Page 35 - ARTE!Brasileiros #54
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entre nós, um extenso aparato cultural, ideoló-
gico, legislativo, religioso e midiático foi criado para
justificar, atender e garantir a permanência de privilé-
gios daquela parcela da população que deles direta ou
indiretamente sempre se beneficiaram. E isso, é claro,
à custa da desumanização, da coisificação dos que não
participam desse grupo, sejam eles negrxs, indígenas
ou os que demonstram identidade de gênero diferente
da dominante. Na raiz do reacionarismo brasileiro estão
acomodados a heteronormatividade, o machismo tóxico,
o ódio de classe, o racismo e a aversão patológica ao
diferente, ao corpo divergente que não reflita o ideal que
consagra no poder o homem adulto, branco, burguês.
Essa realidade fica explicita em tempos de pandemia
Acima, Corda dourada com minha mãe Elenice Guarani,
minha tia Marilúcia Moraes, minha vó Maria da Graça e necropolitica, em tempo de contar os mortos que
e minha tia Gracilene Guarani, 2020. Abaixo, Aladas estão na base da pirâmide social brasileira, contabilizar
o resultado de séculos de desprezo à vida daqueles
que não pertencem ao que entre nós se convencionou
chamar “elite”. Mas como escreveu Castro Alves no
épico Navio Negreiro: “E existe um povo que a bandeira
empresta para cobrir tanta infâmia e covardia”. O poema
é de 1868 e o auriverde pendão da nossa terra continua
servindo ao povo de mortalha. Contudo, a depender
de onde venha, a resposta do excluído tem a força do
falo fertilizador de Exu, a vida invoca Eros, recusando
o pensamento utilitarista que vê no indígena um pre-
guiçoso e no negro uma besta de carga.
Certo pensamento periférico (periferia aqui é enten-
dida como potência, não carência e estrutura deficitá-
ria) sempre enalteceu a festa como lugar privilegiado
para elaboração de subjetividades vibrantes. Daí a
satanização das festas pelos arautos da necropolitica. FOTOS: GUILHERME SORBELLO/ CORTESIA SÉ GALERIA E ARTISTA | CORTESIA DA ARTISTA E DO PIVÔ
A carioca, nascida em 1993, Tadaskia Wíllà Oliveira
Morais, mais conhecida como max wíllà morais, é artista
visual, escritora, performer, educadora, pesquisadora,
mulher trans e negra. Fui apresentado à sua obra pela
clarividente curadora pernambucana Clarissa Diniz. A
artista é representada em São Paulo pela Sé galeria e
a conheci pessoalmente no Pivô, onde esteve em resi-
dência e participou, a convite da curadora colombiana
Catalina Lozano, da mostra coletiva Uma história natural
das ruínas - em exibição até 17 de abril. Recentemente
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