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LIVRO RAPHAEL GALVEZ



 de seu contato mais próximo com   interessada em trazer, para o   ao propor aos jovens    livro, ao retirar alguns trechos
 o artista francês.  campo da arte moderna, uma   estudantes uma outra maneira    dos originais de Galvez,
 A partir do relato de Galvez fica   brasilidade “primitiva”, estática e   de pensar e reagir à arte de seu   impossibilitou o leitor de entrar
 esclarecido que a pintura de Tarsila,   em muitos casos onírica, Tarsila,   tempo, ela se mostrava totalmente   em contato com as considerações
 com aquele tratamento “anônimo”,   nas palavras de Galvez,   conectada com os anseios    que ele teria produzido sobre
 pelo seu interesse pela   demonstra-se comprometida com   da Semana de Arte Moderna    a Semana e seus participantes .
                                                                                                       17
 invisibilidade dos toques de pincel   uma recepção estética atrelada à   de 1922, embora dela não    Finalizo mais uma vez
 etc., atestava seu compromisso   velocidade da vida moderna. Sem   tivesse participado.  parabenizando a todos os
 com uma visualidade   dúvida, uma análise mais                              envolvidos pelo lançamento tão
 comprometida com a velocidade   aprofundada de tal paradoxo pode   Por todas as questões aqui   importante e esperando que,
 como indutora de uma nova   trazer outro grau de compreensão   levantadas é que Raphael Galvez:   numa segunda edição dessa
 sensibilidade, o que definia para   sobre a obra da artista.  Autobiografia se posiciona, como   Autobiografia, tenhamos o prazer
 ela e para seu mentor Léger,    Tarsila, uma das principais   um dos principais livros sobre arte   de entrar em contado com todo
 a própria noção de moderno .   pintoras latino-americanas,    no Brasil lançado neste ano em   o texto de Galvez, para melhor
 16
 O leitor não terá dificuldade em   surge no texto memorialístico    que se comemora o centenário da   entender a recepção que um
 perceber o quanto aquela   de Raphael Galvez como um    Semana de Arte Moderna de 1922.   evento tão importante quanto a
 lembrança de Galvez poderá trazer   vento forte a abalar as estruturas   E é justamente por esse fato tão   Semana de Arte Moderna de 1922
 de novas considerações sobre   da arte paulistana da época.    notável que não poderia finalizar   teve para um artista tão próximo –
 Tarsila e sua obra. Vista pela   Pode não ter alcançado    esses comentários sem lamentar   e ao mesmo tempo, tão distante –
 Tarsila do Amaral, Cartão-Postal, 1929
 historiografia como uma pintora   o sucesso desejável, mas,    o fato de que a organização do   de seus protagonistas.

 ter citado o episódio para   Brasil – a fala da pintora sobre
 sutilmente sublinhar sua influência   como seu trabalho deveria ser   [1]     Segundo alguns colegas do Comitê   gritam-sao-paulo-nos-90-anos-  loba capitolina e a anta. São Paulo:   [12]     2020. (Ver nota 5).
              Brasileiro de História da Arte, são
                                      do-plano-de-avenidas-de-
                                                              ARS, v. 20, n. 45, 2022. Especial

 sobre o mestre. E isso porque,   vivenciado pelo público. E, como   conhecidos apenas mais dois ou   prestes-maia) e O Monumento às   Modernidade Brasileira.   [13]       GALVEZ, Raphael. Op. cit. p. 125.
                                                                                       Sobre essas pesquisas de Nicola
 segundo o autor, o estudante    corolário, temos também a forma   três artistas locais que publicaram   Bandeiras, de Victor Brecheret: o   [9]       Sobre as polêmicas que   Rollo, consultar: KUNIGK, Maria
              suas  autobiografias.  Aqui  está
                                      passado presente (artebrasileiros.
 que fez a placa só não foi    como Galvez, então um artista em   um trabalho de levantamento   com.br/opiniao/conversa-de-barr/  envolveram a concepção da     Cecilia. Op. cit.
                                                              primeira maquete do Monumento
 expulso porque ele, Galvez,    formação, recebeu aquela   importante a ser feito.  monumento-as-bandeiras-de-  às Bandeiras, de Victor Brecheret,   [14]     Em tradução livre: “quartinho do
                                                                                       moto-contínuo”.
                                      brecheret-o-passado-presente).

