Page 32 - ARTE!Brasileiros #54
P. 32

EXPOSIÇÕES SÃO PAULO





                               E o painel divide outras duas contextualiza-  mente atestam a grandiosidade de Schwartz.
                            ções: de um lado uma documentação audiovi-  Frente às questões do movimento Me Too, é
                            sual sobre São Paulo nos anos 1970, marcado   de se perguntar se uma mostra de uma mulher
                            pela ditadura militar e a transgressão ao mes-  tão arrojada como Madalena não deveria ter
                            mo tempo; enquanto de outro lado, imagens   também uma curadora mulher, como aconte-
                            da cultura travesti e transformista em outros   ceu na mostra de Diane Arbus (1923–1971), no
                            países da América Latina, também nos anos   Metropolitan Museum de Nova York, em 2016.
                            1970 e 1980, reforçando o caráter politizado   Afinal, em uma época de debates sobre repre-
                            da mostra. Aliás, os nove conjuntos, que são   sentatividade, o iMS poderia buscar entender
                            trabalhos efetivamente militantes, basica-  o contexto, o que também faltou na abertura
                                                                    da mostra, novamente só com homens: os
                                                                    curadores e João Silvério Trevisan, que aliás
                                                                    teve uma fala que tratou pouco da artista.
                            Pessoa não identificada, anos 70.          Isso não compromete, contudo, a mere-
                                                                    cida visibilidade que o trabalho precursor
                                                                    de Schwartz recebe. As imagens no painel,
                                                                    acertadamente distribuídas em distintos
                                                                    formatos, apontam como além de dominar
                                                                    o uso de claros e escuros na fotografia, uma
                                                                    questão técnica relevante, ela conseguia
                                                                    revelar uma intimidade com seus retratados,
                                                                    que mescla cumplicidade e empatia, espe-
                                                                    cialmente as realizadas nos bastidores ou
                                                                    em sua própria casa.
                                                                       As fotos de Meise, por exemplo, revelam a
                                                                    fragilidade da modelo enquanto se transfor-
                                                                    ma, usando ainda de espelhos na criação de
                                                                    duplos, uma composição muito semelhante
                                                                    ao que Nan Goldin faria na década seguinte.
                                                                    Esse tipo de imagem sobrecarregada de sim-
                                                                    bologias também se vê na série com Danton,
                                                                    seu maquiador de um salão na rua Augusta,
                                                                    especialmente na que ele está nu com o ros-
                                                                    to caracterizado como mulher, sentado em
                                                                    um banquinho enquanto outro rapaz atrás
                                                                    dele se movimenta, novamente gerando um
                                                                    duplo. Danton aparece em outras imagens
                                                                    sem maquiagem, quando é visto de forma mais
                                                                    delicada e vulnerável, o que só se consegue em
                                                                    um retrato quando de fato há uma espécie de
                                                                    solidariedade entre quem é retratado e quem
                                                                    retrata, muito semelhante à cumplicidade dos
                                                                    indígenas retratados por Andujar.
                                                                       Mais do que falar do universo travesti,
                                                                    transformista e transgressor dos anos 1970,
                                                                    Madalena Schwartz trata da humanidade de
                                                                    forma mais ampla e, por isso, de seu caráter
                                                                    inclusivo: trata-se de uma mesma família com
                                                                    individualidades distintas.

            32
   27   28   29   30   31   32   33   34   35   36   37