Page 84 - ARTE!Brasileiros #53
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LIVROS CRÍTICA






                    “Essa alienação social extrema - esse fim da   quase 40% do tráfico negreiro do mundo, teve o maior
                  ‘ideia’ de indivíduo - produz, em Fanon, uma   porto da história da escravidão moderna, que ainda
                   urgência incansável por uma forma conceitual   hoje constrói apartamentos com quarto de empregada
                   apropriada para o antagonismo social da relação   (senzalas nos apartamentos), que mata, mata, mata e
                   colonial. Sua obra se divide entre a dialética   continua matando suas crianças e sua juventude negra
                   hegeliano-marxista, uma afirmação fenome- e que tem a maior população negra fora da África.
                   nológica do Eu e do Outro e a ambivalência   É estar diante do passado que não passa.
                   psicanalítica do inconsciente – sua passagem   É ter a consciência que o “estado de exceção” em
                   do amor para o ódio, do senhor para o escravo.  que vivemos é a regra.
                   Em sua malfadada e desesperada busca por    É compreender cotidianamente que no mundo colo-
                   uma dialética da salvação, Fanon explora os   nial em que vivemos a causa é a consequência, que
                   extremos desses modos de pensamento: o   mitos como o “Ser Humano” e a “Sociedade” perdem
                   hegelianismo restaura a esperança na história;   a sua base de sustentação e que a vida gira num círculo
                   a evocação existencialista do ‘Eu’ recupera a   vicioso e delirante.
                   presença do marginalizado; e a estruturação
                   psicanalítica joga luz na “loucura” do racismo,   “É fato: os brancos se consideram superiores
                   no prazer da dor, na fantasia agnóstica do poder   aos negros. Mais um fato: os negros querem
                   político” (p. 3).                               demostrar aos brancos, custe o que custar, a
                                                                   riqueza de seu pensamento, o poderio equi-
            Sei que o caminho ainda é longo até que possamos de    parável da sua mente. Como escapar disso?”
            fato desconstruir o ideário racista. Porém, reler Fanon   (Frantz Fanon)
            é estar em pé na montanha dos horrores do mundo
            colonizado. É estar com olhar pousado numa sociedade   Evidentemente, neste espaço, não será possível dis-
            que foi/é (?) escravocrata durante 400 anos, recebeu   correr sobre como a escravidão e o racismo moldaram





































                                                                 Pele negra, máscaras brancas, de Frantz Fanon,
                                                                 publicado pela editora Ubu em 2020 (320 p.)


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