Page 28 - ARTE!Brasileiros #54
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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
A FORÇA DA
EMPATIA
Imagens feitas por Madalena Schwartz da cena
trans paulistana dos anos 1970 revela cumplicidade
da fotógrafa com pessoas à frente de sua câmera
por Fabio Cypriano
“eu sempre tive Família, noite, Schwartz (1921–1993)
eu cresci protegida pelas era uma senhora marcada
minhas avós”, contou no por um perfil recatado.
programa Roda Vida a Nascida na Hungria,
vereadora trans por São migrou aos 12 anos para a
Paulo, Erika Hilton, em feve- Argentina. Nos anos 1960,
reiro passado. “Nunca tive com o marido e dois filhos,
problemas com minha iden- foi viver em São Paulo, onde
tidade, em ser uma criança a família administrava uma
viada”, enfatizou em sua fala lavanderia no centro da
cheia de críticas certeiras cidade. Quase aos 50 anos,
à chamada “ideologia de quando seu filho ganhou
gênero”. Essa noção de uma câmera fotográfica, ela
família ampliada e acolhe- passou a frequentar o Foto
dora foi tematizada pela Cine Clube Bandeirante, o
fotógrafa Madalena Sch- Madalena Schwartz, c. 1969 que permitiu desenvolver
wartz, em uma série que uma nova carreira, tornan-
adianta as imagens transgressoras de Nan do-se “a grande dama do retrato em nosso
Goldin dos anos 1980, que a tornaram um país”, como definiu Pedro Karp Vasquez, cita-
ícone do submundo trans. ção que se lê em uma das paredes da mostra. ACERVO PEDRO LUIS SZIGETI | ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES – COLEÇÃO MADALENA SCHWARTZ
Juntar essas três mulheres em um parágrafo Um depoimento em vídeo de Madalena, logo
não seria tão óbvio antes da mostra Madale- no início da exposição, confirma como amigos e
na Schwartz: as Metamorfoses – Travestis e familiares costumam descrevê-la: uma senhora
transformistas na SP dos anos 1970, em cartaz tímida e elegante, sempre com roupas clássicas.
até junho no Instituto Moreira Salles, mas é Sua discrição, no entanto, não foi empecilho
impossível não perceber como todas defendem para seu reconhecimento. Fotografou para
uma humanização do universo trans. A surpresa revistas importantes no mundo todo e, em 1974,
aqui é que enquanto Goldin, bissexual assu- fez sua primeira individual no Masp, o Museu
mida, se tornou mundialmente conhecida ao de Arte de São Paulo, a convite de seu então
retratar basicamente seu círculo de amizades na diretor, o italiano Pietro Maria Bardi.
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