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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
E o painel divide outras duas contextualiza- mente atestam a grandiosidade de Schwartz.
ções: de um lado uma documentação audiovi- Frente às questões do movimento Me Too, é
sual sobre São Paulo nos anos 1970, marcado de se perguntar se uma mostra de uma mulher
pela ditadura militar e a transgressão ao mes- tão arrojada como Madalena não deveria ter
mo tempo; enquanto de outro lado, imagens também uma curadora mulher, como aconte-
da cultura travesti e transformista em outros ceu na mostra de Diane Arbus (1923–1971), no
países da América Latina, também nos anos Metropolitan Museum de Nova York, em 2016.
1970 e 1980, reforçando o caráter politizado Afinal, em uma época de debates sobre repre-
da mostra. Aliás, os nove conjuntos, que são sentatividade, o iMS poderia buscar entender
trabalhos efetivamente militantes, basica- o contexto, o que também faltou na abertura
da mostra, novamente só com homens: os
curadores e João Silvério Trevisan, que aliás
teve uma fala que tratou pouco da artista.
Pessoa não identificada, anos 70. Isso não compromete, contudo, a mere-
cida visibilidade que o trabalho precursor
de Schwartz recebe. As imagens no painel,
acertadamente distribuídas em distintos
formatos, apontam como além de dominar
o uso de claros e escuros na fotografia, uma
questão técnica relevante, ela conseguia
revelar uma intimidade com seus retratados,
que mescla cumplicidade e empatia, espe-
cialmente as realizadas nos bastidores ou
em sua própria casa.
As fotos de Meise, por exemplo, revelam a
fragilidade da modelo enquanto se transfor-
ma, usando ainda de espelhos na criação de
duplos, uma composição muito semelhante
ao que Nan Goldin faria na década seguinte.
Esse tipo de imagem sobrecarregada de sim-
bologias também se vê na série com Danton,
seu maquiador de um salão na rua Augusta,
especialmente na que ele está nu com o ros-
to caracterizado como mulher, sentado em
um banquinho enquanto outro rapaz atrás
dele se movimenta, novamente gerando um
duplo. Danton aparece em outras imagens
sem maquiagem, quando é visto de forma mais
delicada e vulnerável, o que só se consegue em
um retrato quando de fato há uma espécie de
solidariedade entre quem é retratado e quem
retrata, muito semelhante à cumplicidade dos
indígenas retratados por Andujar.
Mais do que falar do universo travesti,
transformista e transgressor dos anos 1970,
Madalena Schwartz trata da humanidade de
forma mais ampla e, por isso, de seu caráter
inclusivo: trata-se de uma mesma família com
individualidades distintas.
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