Page 37 - ARTE!Brasileiros #54
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Vista da exposição Uma história natural das ruínas, no Pivô
vezes dão a impressão de volatilidade sem, no entanto, do professor estadunidense Christopher Dunn, pesqui-
serem incorpóreos. Estão perfeitamente contidos nas sador da prestigiada Tulane University de Nova Orleans.
margens tortas do papel que a artista recorta com as Conheci o professor quando este visitou o Museu Afro
mãos. Existe algo de Tropicalista na artista e no seu Brasil instituição em que na ocasião trabalhava como
projeto, as operações que ela realiza são graves, con- coordenador do Núcleo de Educação. Como escreve o
tundentes e incisivas, contudo não trazem traço qual- professor: “O projeto Tropicalista manifestou-se num
quer de sisudez. Pelo contrário, há um senso lírico de período de intensos conflitos políticos e culturais no
humor, algo ácido talvez, atravessando essas narrativas Brasil, criticando simultaneamente o regime militar
que não raro no caso dos seus desenhos e costuras se e o projeto nacional-popular da esquerda”. Tenho a
apresentam em composições de enorme delicadeza e impressão que o trabalho de wíllà inscreve-se nessa
frescor. Delicadeza que, aliás, é conferida aos desenhos “tradição” de insubmissão quando a artista refuta o
pelo emprego sensível que a artista faz dos materiais engajamento político explícito tão marcado em certa
de que lança mão, o lápis de cor, a aquarela, canetas, o parcela da produção artística afro-brasileira em favor FOTOS: EVERTON BALLARDIN | GUILHERME SORBELLO/CORTESIA SÉ GALERIA E ARTISTA
esmalte para unhas. O núcleo familiar da artista é às vezes de uma retórica de liberdade e lirismo sensualista. Esse
engajado em algumas de suas ações que implicam na hedonismo antes de qualquer inconsequência trabalha
construção e uso de objetos híbridos, relacionais, que a favor de uma política do corpo bem ao sabor da con-
investigam e propõem relações entre aqueles corpos tracultura mencionada por Dunn no título de sua obra.
e a arquitetura proletária que eles habitam. E pensando bem, o corpo e a obra coincidem em max
Brutalidade jardim – A Tropicália e o surgimento da e são, num certo sentido, um pronunciamento a favor
contracultura brasileira (São Paulo, Editora UnESP, 2009, da vida e uma ofensa e um antídoto a necropolitica e
tradução Cristina Yamagami) é o resultado da pesquisa suas práticas.
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