Page 20 - artebrasileiros-66
P. 20
GUERRA CULTURAL HISTÓRIA
contra os quais lutamos. Deve-se admitir que eles se situam mais perto da Natureza do
que a nossa resistência, para a qual também é necessário encontrar uma explicação.
Talvez ao senhor possa parecer serem nossas teorias uma espécie de mitologia
e, no presente caso, mitologia nada agradável. Todas as ciências, porém, não
chegam, afinal, a uma espécie de mitologia como esta? Não se pode dizer o mesmo,
atualmente, a respeito da sua física? Para nosso propósito imediato, portanto, isto é
tudo o que resulta daquilo que ficou dito: de nada vale tentar eliminar as inclinações
agressivas dos homens.
Segundo se nos conta, em determinadas regiões privilegiadas da Terra, onde a
natureza provê em abundância tudo o que é necessário ao homem, existem povos
cuja vida transcorre em meio à tranqüilidade, povos que não conhecem nem a coerção
nem a agressão. Dificilmente posso acreditar nisso, e me agradaria saber mais a
respeito de coisas tão afortunadas. Também os bolchevistas esperam ser capazes
de fazer a agressividade humana desaparecer mediante a garantia de satisfação
de todas as necessidades materiais e o estabelecimento da igualdade, em outros
aspectos, entre todos os membros da comunidade. Isto, na minha opinião, é uma
ilusão. Eles próprios, hoje em dia, estão armados da maneira mais cautelosa, e o
método não menos importante que empregam para manter juntos os seus adeptos
é o ódio contra qualquer pessoa além das suas fronteiras.
Em todo caso, como o senhor mesmo observou, não há maneira de eliminar
totalmente os impulsos agressivos do homem; pode-se tentar desviá-los num grau
tal que não necessitem encontrar expressão na guerra.
Nossa teoria mitológica dos instintos facilita-nos encontrar a fórmula para
métodos indiretos de combater a guerra. Se o desejo de aderir à guerra é um efeito
do instinto destrutivo, a recomendação mais evidente será contrapor-lhe o seu
antagonista, Eros. Tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos emocionais
entre os homens deve atuar contra a guerra. Esses vínculos podem ser de dois tipos.
Em primeiro lugar, podem ser relações semelhantes àquelas relativas a um
objeto amado, embora não tenham uma finalidade sexual. A psicanálise não tem
motivo porque se envergonhar se nesse ponto fala de amor, pois a própria religião
emprega as mesmas palavras: ‘Ama a teu próximo como a ti mesmo.’ Isto, todavia,
é mais facilmente dito do que praticado.
O segundo vínculo emocional é o que utiliza a identificação. Tudo o que leva
os homens a compartilhar de interesses importantes produz essa comunhão de
sentimento, essas identificações. E a estrutura da sociedade humana se baseia
nelas, em grande escala.
Uma queixa que o senhor formulou acerca do abuso de autoridade leva-me a
uma outra sugestão para o combate indireto à propensão à guerra. Um exemplo
da desigualdade inata e irremovível dos homens é sua tendência a se classificarem
em dois tipos, o dos líderes e o dos seguidores. Esses últimos constituem a vasta
maioria; têm necessidade de uma autoridade que tome decisões por eles e à qual,
na sua maioria devotam uma submissão ilimitada. Isto sugere que se deva dar mais
atenção, do que até hoje se tem dado, à educação da camada superior dos homens
20