Page 25 - ARTE!Brasileiros #54
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Pontes históricas


            Jota Mombaça, Ana Adamović,
            Nina Beier e Vincent Meessen
            falam sobre seus trabalhos que
            reforçam o foco da 34ª Bienal
            nas persistências históricas

                                                     Vídeo com o Sino de Ouro Preto na mostra Vento, parte da 34ª Bienal de SP
            por maria hirszman


            em seu terCeiro enContro Da série “As vozes dos   fevereiro e que será disponibilizada no canal do Youtube
            artistas”, a 34a edição da Bienal de São Paulo aprofundou   da instituição. Mombaça serviu como uma espécie
            as relações entre as obras de quatro dos convidados a   de fio condutor do programa, comentando aspectos
            participarem da mostra com um objeto impregnado de   centrais de sua reflexão como o papel fundamental
            significados metafóricos e simbólicos: o sino de Ouro   da imaginação como forma de nos levar “para além
            Preto. Instalado desde o século xviii na Capela do Padre   do realismo dentro do qual estamos confinados”, o
            Faria, na então cidade de Vila Rica, esse instrumento   desejo de romper com a representação, de extrapolar,
            condensa em si uma série de histórias. Está imbuído de   rasurar as imagens de forma a permitir experiências
            vivências e significados que estabelecem uma relação   mais radicais com a realidade. Esta questão, segundo
            direta com a proposta mais geral da mostra, Faz escuro   ela, é central no trabalho 2021, que deve apresentar em
            mas eu canto, e torna-se um de seus principais enun- parceria com Musa Michelle Mattiuzzi na 34a Bienal.
            ciados, ao estabelecer pontes entre dois momentos   Os outros artistas presentes na live, por meio de vídeos
            históricos distintos, de grande intensidade na história   gravados antecipadamente, também se debruçam, com
            do país. O primeiro deles é a noite em que Tiradentes foi   intensidades e abordagens diferentes, porém comple-
            executado, em 1792. Num gesto de rebeldia e resistência,  mentares, sobre questões como apagamento histórico,
            o sino foi tocado na madrugada, apesar da proibição real.  manipulação de imagens e símbolos, revisitando pontos
            Esse desafio é ressignificado séculos depois quando   nevrálgicos da história que podem inicialmente ser mais
            o instrumento é levado de Minas Gerais para Brasília   restritos a uma determinada cultura ou momento, mas
            com o intuito de consagrar com seu som a nova capital,  que acabam por reverberar com grande intensidade e
            inaugurada em 1960 e num momento de reafirmação   brilho. É interessante notar também que a maioria des-
            de Tiradentes como herói nacional, no mesmo 21 de   ses trabalhos não se atém ao universo restrito das artes
            abril. “Ele funciona como uma espécie de diapasão que   visuais, mas lida de forma intensa com a performance, o
            nos ajuda a afinar um instrumento”, explica o curador  vídeo e a música. Dois Corais, da sérvia Ana Adamović,
            Jacopo Crivelli Visconti na introdução da live.  parte de uma fotografia antiga, presente em um álbum
               A persistência histórica, as repetições, reiterações   dedicado a Tito (líder da ex-Iugoslávia), na qual se vêem
            e questionamentos de momentos potentes do passado   crianças surdas cantando. Algo paradoxal, que remete
            em releituras do presente estão entre as linhas de maior  à violência ou desejo de forçar a vocalização em busca   FOTO: LEVI FANAN/ FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO
            força dentro do projeto da Bienal e está presente no   de uma certa normalidade, que Adamović problematiza
            trabalho de vários dos artistas selecionados, dentre   ao recriar a cena, desta vez pedindo aos participantes
            os quais se destacam Jota Mombaça, Ana Adamo- do coro que cantem por meio de linguagem de sinais.
            vić, Nina Beier e Vincent Meessen, todos presentes   Surpreende a musicalidade e diversidade no gesto des-
            na apresentação online realizada no último dia 25 de   ses voluntários.

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