Page 75 - ARTE!Brasileiros #47
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sertão é o que está para dentro, é o que está
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                                                                           distante, o sertão é tão perto. Agente sempre
                                                                           sai do sertão, mas o sertão sai da gente? O
                                                                           sertão é maria-vai-com-as-outras, nos segue
                                                                           e nos persegue aonde vamos. Ele nos habita e
                                                                           habita todos os lugares onde estamos. Quando
                                                                           menos se espera o sertão vem, se estatela
                                                                           bem no meio da rua, bem no meio da praça,
                                                                           na forma de uma mão em forma de arminha. O
                                                                           sertão revolve e revólver, balas e armas como
                                                                           solução. O sertão, espaço do qual sempre
                                                           MAXIM MALHADO, BICA, 2014.
                                                                           procuramos nos distanciar, mas que teima em
                                                                           viver entre agente.
                               distância, é preciso olhar para os tempos   O sertão paisagem sem figuras.  Sertão,
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                               antigos, anteriores, ancestrais. Só se vê o   deserto, desertão. Ser desertado, ser sem
                               sertão com os olhos da memória ou da história,   rosto, ser de areia e vento. Ser redemoinho,
                               pois o sertão sempre ficou para trás. O sertão   ser diabólico, ser dividido e conflituoso. Ser
                               é uma medida de tempo, ele permite medir a   disperso, ser em profusão e proliferação. O
                               distância em que nos encontramos dos tempos   ser do sertão é barroco, dobrado, plissado,
                               das origens, dos tempos primevos, primitivos. O   chamalotado, pintalgado, ser complexo e em
                               sertão é princípio, é primordial, é armorial. 3  profusão. O sertão é onça malhada, é onça
                               O sertão é uma lonjura. Espaço remoto,      cinzenta, confunde os olhos de qualquer
                               lugar distante, brenhas, matagais, matorrais.   cristão. O sertão é miragem, é imagem ilusória
                               O sertão são léguas tiranas.  O sertão é a   e delirante. O sertão dói nos olhos. Pletora da
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                               perder de vista. Horizontes abertos, terras   luz, do vermelho, do cinza. Sertão onde o verde
                               infindas, espaço por conquistar, por palmilhar,   é mancha, e o seco é sina. Sertão que pinta
                               por desvendar os segredos e mistérios. O    tudo de amarelo, de ocre, do pó que esvoaça
                               sertão é um apelo ao deslocamento, é um     na cremalheira do verão. Sertão de homens e
                               convite ao nomadismo. O sertão é terra sem   poentes vermelhos como fogo. O sertão é uma
                               porteiras, portas sem tramelas. O sertão é um   estética do pobre, do pouco, do menos, do sujo,
                               sumidouro de gentes. Espaço de encantamento   do feio, do mínimo, do mirrado, do esquelético,
                               e desaparição. O sertão é de levas de gente e de   da míngua, do seco, do cinza, da condição
                               bichos. O sertão é terras de tocadas, de tocas e   caatinga, da morte e vidas severinas.  O sertão
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                               de tocaias.  É mufumbo, é matagal, é carrascal,   é a poesia da pedra, é a melancolia da perda. É a
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                               é os cafundós do Judas, onde ele perdeu as   estética da fome, da violência, do desespero, do
                               botas. O sertão é além, é paraíso e é inferno. O   lamento, da lamúria, da ladainha, da medalhinha,


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