Page 66 - ARTE!Brasileiros #43
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CAPA ENTREVISTA EMANOEL ARAÚJO
BRASIL, UM PAÍS
PERVERSO E AMBÍGUO
ARTISTA E DIRETOR DO MUSEU AFRO BRASIL, EMANOEL ARAÚJO
REFLETE SOBRE A DIFERENÇA ENTRE AS ANÁLISES TEÓRICAS
E ACADÊMICAS SOBRE A ESCRAVIDÃO E SUA VIVÊNCIA REAL
POR MARIA HIRSZMAN
“TUDO NO BRASIL É UM FAZ DE CONTAS”, diz eles façam suas obras, mas o problema é de mercado, de espaço
Emanoel Araújo em entrevista na qual comenta sua nas galerias. A questão não é isolada. Se há a discriminação,
visão pessimista em relação à mudança do cenário se há desigualdade social, o que a arte faz no meio de tudo
de exclusão social e racismo no país. O artista isso? Como é que resolve? Tudo no Brasil é um faz de conta.
plástico e gestor cultural comenta também sobre Como você pode entender um Ministério de Igualdade Racial
sua exposição, atualmente em cartaz no Masp, e que não iguala a ninguém? Como você faz igualdade racial se
sobre a mostra “É Coisa de Preto”, que organizou você não tem um projeto profundo sobre o Brasil?
no Museu Afro Brasil, que desde sua fundação há
15 anos atua como polo de resistência da cultura Mas ao mesmo tempo é inquestionável o interesse profundo que esse
negra em São Paulo. museu desperta... Há quantos anos ele vem atuando e como é pensada
a programação.
Em que estado se encontra atualmente o debate sobre Esse espaço aqui é quase como uma ação afirmativa, para
as marcas da escravidão no Brasil? Qual a importância dizer: “Olha, aqui está a memória, ela está garantida, a memória
dessa reflexão? existe”. As pessoas que lutaram, as pessoas que conseguiram
A universidade, os antropólogos, ficam a vida romper com a desigualdade social, as pessoas que saíram
toda discutindo a questão da escravidão. Serve diretamente da escravidão são estas. Mas ficou por aí. Ano
para que? Vamos ficar falando a vida inteira e que vem completamos 15 anos. O museu tem um projeto de
nada acontece, porque as pessoas que poderiam continuidade, para não emperrar. Não importa se essas ações
mudar o ritmo e o estado das coisas não estão são extraordinárias ou não. Não buscamos aqui nenhuma
interessados em nada disso. Se a gente ficar só concessão de contemplação. Temos um museu de ação, sem-
rememorando essa chaga você não resolve a pre em favor de um movimento afro brasileiro, de defesa da
chaga nem anda pra frente. O Brasil é muito per- memória, da história e da arte. Temos também um trabalho
verso, incrivelmente perverso, e a corrupção é só em arte-educação, a biblioteca e o acervo permanente.
uma dessas perversidades.
Você diria que estamos no mesmo pé que estávamos nos anos 1960,
E em termos da produção artística, não há uma ação mais 1970, 1980...
contundente, uma movimentação mais ampla? Eu acho que estamos pior. Porque havia uma perspectiva
Tem, mas a situação não muda. É importante que de país, de nação, E isso de uma certa forma acabou. De
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