Page 27 - ARTE!Brasileiros #54
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papel de repórter, entrevistador, do que de um curador  fez curadoria de uma exposição na vida e se proclama
            que está ali para debater. “Mas de certa forma isso já   curadora”. E ele segue: “Não vejo problema, mas não
            tem a ver com o meu trabalho de curador. Para mim o   sei se renderia para essas conversas do projeto.” Na
            exercício de curadoria é um exercício de pesquisa e   verdade, Fonseca inclusive constata que parece haver
            de escuta dos artistas. Claro que você também fala,  uma mudança importante para esta categoria profis-
            intervém, mas eu principalmente estou ali para aprender  sional na contemporaneidade: “Acho bacana que as
            sobre arte e sobre as pessoas”, afirma. É de se destacar  pessoas queiram ser e se dizer curadores. Até porque
            também a atenção dada a questões bastante pessoais   usualmente é uma profissão que tem um lastro tão elitista
            das trajetórias dos entrevistados: “Me interessa muito   que eu acho muito bom uma geração nova, periférica,
            que a pessoa conte como começou sua relação com   ver que ser curador é uma possibilidade. Isso é muito
            a arte. Temos ali desde filhos de artistas ou críticos   empoderador. Mas se a médio e longo prazo elas efe-
            de arte até pessoas com uma trajetória como a minha,  tivamente desempenharão esse papel e conseguirão
            de famílias extremamente periféricas, sem nenhuma   ganhar a vida assim, aí eu já não sei”.
            relação com a arte. Então esse dado sociológico é muito   A dificuldade de ser curador no Brasil, justamente, é
            importante para o projeto”.                      um dos assuntos recorrentes em boa parte das entre-
               O papel de curador é nítido também quando Fonseca   vistas. Fonseca lamenta a falta de um mercado estável
            precisa selecionar os convidados - desta vez não artistas   para a área, seja no setor público ou privado, diferente
            para uma exposição ou projeto, mas curadores para as   do que se vê nos Estados Unidos e em outros países do
            conversas. E os nomes são os mais variados possíveis,  primeiro mundo. “Existe uma precarização tremenda do
            passando por jovens como Tiago Sant’Ana, Pollyana   equipamento público, e mesmo internamente há uma
            Quintella, Bernardo Mosqueira, Isabella Rjeille, Hélio   enorme assimetria geográfica na economia da cultura,
            Menezes e Paulete Lindacelva até figuras estabeleci- com muitas instituições concentradas no sudeste”. Este
            das há décadas como Tadeu Chiarelli, Denise Mattar,  contexto, explica ele, resulta em algumas características
            Fernando Bini, Fernando Cocchiarale, Marília Panitz,  predominantes na trajetória dos profissionais, entre
            Solange Frakas e Marcus Lontra. Estão ali também   elas o fato de boa parte dos curadores ter também
            Marcello Dantas, Ayrson Heraclito, Júlia Rebouças,  alguma outra profissão. Resulta também que a maio-
            Kiki Mazzucchelli, Fernanda Pitta, Clarissa Diniz, Naine   ria trabalha basicamente com arte contemporânea e
            Terena e muitos outros.                          brasileira - “quem no Brasil paga para que a gente vá
               Apesar da diversidade - ou até mesmo para alcan- fazer uma viagem de pesquisa curatorial no exterior? E
            çá-la - Fonseca diz ter estabelecido alguns critérios   como financiar a vinda de um artista de fora para fazer
            básicos para a seleção. Em primeiro lugar, trazer pessoas   uma exposição aqui?”.
            que, mesmo que jovens, tenham uma prática regular   Por fim, com “1 curadorx, 1 hora”, Fonseca também
            de curadoria, uma bagagem na área. “Percebo que   tenta desmistificar a ideia do curador como uma figura
            muitos curadores que atuam há muito tempo não são   poderosa, por vezes autoritária. “Talvez por existir pelo
            tão conhecidos para uma geração mais nova. E tem   mundo um tanto de pessoas que exercem a curadoria
            gente que começa a fazer curadoria e se coloca como   desta maneira, acaba surgindo essa apreensão. Mas,
            se estivesse inventando uma coisa totalmente nova. E  para mim, o curador é só mais um trabalhador da cultura.
            quando você escuta os relatos dos mais velhos você vê   Especialmente no Brasil, a figura do curador poderoso
            que muito já estava lá, já foi feito”, comenta Fonseca.  é quase uma ficção. O que mais tem são profissionais
            Para ele, portanto, era importante aprender com as   batalhando para pagar suas contas, tendo que negociar
            trajetórias destes profissionais e “lançar luz a curado- o tempo todo com esferas do poder público ou privado,
            res que atualmente não estão, digamos assim, tão no   cheios de planos não realizados e vivendo aos trancos
            holofote como pessoas da minha geração”.         e barrancos”. Se o curador no Brasil é um persistente,
               Neste sentido, Fonseca comenta que se tornou   as duas centenas de entrevistas que Fonseca pretende
            mais comum, recentemente, “ver uma pessoa que    concluir com seu projeto parecem ser uma prova disso.

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