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ENTREVISTA JÚLIA REBOUÇAS
Isso tem a ver com o seu interesse em contemplar uma produção
que também existe fora dos circuitos institucionais e mercado-
lógicos estabelecidos?
Eu acho que os artistas têm especulado não apenas
sobre circuitos alternativos, mas também sobre outras
materialidades, outras relações de autoria, colaborações
com distintas disciplinas e campos do saber. E eu acho
que isso é, por conceito, o que eu entendo por uma
“arte sertão”. É claro que têm artistas que trabalham
nas galerias, com suportes mais clássicos, mas não
acho que simplesmente por estar na galeria ele não
possa estar questionando e buscando outras formas de
existir e de atuar. O Maxwell Alexandre, por exemplo, é
um artista que está engajado com galerias, expõe em
museus e instituições, mas ao mesmo tempo está sempre
tensionando, buscando outras formas de existir fora
desses meios – na comunidade onde vive, por exemplo.
E tem artistas que estão na universidade, outros que
algumas vezes nem reconhecem sua prática como prática
artística. Então acho esse um lugar muito interessante
para observar, muito pulsante do que estamos chamando
de uma produção de experimentação e resistência. Que
não é necessariamente uma oposição ao sistema e ao
mercado, porque acho interessante fazer as coisas se
atravessarem o tempo inteiro. E faz parte dessa prática
sertão buscar outras formas de existir que não fiquem
submetidas. Isso é o que eu acho que importa, você não
estar submetido aos ditames do mercado, das institui-
ções ou aos desejos dos curadores.
O professor Durval Muniz diz que o sertão é uma experiência À Nordeste, que eu até brinquei que é como se fosse
múltipla, embora tenda a ser narrado a partir de determinados o fundamento teórico do Panorama. Temos o livro do
clichês. Sua proposta tem a ver com combater clichês e estereó- Durval, a peça A Invenção do Nordeste, que ganhou o
tipos em torno da ideia de sertão? Prêmio Shell, o livro À Cidade, do Mailson Furtado, temos
Sim, porque não é “sobre” o sertão. Quando a gente fala a Flip também dialogando com essa temática. Então eu
do sertão como tema ele tem esse lugar de reiteração acho que esses clichês e a necessidade de desconstruí-
de uma imagem e de uma identidade que são parte -los, isso está colocado, está no debate. E eu queria com
de um projeto político, feito em grande medida para a o Panorama dar um passo em outra direção, pensar no
submissão do próprio sertão ou do próprio Nordeste – já sertão não como esse conjunto de imagens e afetos,
que sertão e Nordeste são muitas vezes tratados quase mas como esse modo de pensar e existir.
como sinônimos. Então é fundamental escapar disso,
não reiterar esses clichês. Em alguma medida eu acho E falando mais diretamente dos artistas, como se deu a escolha
que seria importante falar de alguns fundamentos de desses 29 nomes?
uma produção do Nordeste ou de artistas importan- Eu tentei identificar artistas que já tinham uma “prática
tíssimos que estão no semiárido, mas eu resisti a isso. sertão”, ao invés de escolher as pessoas e fazer eles
Porque achei que esse seria o caminho mais fácil, tentar reagirem a um tema apresentado. Claro que toda sele-
repercutir essa produção direta, essa imagem direta. E ção é parcial, limitada. Há uma série de outros artistas
quando a gente olha, por exemplo, temos a exposição com quem eu poderia estar trabalhando. Mas, enfim,
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