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GUERRA CULTURAL HISTÓRIA
o vencido. Foi este o início da idéia de poupar a vida de um inimigo, mas a partir daí
o vencedor teve de contar com a oculta sede de vingança do adversário vencido e
sacrificou uma parte de sua própria segurança.
Esta foi, por conseguinte, a situação inicial dos fatos: a dominação por parte
de qualquer um que tivesse poder maior que a dominação pela violência bruta ou
pela violência apoiada no intelecto. Como sabemos, esse regime foi modificado no
transcurso da evolução. Havia um caminho que se estendia da violência ao direito
ou à lei.
Que caminho era este? Penso ter sido apenas um: o caminho que levava ao
reconhecimento do fato de que à força superior de um único indivíduo, podia-se
contrapor a união de diversos indivíduos fracos: a união faz a força. A violência podia
ser derrotada pela união, e o poder daqueles que se uniam representa, agora, a lei,
em contraposição à violência do indivíduo só. Vemos, assim, que a lei é a força de
uma comunidade.
Todavia, ela é ainda violência, pronta a se voltar contra qualquer indivíduo que se
lhe oponha. Ela funciona pelos mesmos métodos e persegue os mesmos objetivos. A
única diferença real reside no fato de que aquilo que prevalece não é mais a violência
de um indivíduo, mas a violência da comunidade.
A fim de que a transição da violência a esse novo direito ou justiça pudesse ser
efetuada, contudo, uma condição psicológica teve de ser preenchida. A união da
maioria devia ser estável e duradoura. Se apenas fosse posta em prática com o
propósito de combater um indivíduo isolado e dominante, e fosse dissolvida depois
da derrota deste, nada se teria realizado.
A pessoa, a seguir, que se julgasse superior em força, haveria de mais uma vez
tentar estabelecer o domínio através da violência, e o jogo se repetiria ad infinitum. A
comunidade deve manter-se permanentemente, deve organizar-se, deve estabelecer
regulamentos para antecipar-se ao risco de rebelião e deve instituir autoridades
para fazer com que esses regulamentos, que as leis sejam respeitadas, e para
superintender a execução dos atos legais de violência.
O reconhecimento de uma entidade de interesses como estes levou ao surgimento
de vínculos emocionais entre os membros de um grupo de pessoas unidas por
sentimentos comuns, que são a verdadeira fonte de sua força. Acredito que, com
isso, já tenhamos todos os elementos essenciais: a violência suplantada pela
transferência do poder a uma unidade maior, que se mantém unida por laços
emocionais entre os seus membros. O que resta dizer não é senão uma ampliação
e uma repetição desse fato.
A situação é simples enquanto a comunidade consiste em apenas poucos
indivíduos igualmente fortes. As leis de uma tal associação irão determinar o grau
em que, se a segurança da vida comunal deve ser garantida, cada indivíduo deve
abrir mão de sua liberdade pessoal de utilizar a sua força para fins violentos.
Um estado de equilíbrio dessa espécie, porém, só é concebível teoricamente.
Na realidade, a situação complica-se pelo fato de que, desde os seus primórdios,
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