Page 15 - ARTE!Brasileiros #60
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Xadalu Tupã Jekupé, obra da exposição Invasão Colonial ‘Yvy Opata’ - A Terra Vai Acabar, no Museu das Culturas Indígenas
trouxe à mesa O Abismo e a Costura mais do que sua A curadora se refere aos crimes ocorridos com as
experiência individual. Como mulher indígena guarani comunidades guaranis, mas a isso podemos somar
nhandewa, partilhou sua caminhada coletiva: “O que o fato de que os assassinatos de pessoas indígenas
carrego com maior força é a minha coletividade, onde aumentaram mais de 60% no primeiro ano da pandemia,
está a minha sabedoria ancestral. Se não escutasse segundo o relatório do Conselho Indigenista Missio-
essas memórias dos nossos antepassados, não estaria nário (Cimi). Entre os dias 3 e 13 de setembro de 2022,
FOTOS: COIL LOPES | MAURÍCIO BURIM / CORTESIA MUSEU DAS CULTURAS INDÍGENAS
aqui hoje falando sobre a minha resistência”. logo antes do Seminário Internacional, ocorreram seis
Trazer essas memórias passa também por um histórico assassinatos entre os povos guajajara, guarani-kaiowá
de silenciamento iniciado na colonização brasileira e ainda e pataxó. Em abril de 2022, o Presidente do Conselho
hoje presente. Segundo o iBGE, existem atualmente no Distrital de Saúde Indígena Yanomami, Júnior Hekurari,
Brasil 305 etnias indígenas e cerca de 274 idiomas. Como denunciou que a Terra Indígena Aracaçá, em Roraima,
coloca Benites, porém, esse número já foi maior. “Muitos foi totalmente incendiada, após a acusação de um
perderam as suas palavras faladas, a língua materna. Hoje estupro e assassinato de uma menina indígena de 12
algumas estão sendo retomadas depois de vários proces- anos por garimpeiros. Em 2021, 32 líderes indígenas
sos que proibiram pessoas indígenas de falarem as suas e quatro servidores públicos que trabalham com as
próprias línguas, porque elas não eram tão importantes comunidades receberam ameaças de morte, segundo
para aquele sistema que foi imposto.” A invisibilização vai um relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
além do caráter linguístico: “Hoje, nós [indígenas] somos “Aí eu pergunto: onde está a democracia? Onde está
chamados de invasores, e isso é muito revoltante. Meus a reparação?”, indaga Benites. Para a curadora, a fim
parentes foram massacrados, literalmente, porque o gover- de se discutir a temática central do seminário — cultu-
no atual fala que nós somos invasores. Parentes foram ra, democracia e reparação — é preciso compreender
assassinados, lideranças foram assassinadas, crianças como lidamos com a “fronteira” que existe entre o eu e
foram assassinadas. Isso não foi divulgado”, declara Benites. o outro. “Como a gente vai discutir democracia se não
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