Page 103 - ARTE!Brasileiros #56
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À esq., voo 175 colide contra a torre sul do WTC em 11/09 de 2001; à dir., “Tributo em luzes” em Nova York, no 20° aniversário dos ataques









            lembra Boris Kossoy. A cada nova   fotografia e a elege como a única   contemporânea, vinculada
            visualidade ela se altera diante dos   e possível representação de um   à vida e à morte, analógica,
            nossos olhos permitindo sempre   fato. Sua repetição nos leva a crer   comparativa, convencional,
            novas e inúmeras interpretações.    que existe uma única forma de ver.   expressiva, comunicativa,
            A imagem-símbolo do atentado     Hoje julgamos e somos julgados   construtora, destrutiva,
            não afirma nem nega nada. É o    pelas imagens.                  benéfica e ameaçadora”.
            registro de um cenário montado.    Na efeméride, luzes tomaram      Sua recepção necessita de
            Alguns jornais na época chegaram   o lugar das Torres Gêmeas, mais   códigos de interpretação, códigos
            a afirmar que o tempo entre o    uma imagem dramática que nos    estes  que se alargam ou se
            choque dos aviões tinha sido     rememora a original indelével.   estreitam com o passar do tempo.
            inspirado pelos filmes de       Talvez agora seja o momento –    A imagem que se ressignifica por
            Hollywood: “Eis a imagem no      ou já tenha passado – de começar   conta de um olhar que só existe   ROBERT J. FISCH / WIKIMEDIA COMMONS | MICHAEL APPLETON / MAYORAL PHOTOGRAPHY OFFICE, DISPONÍVEL EM FOTOS PÚBLICAS
            banco dos réus”, relata Marie-José.  a decodificar as imagens,   porque um sujeito decidiu mirá-la.
            Uma forma de, como diz o senso   esquecendo a descrição          Como nos lembra Kossoy,
            comum, matarmos o mensageiro     iconográfica e atendendo mais    “ao longo de sua trajetória, a sua
            e não a causa do atentado.       à iconologia, o significado     significação muda, oscilando de
                Mas não podemos negar que,   não tão evidente da imagem.     significados de acordo com
            no mundo “ocidental”, séculos      Como nos lembra a             a ideologia de cada momento
            e séculos de idolatria nos levaram   pesquisadora de imagem      e a mentalidade de seus usuários”.
            a uma alienação visual. Aceitamos   francesa, Martine Joly (1943-   Passados 20 anos, a fotografia
            a imagem, não a questionamos.   2016), “uma imagem pode ser      que pretendia mudar a percepção
            Nos esquecemos de que não        tudo e seu contrário – visual e   do mundo continua lá, estática
            existem olhares inocentes, mas   imaterial, fabricada e natural,   e em silêncio. Só lembrada quando
            intencionalidades por trás       real e virtual, móvel e imóvel,   alguém a tira da gaveta e a
            de quem produz ou seleciona uma   sagrada e profana, antiga e    repropõe diante de nossos olhos.

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