Page 67 - ARTE!Brasileiros #56
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À esquerda, Sem Título, 1935, de John Graz, grafite e guache naquele momento quanto na historiografia que vem
sobre papel; abaixo, mobiliário de sala de estar, por John Graz
posteriormente há uma tendência de diminuir o aspecto
experimental e transformador do Art Déco, sem per-
ceber o caráter de ruptura e de experimentação que
essa escola apresentava naquele contexto histórico”.
O fato de olhar para as matrizes europeias do Art
Déco e da Bauhaus não impediram Graz de adentrar o
universo cultural brasileiro, pelo qual logo se encantou,
por mais que sua visão seja considerada por vezes idea-
lizada ou idílica. Se a exposição dos Gomide-Graz no
Mam-sp deu maior destaque à essa produção decorativa
dos três artistas, a mostra na Pinacoteca, que inclui 42
obras recém-doadas pelo Instituto John Graz ao museu,
põe em evidência uma série de desenhos e pinturas onde
Graz retrata indígenas, afrodescendentes e aspectos
da cultura popular brasileira - festas de Carnaval ou do
Bumba meu boi, pescadores em jangadas ou baianas
carregando frutas.
“É preciso entender que faz parte de um processo
mais amplo que dialoga com o que outros artistas
modernos também fizeram, de apropriação e de uma
relação distante, às vezes romantizada, com cultu-
ras afrodescendentes e indígenas do Brasil”, diz Pitta,
sobre este aparente paradoxo. “Não é uma limitação
somente do Graz. E temos que reconhecer que nesse
processo de valorização há também uma apropriação
e uma apagamento desses agentes.”
decorativas e industriais modernas, em 1925. De sua Com exposições, análises críticas e até mesmo o
dedicação a este universo resultou a abertura da loja redescobrimento de obras perdidas de Graz e dos irmãos
John Graz Decorações, em 1930, com a qual decorou Gomide, o que se celebra é a ampliação de um debate
casas projetadas por célebres arquitetos modernos que já poderia ter sido feito e que “refina e complexifica”,
como Warchavchik e Rino Levi. Mas é desta atuação, nas palavras Pitta, o entendimento sobre a arte moderna
também, que decorre certa rejeição ao seu nome - e no Brasil. Até porque, como afirma Milliet, “São Paulo
dos irmãos Gomide - no panteão dos grandes artistas é uma cidade que não guarda memória, é uma cidade
modernistas do país. voraz. Então muito daquilo que estava dentro das casas,
“Houve uma incompreensão da própria classe quando passou a moda do Art Déco, foi descartado
artística. O John Graz cria ambientes absolutamente pelas famílias. Além do que muitas dessas casas foram
modernos, mas isso cai na categoria ‘decoração’, não demolidas, e nelas haviam painéis em gesso, pinturas
é arte. Eles não entenderam a importância que teria e vitrais do Graz. Até por isso essa atuação do Adol-
essa união entre a criação intelectual e a indústria, a pho e da Fulvia Leirner é tão importante, de resgatar
produção de objetos para uso cotidiano. Ainda esta- isso. E com esse reconhecimento, muitas coisas tem
vam muito ligados aos gêneros tradicionais da arte: aparecido, por vezes de pessoas que relembram de
a pintura, a escultura, a gravura, o desenho”, afirma obras e mobiliário que eram de seus avós e estavam
Milliet. Fernanda Pitta segue a mesma linha: “Tanto perdidos por aí”.
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