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CRÍTICA 34ª BIENAL DE SÃO PAULO











            “BIENAL DA ESPERANÇA”


            ROMANTIZA CATÁSTROFES






                                    Faz escuro mas eu canto, no Parque Ibirapuera,
                                    traz conjuntos significativos e estetizantes
                                    de artistas brasileiros, mas deixa para o passado
                                    atividades de transgressão

                                    por fabio CYpriano






            Faz escuro mas eu canto, a 34ª   meritocracia: “Porque soube    bordados chega a ser perverso.
            Bienal de São Paulo é, sem dúvida,   transformar-se”. Ora, e todos    Nessa altura, é incontornável
            uma “Bienal da Esperança”, como   os demais tesouros que viraram    a questão de o que levou o time
            prometeu a direção da instituição.   pó porque não eram rochas?  de curadores, composto por
            Muitas são as obras que buscam     Assim, o que se percebe logo   Jacopo Crivelli Visconti (geral),
            apontar para um caráter de      de início é que se trata de uma   Paulo Miyada (adjunto) e os
            superação, de transformação     mostra sobre uma capacidade     convidados Carla Zaccagnini,
            pelo sofrimento, como em um     de resistência baseada mais em   Francesco Stocchi e Ruth Estévez
            dos primeiros conjuntos da mostra,  ações individualistas do que   a selecionarem exemplos de ações
            um display que exibe uma rocha   coletivas, em atos isolados    de resistência em tempos
            queimada junto com todo o edifício   do que comunitários.       longínquos, quando se está diante
            do Museu Nacional, em 2018,        Outros exemplos na mesma     da maior crise sanitária dos
            e que, por conta do calor, passou   linha são os instigantes retratos   últimos 100 anos, que abalou
            de ametista, uma variedade de   de Frederick Douglass (1818-1895),   a atividade artística de forma
            quartzo de cor violeta, para citrino,   abolicionista negro     catastrófica, combinada à crise
            de cor amarelada. “Continua     estadunidense, e principalmente   política sem precedentes no Brasil,
            sendo a mesma rocha porque      do “Almirante Negro”, líder da   que praticamente inviabilizou as
            soube transformar-se”,          Revolta da Chibata, João Candido   leis de apoio à cultura. Vive-se
            explica didaticamente           (1880-1969). Preso em 1910, na   a política da terra arrasada
            o texto próximo à vitrine.      masmorra da Ilha das Cobras, no   cultural, mas a bienal canta.
               Essa visão de uma resistência,   Rio de Janeiro, ele participa da   Praticamente não há referência
            que já está afinal no péssimo título   “Bienal da Esperança” com dois   ao presente, sendo que, prevista   FOTOS: LEVI FANAN/ BIENAL DE SÃO PAULO | HELIO CAMPOS MELLO
            da Bienal, um trecho do poema de   bordados lá realizados, enquanto   para ser realizada no ano passado,
            Thiago de Mello, de 1965, quando    16 companheiros de cela     a exposição agora em cartaz
            se associar o negro a algo negativo   morreram asfixiados. Solto    ignora as urgências de quem
            não era uma liberdade poética em   dois anos depois, foi expulso    resiste de fato. Talvez esteja na
            questão como se atenta hoje, acaba   da Marinha e teve uma vida    própria boa vontade em querer
            reforçando ao final uma visão de   de privações. Romantizar esses   dar algum tipo de esperança que

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