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GUERRA CULTURAL DIGITAL
GUERRAS CULTURAIS
CRESCEM NAS REDES
SOCIAIS
Por que ataques a instituições culturais e obras de
arte são usadas como instrumentos da direita, a
partir de algoritmos que valorizam discursos de ódio
por fabio cypriano
em janeiro passado, uma vereadora do pl de For- síntese, trata-se de uma cruzada que visa evitar toda
taleza gravou um vídeo, que rapidamente viralizou, forma de autonomia dos cidadãos e cidadãs para que
atacando a Pinacoteca do Ceará por exibir supostas se sujeitem ao sistema neoliberal sem questionamento
obras contra a moral cristã e a adequada formação e usando a sensação do pânico como método – uma
das crianças. Sem explicar que tais trabalhos estão estratégia de apelo emocional, portanto difícil de ser
em áreas com sinalização específica sobre a clas- contraposta com argumentos racionais.
sificação etária indicativa, seguindo parâmetros de No Brasil, Olavo de Carvalho (1947-2022) foi um
regras federais, a parlamentar do Partido Liberal, cujo dos grandes porta-vozes dessas guerras, chegando a
presidente esteve recentemente preso envolvido nos influenciar milhares de pessoas e até mesmo a indicar
atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, acusou o pt, ministros de Estado no início do governo Bolsonaro.
responsável pelo governo do Ceará e, consequente- Trata-se, como afirma Hunter, da disputa pelo presen-
mente pela gestão da Pinacoteca, usando uma típica te e o futuro: “Em última análise, a batalha por esse
retórica de ódio, para usar uma pauta de costumes território simbólico revela um conflito sobre visões de
de forma eleitoreira. Afinal, apesar da exposição com mundo – sobre quais padrões nossas comunidades e
tais obras estar aberta há mais de um ano, a vereadora nossa nação viverão; sobre o que consideramos ser
causa a controvérsia no início de 2024, quando há ‘de valor duradouro’ em nossas comunidades; sobre o
eleições municipais no país. Coincidência? que consideramos uma representação justa de nossos
Essas ações são uma espécie de reflexo tardio do tempos, e assim por diante”.
que o sociólogo norte-americano James Davison Hun- As guerras culturais, contudo, são uma explícita
ter diagnosticou no livro Culture Wars: the Struggle to estratégia de movimentos conservadores que perde-
define America, publicado em 1991 e sem tradução no ram o controle da narrativa no campo da cultura e da
Brasil. Apropriando-se da expressão alemã Kulturkampf arte, no qual ideias libertárias e progressistas passa-
(guerra cultural), conceito usado pela campanha contra ram a dominar os debates, especialmente a partir dos
a influência da igreja católica realizada pelo chanceler movimentos de contracultura dos anos 1960/70. Como
Otto von Bismarck, entre 1871 e 1878, Hunter observou tais valores estão intrinsicamente associados aos par-
como seu país se polarizava em manifestações contra tidos de esquerda, foi necessário que conservadores
o aborto, contra a arte e contra o feminismo, para citar buscassem estratégias para questionar esse campo
algumas. Mais recentemente, jornadas difamando pro- e, então, junta-se em um mesmo pacote os avanços
cessos eleitorais e contra vacinas podem ser observadas sobre questões identitárias, a pedagogia do oprimido
também no contexto de guerras culturais. de Paulo Freire, a arte contemporânea, vacinas e o
Mais do que uma simples oposição entre propostas aborto, para citar os principais focos dessas guerras.
conservadoras ou progressistas, os agentes dessa Contudo, o objetivo efetivo, mesmo que baseado na
guerra se utilizam de lógicas que rechaçam a ciência e pauta dos costumes, é simplesmente buscar descons-
mesmo o bom senso, caracterizando-se por denunciar truir o charme das propostas libertárias da esquerda
perigos inexistentes a partir de informações falsas. Em através do medo: “Eles vão destruir nossas famílias”.
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