Page 83 - ARTE!Brasileiros #53
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Essa porra é um campo                            saber que o debate teve um impacto catalisador para
            minado.                                          a discussão do racismo na sociedade brasileira e sua
            Quantas vezes eu pensei                          relação com a cultura e a arte, tal evento me traz uma
            ’’
            em me jogar daqui,                               lembrança ácida e órfica.
            Mas, aí, minha área é                              É deste ponto de partida arbitrário que inicio a minha
            tudo o que eu tenho.                             jornada com o livro Pele Negra, Máscaras Brancas, de
            A minha vida é aqui                             1952, que hoje tem uma nova edição em português feita
                                                             pela Ubu Editora, que é primorosa. A leitura dessa edição,
            e eu não preciso sair.                           traduzida por Sebastião Nascimento com a colaboração
            É muito fácil fugir mas                          de Raquel Barreto, começa com o prefácio da Grada
            eu não vou.                                      Kilomba, segue com os textos complementares de
            Não vou trair quem eu                            Francis Jeanson e Paul Gilroy, o posfácio de Deivison
            fui, quem eu sou.                                Faustino e se encerra com o texto de Homi K. Bhabha.
            Eu gosto de onde eu tô                           É um percurso incrível que cria uma malha intensa de
            e de onde eu vim,                                contexto, reflexão, crítica e beleza e traz a magnitude e
            ensinamento da favela                            a complexidade da obra de Fanon. Ler este livro é uma
            foi muito bom pra mim                            imersão no pensamento do autor e não há como sair
                                                             ileso. Sua escrita fere, queima e nos arremessa num
            Cada lugar um lugar,                             turbilhão de pensamentos e sensações.
            cada lugar uma lei,                                Além disso, existe a matéria do tempo que opera
            cada lei uma razão                               sobre a obra, tornando a leitura, às vezes, um exercício
            e eu sempre respeitei.                           muito difícil, pois, diante de tanta conceituação, como
                                                             encontrar uma leitura própria? Como buscar na própria
            FÓRMULA MÁGICA DA PAZ,                           obra algo que reverbere para além dela mesma? E,
            RACIONAIS MC’S                                   principalmente, se existem diversas leituras possíveis
                                                             deste livro primoroso feitas a partir de escolas de pen-
                                                             samento e ação distintas, quem é você, leitor/leitora,
                                                             neste diálogo com Fanon?
            reembarCar nesse munDo Fanon foi muito intenso.    Não, cara leitora/caro leitor, eu também, como o
            Lembrei de coisas que tinha esquecido e pouco a pouco   autor, não venho armado com verdades definitivas, ou
            fui reconstruindo tudo, desde a minha primeira leitura,  melhor, “não chego armado de verdades categóricas”.
            em 2014, até hoje.                               O que pretendo deixar explícito é que ler Fanon é estar
               A primeira vez que voltei ao livro de Frantz Fanon foi   diante da cisão, é caminhar num universo intenso de
            quando resolvi que ele seria a minha preparação para a   desejos, urgências, tensões entre cultura e classe, raça
            mediação do debate “Arte e Sociedade: a Representação   e sexualidade, ironia e poesia, voz e escritura, entre
            do Negro”, em maio de 2015, no Itaú Cultural em São   outras tantas coisas. É ser atravessado por tensões que
            Paulo. O debate foi realizado em resposta às manifesta- precipitam a ruptura. Não há como buscar afirmações
            ções do público com relação à peça A Mulher do Trem,  decisivas ou qualquer teoria geral da opressão colonial.
            de Os Fofos Encenam, acusada de racismo. Quero deixar  Do meu ponto de vista, as questões levantadas são um
            explícito que mediar tal encontro não foi uma atividade   jorro intelectual e poético. Refletir sobre elas é sempre
            fácil, tampouco agradável. Em muitos momentos, os   lacunar, é perguntar: O que aconteceu? E depois juntar
            paradoxos e contradições da função “mediador” me   os inúmeros pedaços de si espalhados pelo chão. Como
            deixaram muito desconfortável. Apesar de entender  diz Homi K. Bhabha em seu brilhante texto Recordar
            tudo como parte de um grande processo histórico e   Fanon, Eu, A Psique e a Condição Colonial:

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