Page 80 - ARTE!Brasileiros #53
P. 80

LIVROS RESENHA



                    próprio livro: o livro e o autor colocam-se a si   ampliação da complexidade do tema. No
                    próprios numa mesma linha, distribuída como   entanto, como mencionado, Renato não se
                    um antes e um depois: supõe-se que o Autor   contenta em trazer para o leitor e leitoras
                    alimenta o livro, quer dizer que existe antes   apenas trechos desses estudiosos todos.
                    dele, pensa, sofre, vive com ele; tem com ele   Nesse longo trecho de Arte afro-brasileira:
                    a mesma relação de antecedência que um   Altos e baixos de um conceito (quase 400
                    pai mantém com o seu filho. Exatamente o   páginas), o scriptor também nos contem-
                    scriptor moderno nasce ao mesmo tempo que   pla com uma série de citações de autores e
                    o seu texto; não está de modo algum provido   autoras que igualmente pensaram a questão
                    de um ser que precederia ou excederia a sua   racial no país, embora não especificamente a
                    escrita, não é de modo algum o sujeito de que   questão da “arte afro-brasileira” (dentre eles,
                    o seu livro seria o predicado; não existe outro   a se destacar os nomes de Gilberto Freyre e
                    tempo para além do da enunciação, e todo o   Vilém Flusser).
                    texto é escrito eternamente aqui e agora […]  .  Mas não pensem o leitor e a leitora que o
                                                        [2]
                                                            papel de Renato na escritura do “livro“, tenha
                       Da obra ao texto:                    sido apenas aquela de coletor de trechos de
                                                            livros, ensaios, conferências etc., dos gran-
                    […] Sabemos agora que um texto não é feito de   des nomes que trataram da questão da arte
                    uma linha de palavras, libertando um sentido   “afro-brasileira” e/ou de assuntos correlatos.
                    único, de certo modo teológico (que seria a   O que torna esta primeira parte do escrito
                   “mensagem do Autor-Deus), mas um espaço   ainda mais saborosa – e instrutiva! – é a série
                    de dimensões múltiplas, onde se casam e   de comentários que Renato agrega aos textos
                    se contestam escritas variadas, nenhuma   que cita. Ele coleta, mas também comenta,
                    das quais é original: o texto é um tecido de   vai ao encontro dos pensamentos de alguns
                    citações, saídas dos mil focos da cultura […]  .  dos autores  , e de encontro a outros, dinami-
                                                                       [5]
                                                        [3]
                                                            zando a leitura e obrigando o leitor e a leitora
                       Nada definiria melhor Arte afro-brasileira.   a se posicionarem perante a inteligência e o
                    Altos e baixos de um conceito enquanto texto,   sarcasmo de muitas das suas observações.
                    assim como o papel de Renato Araújo como   Outro dado importante: se numa resenha
                    seu scriptor, categorias que nos aproximam   sobre uma “obra” convencional a possível
                    das características tão singulares que o tra-  referência às notas de rodapé estaria, nor-
                    balho apresenta.                        malmente, em uma nota, no caso do texto de
                       Embora Renato tenha dividido seu escrito   Renato a situação muda por completo. E isto
                    em nove partes (e não capítulos, como era de   pelo fato de que, ao lermos as notas de rodapé
                    se esperar)  , creio que, para este comen-  na medida em que elas aparecem comentando,
                              [4]
                    tário, é possível dividi-lo em dois grandes   não apenas os textos que Renato cita, mas,
                    segmentos: o primeiro reuniria da primeira à   sobretudo seus próprios comentários, vere-
                    sétima partes, formando um texto que, como   mos surgir, se não uma “contranarrativa”, pelo
                    poucos, exemplifica bem as propostas de Bar-  menos uma outra escrita que se entrelaça – e
                    thes. Nele, Renato desfia uma série de textos   às vezes esgarça – o texto que ele tece.
                    fundamentais para se pensar a questão da   A segunda parte de Arte afro-brasileira:
                    produção artística chamada “afro-brasileira”,   Altos e baixos de um conceito, dá continuidade
                    mas não apenas.                         à escritura da primeira, porém concentrada
                       São vários os autores citados que se dedi-  agora nos resumos das falas dos especialis-
                    caram ao estudo do que é ou do que pode   tas e dos artistas convidados a participar do
                    ser entendido como “arte afro-brasileira”,   seminário “Olhares sobre a arte afro-brasi-
                    não apenas os autores canônicos – desde   leira”, já citado. Não apenas os resumos das
                    Nina Rodrigues até Kabengelê e Leuba Salun   falas estão ali registradas, mas também as
                   – mas também jovens pesquisadores que    perguntas feitas pelo público e as respectivas
                    vêm trazendo novas contribuições para a   respostas, acompanhadas de comentários

            80
   75   76   77   78   79   80   81   82   83   84   85