura; nesse sentido, ela não representa o real na pintura, mas, a seu modo, performa a própria pintura. E isso em cada uma de suas telas. E é isso que a torna tão próxima, e tão diferente, dos dois artistas que tomou como parâmetro quando ainda estava amadurecendo seu trabalho.

Grandiosa e, ao mesmo tempo, repleta de silêncio, essa retrospectiva. Durante a visita, me perguntei se a personalidade determinada de Koch talvez não buscasse esconder sua perplexidade perante o mundo ou o seu medo.

Koch sempre pintou a pintura e, nessa performance, explorava e renovava o eterno problema dessa linguagem na modernidade. Problema inaugurado sobretudo por Paul Gauguin (será que Eleonore gostava de Gauguin?): o embate entre figura e fundo e entre eles e o olhar do espectador. Toda a obra de Koch não discute ou representa esta questão, ela é esse embate. Em suas telas, a artista elabora e reelabora esse drama que define a pintura, a partir de uma objetividade de matriz melancólica que, no limite, parece não acreditar muito no mundo, mas muitíssimo na própria pintura.

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Na mostra são, ao todo, mais de 90 pinturas, fora os inúmeros desenhos e fotografias que serviram de base para os trabalhos da artista. Obras do MAC USP, mas também de outros museus e coleções particulares estão ali reunidas não propriamente, ou não apenas, para celebrar a excelência de Eleonore Koch, mas para oferecer ao público a possibilidade de, a partir da visita à mostra, refletir sobre o próprio devir da pintura, uma vez que uma profissional tão sensível como Koch, dava sinais evidentes de (pensar) e performar a linguagem pictórica, não como expressão, mas como método.

 

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