Page 17 - ARTE!Brasileiros #60
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existiu, logo nunca existirá. É só um nome que damos
a certos regimes políticos não autocráticos. O Brasil
dos anos 2013-2020 tem sido descrito como um país em
democracia regressiva, ou seja, marcado pela precari-
zação do funcionamento institucional, retração do uso
livre da palavra e violação de direitos humanos”. Nesse
sentido, Dunker agrega à experiência da democracia
uma constante tarefa de “recordar, repetir e elaborar”,
mas não só, para ele é preciso ainda reparar.
“Então se a gente quer pensar um Brasil capaz de
se reparar e reinventar, num sentido não só de per-
doar, transpor, mas de compartilhar algo, é preciso
olhar para o abismo e enxergar nele mais do que mera Ligia Fonseca Ferreira
negatividade, mais do que mero hiato intransponível,
mas enxergar nesse abismo um comum por vir, que
pode nos aproximar”, declara o psicanalista. Para ele,
“há artistas, como Anselm Kiefer, Alfredo Jaar, Naza- a farsa e a ComuniDaDe
reth Pacheco e Itamar Vieira Júnior que se dedicaram Foi explorando um desses esforços de reparação e
especificamente ao trabalho de luto e reparação, assim compromisso com o futuro que Ligia Fonseca Ferreira,
como há testemunhas éticas de desastres inomináveis, professora associada do Departamento de Letras da
como Sojourner Truth, Primo Levi ou a compilação de UnifESP e doutora pela Universidade de Paris 3 – Sor-
sonhos feita por Charlotte Bernhardt, mas sua men- bonne, iniciou as reflexões do segundo e último dia do
sagem torna-se realmente um compromisso com o Vii Seminário Internacional arte!brasileiros, mais espe-
futuro quando nos implica uma espécie de trato entre cificamente a exposição O Modelo Negro de Géricault
viventes, morrentes e seres vindouros”. a Matisse, que aconteceu no Museu d’Orsay em 2019.
A mostra contou com obras feitas desde a abolição da
escravatura na França (1794) até os dias modernos e,
de acordo com o Museu d’Orsay, foi concebida para
“fornecer uma perspectiva de longo prazo” e “centra-
-se sobretudo na questão dos modelos e no diálogo
entre o artista que pinta, esculpe, grava ou fotografa
e o modelo que posa. Explora notavelmente o modo
como evoluiu a representação de sujeitos negros em
grandes obras de Théodore Géricault, Charles Cor-
dier, Jean-Baptiste Carpeaux, Edouard Manet, Paul
Cézanne e Henri Matisse, bem como as fotografias
de Nadar e Carjat”.
Com curadoria de Cécile Debray, Stéphane Guégan,
Denise Murrell e Isolde Pludermacher, a exposição,
“além da sua beleza proposta, pôs em destaque o
FOTOS: COIL LOPES | CORTESIA BAZAR DO TEMPO e negros na arte ocidental”, afirma Ferreira. Entre
valor e o papel determinante das pesquisas acerca
da representação e da representatividade de negras
tais pesquisas está a própria tese de doutorado de
Denise Murrell, intitulada Seeing Laure: Race and
Modernity From Manet’s Olympia to Matisse, Bearden
and Beyond e defendida em 2013 na Universidade de
Columbia, nos EUA.
Em um caso objetivo de reparação, a professora
Uma Africana no Louvre: O Lugar do Modelo, de Anne
ressalta que alguns dos modelos foram identificados
Lafont, a ser publicado pela editora Bazar do Tempo
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