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VII SEMINÁRIO DEMOCRACIA E REPARAÇÃO
existe escuta?.” Em contraponto a esse cenário, ela
traz a perspectiva guarani: “A política se desenvolve
a partir do encontro, da escuta e do entendimento do
outro. Nós temos as nossas desavenças, dificuldades
e desafios, mas não tentamos apagar o outro por conta
dessa diferença”.
Benites costura, então, essa falta de escuta ao cená-
rio artístico, a partir de sua experiência pessoal. No
dia 17 de maio, após o Masp decretar a suspensão de
um dos núcleos da coletiva Histórias Brasileiras, por
conta da declarada impossibilidade de exibir uma série
de fotos sobre o Movimento Sem Terra (mST), Benites
pediu demissão do museu, onde até então era curadora
adjunta. O núcleo, intitulado Retomadas, foi curado por
ela e Clarissa Diniz, e após uma série de manifestações
de ambas e de outras figuras do mundo artístico, a
decisão do Masp foi revogada e o núcleo, reintegrado.
“A partir do momento em que a gente ocupa um
espaço com diferentes corpos, a gente soma, a gente
amplia. Mas essas ampliações requerem muito escuta”,
afirma Benites. “Quando decidi sair, acho que o meu
silenciamento foi também minha resistência. Esse lugar
onde não posso somar, não posso ficar.” Com esse
exemplo, a curadora mergulha nas ideias de democracia
e reparação, o que nos mostra que apenas o convite Leda Catunda, O Abismo, 1990
aos espaços e cargos, sem uma real escuta e abertura
para a cultura do outro, não adianta, não leva a uma
legítima ocupação por corpos diferentes, mas a uma momento, mas também pode se contrair. Para ele, são
tentativa de moldá-los ao sistema. “Muitas das vezes nesses momentos em que percebemos que a democra-
a gente não cabe nesses espaços.” cia não é de graça, “episódios de ruptura que, de certa
O psicanalista, autor e professor titular do Instituto forma, representam todo o processo pela negação do
de Psicologia da USP, Christian Dunker, deu seguimento processo” e nos quais surge a imagem do abismo. “A
a essa fala de Benites quando expressou que a demo- alegoria do abismo, ou do precipício, surge espontanea-
cracia pode se estender em razão de incluir aqueles mente quando pensamos na história da democracia no
que estavam excluídos por ela em um determinado Brasil, como um índice da desigualdade, da diferença,
da intransponibilidade entre raças, classes, gêneros,
fruto de uma colonização marcada por uma relação em
abismo, em que a passagem de um lado para o outro
se encontra interditada”, propõe Dunker. FOTOS: RÔMULO FIALDINI / CORTESIA DE LEDA CATUNDA | ANDERSON RODRIGUES / CORTESIA SESC VILA MARIANA
Mas, afinal, do que falamos quando falamos de
democracia? Em artigo publicado na edição 58 da
arte!brasileiros, o psicanalista expande a questão:
“Alguns dirão que a ideia de democracia originada na
antiguidade realizou-se em instituições da moderni-
dade. Outros argumentarão que esta é uma realização
incompleta, pois a democracia permanece como ideal,
ou seja, a ideia de uma comunidade por vir, capaz de
ser-para-todos e a todos incluir. Outros ainda conside-
ram que a aplicação da ideia de democracia a pessoas
Christian Dunker e ideias é uma falsificação do termo. Democracia nunca
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