Page 79 - ARTE!Brasileiros #53
P. 79

O trecho citado está no meio das inima-  da instituição. De início, o título que ambos
                    gináveis 726 páginas do texto de Renato,   pensaram conceder ao encontro era, justa-
                    justamente no momento escolhido por ele   mente, Arte afro-brasileira. Altos e baixos de
                    para introduzir no debate ali instituído sobre   um conceito. Porém, uma série de contra-
                    o conceito de arte “afro-brasileira,” a proble-  tempos (entre eles, financeiros) fez com que
                    mática da mestiçagem – um dos pontos mais   o projeto original precisasse ser diminuído e
                    interessantes de todo o trabalho. E, de fato,   a dupla de especialistas acabou propondo e
                    esse é um dos inúmeros pontos de interesse   realizando um seminário menos abrangente,
                    do texto, mas não o único. Levando-se em   mas do mais alto nível, dedicado à questão
                    conta o nível de seu alcance historiográfico e   da arte afro-brasileira: “Olhares sobre a arte
                    crítico, entendi, logo na leitura de suas primei-  afro-brasileira”.
                    ras páginas, estar frente a um dos principais   Mesmo mais modesto, o encontro reuniu
                    acontecimentos no campo da história da arte   alguns dos especialistas mais significati-
                    no Brasil dos últimos anos: um documento,   vos da área – Marta Heloisa Leuba Salun,
                    um monumento.                            entre outras e outros –, e artistas que então
                       Arte afro-brasileira: Altos e baixos de um   despontavam no campo da arte brasileira:
                    conceito reflete sobre praticamente todos   Janaina Barros, Rommulo Vieira Conceição
                    aqueles e aquelas que se debruçaram sobre   e Tiago Gualberto  .
                                                                             [1]
                    o conceito “arte afro-brasileira” – assunto   Finalizado o seminário, ao invés de publi-
                    crucial dentro dos estudos sobre arte no Brasil   car apenas seus anais – o que já seria algo
                    –, desenvolvendo uma cronologia das diversas   importante para a área – Renato parece
                    contribuições. Porém, seu trabalho não se   ter desejado resgatar o projeto original do
                    resume a apenas narrar essa cronologia. Ao   encontro, que era esquadrinhar os altos e
                    fazê-la, Renato premia com comentários críti-  baixos do conceito “arte afro-brasileira”, e
                    cos cada autor e autora que cita, observações   foi justamente daí que começou a surgir o
                    quase sempre profundas, mas todas repletas   “livro” que agora apresento.
                    de humor e ironia. Renato narra desconfiando   Alguém poderá estranhar o fato de eu ter
                    da própria narração e do objeto narrado, e tal   usado no parágrafo acima a palavra “livro”
                    estratégia tonifica os textos sobre os quais se   entre aspas. De início pode parecer estranha,
                    debruça, possibilitando aos leitores e leitoras   mas atesto que tal forma foi a única que encon-
                    que também se posicionem sobre a narrativa   trei para me aproximar de Arte afro-brasileira:
                    que se constitui sob seus olhos.         Altos e baixos de um conceito, com o intuito
                       Mas não pensem vocês, leitor ou leitora,   de apresentá-lo aos leitores e leitoras.
                    que Arte afro-brasileira: Altos e baixos de um   Lendo esse trabalho de Renato logo me
                    conceito pode ser confundido com qualquer   veio à cabeça a distinção que Roland Barthes
                    outro livro sobre a história da arte “afro-bra- – já faz tanto anos! – fazia entre o conceito
                    sileira” ou, no limite, com qualquer outro livro   de “obra” e aquele de “texto”. Para o pen-
                    convencional sobre qualquer assunto. O tex-  sador francês, ao conceito tradicional de
                    to de Renato nem deveria ser caracterizado   “obra” – um trabalho com começo, meio e
                    como um livro, e as razões para tal conclusão   fim – estava atrelado o conceito de “autor”
                    vêm a seguir.                           – aquele ser todo-poderoso, orquestrador
                                                             único, onipresente e onipotente. Barthes
                       ***                                   desconfiava desse binômio (autor + obra) e
                       Segundo Renato, a ideia de produção de   contra ele opunha, por um lado, a morte do
                    Arte afro-brasileira: Altos e baixos de um con-  autor tradicional – ou sua substituição pelo
                    ceito surgiu do incentivo de alguns amigos   scriptor –e, por outro, a transformação da
                    que achavam que ele deveria publicar os anais   “obra” em “texto”. Do Autor para o scriptor:
                    de um ciclo de palestras que levara adiante
                    com sua amiga e colega, Juliana Ribeiro, na   […] O Autor, quando se acredita nele, é
                    Pinacoteca de São Paulo, em 2016, a convite   sempre concebido como o passado do seu

                                                                                                         79
   74   75   76   77   78   79   80   81   82   83   84