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DALTON PAULA, AS PLANTAS CURAM, 2017



                     uma “arte sertão”, que eu acho que é um modo de   sociabilidades que funcionam a partir do que a gente não
                     pensar que engendra experimentação e resistência;   sabe e não explica. Isso se manifesta na espiritualidade,
                     que compreende um contexto e tenta se relacionar com   mas também simplesmente nesse conhecimento tácito
                     ele; que cria soluções a partir do que está disponível;   de saber que têm coisas que a gente troca e que nunca
                     que não cede, por exemplo, às pressões de um sistema   serão elaboradas, estão no campo sutil.
                     hegemônico, mas que vai tentar encontrar fissuras nos   E quando eu falo de uma “arte sertão” estou pensando
                     fluxos clássicos de poder. Por isso falar de uma arte que   também nessa característica meio indomável do sertão,
                     tem sertão como epistemologia é também se perguntar   que é uma característica que eu também vejo na arte.
                     de quais práticas estamos falando. Então eu estou aqui   Por mais que diante do sertão a gente tente classificar,
                     especulando sobre o que seriam esses modos de pensar   cercar, dominar, controlar ou estruturar, essa é sempre
                     e agir, mas também estou tentando encontrar na prática   uma tarefa falida, porque o sertão sempre escapa, ele
                     dos artistas os lugares para onde eles apontam.   é sempre alguma coisa diferente. É só pensar em todas
                                                                       as tentativas da própria cultura brasileira de definir o
                     E quais respostas tem encontrado?                 que era sertão, do romance de 1930 ao cinema novo.
                     Tem um aspecto que aparece em vários trabalhos no   E o sertão não se deixa definir. Sempre há um traço
                     Panorama que tem a ver com pensar na arte como    de estereótipo, ou um recorte específico, ou um olhar
                     um mecanismo de cura, retomando algumas questões   a partir do lado de fora. E isso eu acho que é uma
                     e feridas que ficaram na história, nas relações. São   característica da arte também. Você pode conceituar,
                     artistas que propõem, por meio de suas obras, ou uma   delimitar, institucionalizar e mercantilizar a arte, mas
                     reparação ou um processo de reelaboração de questões   algo sempre escapa. Quando você percebe, a arte está
                     históricas. Por exemplo o Dalton Paula, o Antonio Obá   mais adiante. E o tempo inteiro a gente está tendo
                     e a Ana Pi. Tem um outro aspecto dessa epistemologia   que atualizar e reelaborar o que é arte, o que são as
                     sertão que tem aparecido que tem a ver com uma certa   práticas artísticas, como é que a arte lida com o poder,
                     reverência ao mistério. Um entendimento de que nem   com a política, com o sistema. Então eu acho que a arte
                     tudo se explica pela linguagem, que a ciência não dá   tem essa qualidade sertão, de ser de alguma maneira
                     conta de tudo, que a razão não alcança todas as coisas   incolonizável. Ainda que ela possa ser colonizada, tem
                     e que há um conjunto de conhecimentos, práticas e   alguma força dela que não se deixa apreender.


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