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GUERRA CULTURAL HISTÓRIA



                                  dotados de mentalidade independente, não suscetível de intimidação e desejosa de
                                  manter-se fiel à verdade, cuja preocupação seja a de dirigir as massas dependentes.

                                    É desnecessário dizer que as usurpações cometidas pelo poder executivo do Estado
                                  e a proibição estabelecida pela Igreja contra a liberdade de pensamento não são nada
                                  favoráveis à formação de uma classe desse tipo. A situação ideal, naturalmente, seria
                                  a comunidade humana que tivesse subordinado sua vida instintual ao domínio da
                                  razão. Nada mais poderia unir os homens de forma tão completa e firme, ainda que
                                  entre eles não houvesse vínculos emocionais. No entanto, com toda a probabilidade
                                  isto é uma expectativa utópica. Não há dúvida de que os outros métodos indiretos de
                                  evitar a guerra são mais exeqüíveis, embora não prometam êxito imediato. Vale lembrar
                                  aquela imagem inquietante do moinho que mói tão devagar, que as pessoas podem
                                  morrer de fome antes de ele poder fornecer sua farinha.


                                    O resultado, como o senhor vê, não é muito frutífero quando um teórico desinteressado
                                  é chamado a opinar sobre um problema prático urgente. É melhor a pessoa, em qualquer
                                  caso especial, dedicar-se a enfrentar o perigo com todos os meios à mão.

                                    Eu gostaria, porém, de discutir mais uma questão que o senhor não menciona
                                  em sua carta, a qual me interessa em especial. Por que o senhor, eu e tantas outras
                                  pessoas nos revoltamos tão violentamente contra a guerra? Por que não a aceitamos
                                  como mais uma das muitas calamidades da vida? Afinal, parece ser coisa muito natural,
                                  parece ter uma base biológica e ser dificilmente evitável na prática.


                                    Não há motivo para se surpreender com o fato de eu levantar essa questão. Para
                                  o propósito de uma investigação como esta, poder-se-ia, talvez, permitir-se usar uma
                                  máscara de suposto alheamento. A resposta à minha pergunta será a de que reagimos
                                  à guerra dessa maneira, porque toda pessoa tem o direito à sua própria vida, porque
                                  a guerra põe um término a vidas plenas de esperanças, porque conduz os homens
                                  individualmente a situações humilhantes, porque os compele, contra a sua vontade, a
                                  matar outros homens e porque destrói objetos materiais preciosos, produzidos pelo
                                  trabalho da humanidade.


                                    Outras razões mais poderiam ser apresentadas, como a de que, na sua forma atual,
                                  a guerra já não é mais uma oportunidade de atingir os velhos ideais de heroísmo, e a
                                  de que, devido ao aperfeiçoamento dos instrumentos de destruição, uma guerra futura
                                  poderia envolver o extermínio de um dos antagonistas ou, quem sabe, de ambos. Tudo
                                  isso é verdadeiro, e tão incontestavelmente verdadeiro, que não se pode senão sentir
                                  perplexidade ante o fato de a guerra ainda não ter sido unanimemente repudiada.

                                    Sem dúvida, é possível o debate em torno de alguns desses pontos. Pode-se indagar
                                  se uma comunidade não deveria ter o direito de dispor da vida dos indivíduos; nem toda
                                  guerra é passível de condenação em igual medida; de vez que existem países e nações
                                  que estão preparados para a destruição impiedosa de outros, esses outros devem ser
                                  armados para a guerra. Mas não me deterei em nenhum desses aspectos; não constituem
                                  aquilo que o senhor deseja examinar comigo, e tenho em mente algo diverso.

                                    Penso que a principal razão por que nos rebelamos contra a guerra é que não
                                  podemos fazer outra coisa. Somos pacifistas porque somos obrigados a sê-lo, por
                                  motivos orgânicos, básicos. E sendo assim, temos dificuldade em encontrar argumentos

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