Page 88 - ARTE!Brasileiros #53
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LIVROS PRODUÇÃO NA PANDEMIA
tona nos últimos tempos, com diferentes enfoques e
abordagens, tornando mais rica essa reflexão. É possível
citar, por exemplo, a antologia Histórias da Pandemia,
organizada pela editora Alameda, que reúne dez con-
tos de autores que trazem pontos de vista históricos,
pessoais e narrativos distintos, porém complementares,
em que se sucedem momentos de delicada comédia
(Ciúmes, de Luiz Kignel), revisão histórica (As Mortes
de Antônio Valle, de Marcelo Godoy) ou uma narrati-
va que mescla memórias de infância, o despertar da
sexualidade homoerótica e a dureza das perdas pelo
coronavirus numa sociedade que se recusa a enxergar
o óbvio (Supernova, de Felipe Cruz).
Essa enorme oferta e a diversidade de caminhos
adotados só mostra que, em meio à ansiedade pela
retomada, é preciso parar para pensar, manter olhos e
ouvidos abertos para murmúrios menos espetaculosos,
mas talvez mais organizadamente conectados com a
traumática experiência dos últimos meses, observar
atentamente processos, reflexões, escritas, criações
que nasceram desse período de quarentena, ameaça
e isolamento.
que aqui precisamos resistir para vencer muito além
de um vírus mortal, dentro de uma realidade desigual
e injusta”, sintetiza.
Alfredo Nicolaiewsky, artista e professor gaúcho,
também sentiu-se estimulado pelo isolamento da pande-
mia e desenvolveu um interessante processo de criação
e troca. Com a agenda mais livre, resolveu retomar seu
trabalho com pintura, técnica que havia abandonado
há 20 anos. Começou a pesquisar diariamente novas
composições, usando como suporte caixas de papelão
de descarte. Contrariamente ao usual silêncio do ateliê
(normalmente os artistas preferem exibir suas obras
quando já prontas ou encaminhadas), passou a enviar
imagens desses trabalhos e conversar sobre eles com
um grupo de amigos por Whatsapp, estimulando assim
um diálogo e uma proximidade que mostra, na prática,
como a cultura é algo coletivo. O resultado desse pro-
cesso acabou sendo transformado em livro digital, cujo
título Alfredo em Processo; Nicolaiewsky em quarentena
ironiza esse duplo nível de relação, entre o autor público
e o indivíduo que enfrenta as adversidades do cotidiano.
Outros vários livros, virtuais ou não, tem vindo à
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