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EXPOSIÇÕES BERLIM
de contextos distintos. Dizer-se warburguiano virou, no organizando-as por grupos temáticos e palavras-chave,
meio curatorial, uma licença para misturar alhos com apontando persistências e coincidências, buscando
bagulhos. O chamado pseudomorfismo (isso parece ecos e repetições entre obras não necessariamente
com aquilo, portanto deve existir uma relação) é efeito oriundas de contextos culturais vizinhos. Isso permitia
colateral comum de quem toma pílulas de Warburg fora comparações, às vezes geniais, às vezes tortuosas, entre
da dosagem indicada. antiguidade e modernidade; Oriente e Ocidente; cartas
Boa parte da desorientação em torno de Warburg celestes e cartas de tarô; desenhos renascentistas e
advém do fato de que sua última obra, possivelmente cartazes publicitários. Fundamentado em sua vasta
a maior delas, permaneceu inacabada. Ao falecer em erudição e conhecimento histórico, ele foi desenvol-
1929, o autor trabalhava sobre um atlas de imagens vendo um método original de pensar não somente o
intitulado Mnemosine – em homenagem à deusa grega significado das imagens, mas também o modo como
da memória, mãe das nove musas. Seguindo uma lógi- elas significam.
ca própria, Warburg montava imagens sobre painéis, Quando da morte de Warburg, o conjunto do atlas
consistia de quase mil pranchas distribuídas por 63
painéis. A ascensão do nazismo colocou em dúvida o
destino de sua biblioteca em Hamburgo, e seus discí-
pulos organizaram a transferência dos livros e materiais
iconográficos para Londres, onde serviram de base
Abaixo, montagem do atlas Mnemosine em
exposição na Haus der Kulturen der Welt para a criação do Warburg Institute em 1934. Desde
então, houve várias tentativas de publicar versões do
atlas, na íntegra ou em parte, o que só fez aumentar
as disputas em torno do sentido da obra. A exposição
atual na hKW tem por propósito reconstituir a versão
“original”, garimpada em extensa pesquisa nos arquivos
do Warburg Institute, onde as pranchas se encontra-
vam dispersas entre milhares de outras. Em paralelo, a
exposição na Gemäldegalerie agrupa meia centena de
obras estudadas por Warburg e incluídas nos painéis
de Mnemosine por meio de reproduções. Juntas, as
duas mostras oferecem uma oportunidade ímpar de
vislumbrar os processos por trás do pensamento dele.
Qual a relevância desse legado intelectual para os dias
de hoje? Não resta dúvida que Warburg foi um pioneiro
em conceber as imagens de modo disseminado e uni-
versal, sem divisões hierárquicas entre culturas e mídias.
Para ele, uma fotografia interessava tanto quanto uma
pintura, povos não europeus tanto quanto a Europa. Foi
precursor não somente em seu olhar para a linguagem
das formas – a chamada iconologia – como também por
seu interesse em estudos etnográficos como instrumento
para compreender a arte. Era um pensador que entendia
a cultura humana como um todo e buscava seguir o devir
das imagens como pista para desvendar o que temos
em comum. Antecipou, em vários sentidos, as ideias
de cultura visual e arte global que hoje desafiam não
somente historiadores como também artistas. Podemos
aprender muito com sua obra – sobretudo que o melhor
pensamento visual requer aprofundamento no repertório. FOTO: SILKE BRIEL/HKW
Mnemosine, afinal, é memória. Do seu ventre, brotaram
as artes e a história.
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