Page 78 - ARTE!Brasileiros #47
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ENTREVISTA JÚLIA REBOUÇAS






             UMA “ARTE SERTÃO” DE


             EXPERIMENTAÇÃO E RESISTÊNCIA





             INTITULADO SERTÃO, 36º PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA, NO MAM, LEVANTA QUESTÕES
             POLÍTICAS ATUAIS POR MEIO DO TRABALHO DE 29 ARTISTAS, EM SUA MAIORIA JOVENS
             COM ATUAÇÃO FORA DO CIRCUITO ARTÍSTICO INSTITUCIONAL E MERCADOLÓGICO


             POR MARCOS GRINSPUM FERRAZ












             O QUE SERIA UMA “ARTE SERTÃO”? Na perspec-        acontecer”, diz ela, e que levanta questões atuais sobre,
             tiva proposta pela curadora Júlia Rebouças para o 36º   por exemplo, racismo estrutural e violência policial,
             Panorama da Arte Brasileira, o conceito refere-se mais   uso do espaço público, causas indígenas e ambientais,
             a um modo de pensar e agir do que ao lugar geográfico   questões de gênero e existência de outras espirituali-
             e cultural que costumamos associar à palavra sertão.   dades possíveis.
             O público que visitar o Museu de Arte Moderna de São   Com uma maioria de trabalhos comissionados, a expo-
             Paulo entre os dias 17 de agosto e 15 de novembro, por-  sição reúne obras de Ana Lira, Ana Pi, Ana Vaz, Antonio
             tanto, não vai encontrar uma mostra sobre o semiárido   Obá, Coletivo Fulni-ô de Cinema, Cristiano Lenhardt,
             brasileiro ou com artistas nele nascidos, mas sim uma   Dalton Paula, Daniel Albuquerque, Desali, Gabi Bresola &
             exposição que tem “experimentação e resistência” como   Mariana Berta, Gê Viana, Gervane de Paula, Lise Lobato,
             alguns de seus pilares.                           Luciana Magno, Mabe Bethônico, Mariana de Matos, Maxim
             Trata-se, segundo Rebouças, de “um modo de pensar   Malhado, Maxwell Alexandre, Michel Zózimo, Paul Setúbal,
             que compreende um contexto e tenta se relacionar com   Rádio Yandê, Randolpho Lamonier, Raphael Escobar,
             ele; que cria soluções a partir do que está disponível;   Raquel Versieux, Regina Parra, Rosa Luz, Santídio Pereira,
             que não cede, por exemplo, às pressões de um sistema   Vânia Medeiros e Vulcanica PokaRopa. Leia abaixo a
             hegemônico, mas que vai tentar encontrar fissuras nos   entrevista completa com a curadora Júlia Rebouças.
             fluxos clássicos de poder”. A curadora se refere, ainda,
             a uma produção artística que “têm especulado não   ARTE!Brasileiros — Sobre o tema deste Panorama, você já ressal-
             apenas sobre circuitos alternativos, mas também sobre   tou que com “sertão” não pretende necessariamente tratar da
             outras materialidades, outras relações de autoria e cola-  caatinga, do semiárido ou dos estados que compõem o Nordeste,
             borações com distintas disciplinas e campos do saber”.   mas sim de uma “arte sertão”. O que seria essa “arte sertão”?
             Foi a partir desta ideia de uma “arte sertão” que Rebou-  JÚLIA REBOUÇAS — A primeira colocação é pensar em sertão
             ças selecionou os 29 participantes da mostra, vindos de   não como um tema, mas como um conceito. Porque um
             diferentes regiões do país e em sua maioria nascidos   tema você ilustra, reage a ele, e é disso que eu estou
             entre os anos 1980 e 1990. “Uma geração que ainda não   tentando escapar. Eu acho importante pensar sertão
             teve uma grande chance institucional de mostrar seu   não apenas como um lugar ou matriz cultural, mas como
             trabalho ou que teve pouco lugar para fazer seu debate   um modo de pensar. E é nesse sentido que eu falo em


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