 teria conseguido aplacar    orientação sobre como apreciar   [2]     GALVEZ, Raphael. Raphael Galvez:   [6]       Sobre Nicola Rollo, consultar:   consultar, entre outros: BATISTA,   [15]       A saber, Carlos Gonçalves,
              autobiografia. São Paulo: Editora
                                                              Marta R. Bandeiras de Brecheret.
 a ira de Rollo, que decidiu    uma obra de arte moderna. É   WMF Martins Fontes, 2022.  KUNIGK, Maria Cecília Martins.   História de um Monumento (1920-  Ado Malagoli e Adriano Danti.
 não punir o aluno.  interessante refletir sobre a atitude   [3]       “O Modernismo de Raphael Galvez   Nicola Rollo (1889-1970).  Um   1953). São Paulo: Departamento   [16]       GALVEZ, Raphael. Op. cit. p. 162.
                                      escultor na modernidade
                                                              do Patrimônio Histórico de São
              no lado de dentro da vida”, de José
 de Galvez naquela ocasião; imerso   de Souza Martins. IN GALVEZ,   brasileira. São Paulo: Dissertação   Paulo, 1985. (em tempo: o livro   Sobre a “presença” de Léger na
                                                                                       obra de Tarsila, consultar: Tadeu
 Se o que Raphael Galvez escreveu   que estava em um tipo de ensino     Raphael, op. cit. p. 14.  de Mestrado. Depto. de A.   não faz referência ao projeto de   Chiarelli, A caipirinha e o francês:
                                                              Nicola Rollo).
                                      Plásticas. ECA. Universidade de
 sobre esse ainda virtualmente   de arte tradicional, o jovem se   [4]       IDEM, p.19.  São Paulo, 2001.  [10]       Em sua pesquisa sobre o   Tarsila do Amaral e a devoração
                                                                                       da modernidade via Léger.
            [5]
 desconhecido Rollo traz mais uma   esforça para entender e respeitar   Desde 2019 publiquei na coluna   [7]       Raphael Galvez contextualiza a   Monumento às Bandeiras, de   Conversa de Bar(r). 19.03.2020.
              Conversa de Bar(r) os seguintes
 justificativa para a leitura de suas   as proposições daquela artista tão   artigos sobre o Monumento às   prática de Ramos de Azevedo,   Victor  Brecheret, a  estudiosa   https://artebrasileiros.com.br/
                                                               Eliane Pinheiro encontrou, no
                                      ao ceder salas para ateliês nos
                                                                                       opiniao/conversa-de-barr/a-
 memórias, não tenho dúvidas de   distante da realidade comezinha   Bandeiras, de Victor Brecheret, e   edifícios  que  produzia:  “[...]   Arquivo da Pinacoteca de São   caipirinha-e-o-frances-tarsila-
              os debates sobre a necessidade
 que as considerações sobre seu   das aulas do Liceu.  de construção de monumentos   Além da nobre missão de dar   Paulo,  um  documento  datado   do-amaral-e-a-devoracao-da-
                                                                                       modernidade-via-fernand-leger/
                                                               de 22 de abril de 1933, assinado
                                      um ofício ou uma arte ao jovem
 contato com a muito estudada   Não transcrevei nenhuma linha   que homenageassem paulistas   para que ele tenha um bom futuro   pelo então diretor da Repartição   [17]       Segundo José Armando P. da
              ilustres:
 Tarsila do Amaral também   sobre esse encontro entre os dois         O doutor e os monumentos   assegurado, o Dr. Ramos sempre   de Águas e Esgotos de São Paulo.   Silva escreve: “Dois tópicos foram
                                      teve também a nobreza de admirar
                                                               A carta, endereçada ao diretor
 reforçam a importância de sua   artistas, para não retirar do leitor    (artebrasileiros.com.br/opiniao/  os artistas, tanto nacionais como   da Pinacoteca, sugere que “um   excluídos. Um sobre a Segunda
                                                                                       Guerra, que se detém em detalhes
              o-doutor-e-os-monumentos), O
 Autobiografia ser lida e apreciada.    o desejo de querer acessar   pantheon dos imortais de São   estrangeiros, amparando-os no   modelo de gesso, vendido ao   pouco relevantes. Outro sobre
                                                               Estado pelo escultor Rollo”,
                                      seu recinto de trabalho, isto é,
 Galvez relata seu encontro com   diretamente o texto, tão   Paulo: delírio tropical no Pátio do   nas suas obras em andamento,   guardada  na  Repartição, na   a Semana de Arte Moderna,
                                                                                       mais opinativo e seguramente
              Colégio (artebrasileiros.com.br/
 Tarsila durante a primeira individual   significativo. Só não me contenho   arte/o-pantheon-dos-imortais-  dando a esses artistas um local   esquina da Avenida D. Pedro I   resultado de um momento
                                                               com a Avenida do Estado, fosse
                                      para instalar os seus ateliês de
 da artista em São Paulo, à rua   em atentar para o fato de que,    de-sao-paulo-delirio-tropical-no-  trabalho. O local mais próprio para   transferida para a Pinacoteca, que   idiossincrático, que contraria
                                                                                       os vínculos, manifestados em
              patio-do-colegio), Bandeirantes
 Barão de Itapetinga, em 1929.   na troca de ideias entre a pintora    FOTOS: COLEÇÃO PARTICULAR, RIO DE JANEIRO  em movimento: entre disputas   esse fim foi a obra do Palácio das   teria melhores condições para   outro capítulo, com artistas
 Jovem estudante do Liceu, Galvez   e aqueles então jovens artistas,   e conciliação (artebrasileiros.  Indústrias, por ser muito ampla   mantê-la. Não foi encontrada   participantes da Semana: Anita
                                                               resposta a essa carta.
                                      e mais acessível à instalação de
                                                                                       Malfatti, Brecheret, Di Cavalcanti
              com.br/opiniao/bandeirantes-
 e mais três colegas  foram visitar a   evidencia-se o quanto Tarsila ainda   em-movimento-entre-disputas-  ateliês”. IN GALVEZ, R. op. cit.   [11]       Para mais dados sobre o assunto   e Tarsila. Outros poucos cortes
 15
 mostra que marcaria a história da   estava ligada à estética    e-conciliacao), Onde os grafites   [8]       p. 168.  consultar a coluna Conversa   incidiram sobre digressões
                                                                                       e repetições dispensáveis à
                                                               de Bar(r)  Bandeirantes em
                                      Sobre o assunto ler. CHIARELLI,
              gritam: São Paulo nos 90 anos do
 arte no país. O que ele narra traz –   de Fernand Léger, apesar de    Plano de Avenidas (artebrasileiros.  Tadeu. Menotti Del Picchia e o   movimento: entre disputas e   narração”. GALVEZ, Raphael.
 a meu ver, pela primeira vez no   já ter se passado alguns anos    Tarsila do Amaral, nos anos 1920  com.br/opiniao/onde-os-grafites-  Monumento às Bandeiras: entre a   conciliações, de  09 de junho de   Op. cit. p. 8.
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