Page 69 - ARTE!Brasileiros #43
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os museus no Brasil não compram, a são reveladoras dessa coisa
gente tem que pegar e dar. do preconceito.
Como você vê iniciativas como as da expo- As estatísticas são realmente
sição “Histórias Afro-atlânticas”, que o aterradoras.
Masp inaugura em junho. Aterradoras?! É pior do que a
Revisitar isso é muito interessante, Ku Klux Klan. Aqui é pior do
mas seu potencial de mudança é que qualquer regime de exce-
pouco porque o alcance do museu é ção. É um genocídio. Porque se
pequeno. Não podemos imaginar que não for a miséria, é a polícia,
o museu possa fazer uma revolução. se não for a polícia é o crime,
é a droga, a milícia, a doença.
Mas ele pode fazer o papel que lhe cabe. Isso é desesperador. E você
E um pouco mais. Como você fez. não tem representantes. Esse
Pode fazer e deve fazer. Sobretudo museu aconteceu por uma
se o museu tem um conteúdo euro- vontade pessoal minha. Mas
cêntrico. Não deixa de ser bem-vindo não quer dizer que essa teimo-
este olhar mais profundo para a situ- sia tenha continuidade.
ação social e histórica das nossas
vidas. Mas falta muito. Quantos artis- A gente olha pouco para a África,
tas negros têm obras no acervo do presente na mostra com fotogra-
Masp? Não quero ser pessimista por- fias, peças etnográficas e obras
que senão eu ia embora, não fazia contemporâneas?
mais nada. Mas é uma batalha insana Sim, a gente olha muito pouco
a gente conquistar publico, tirar um para a África. A gente não
laivo pejorativo dessa questão. sabe da África. Mesmo os
negros acham que a África é
No caso de “Isso é coisa de Preto”, mostra um país. E ela é fundamental
atualmente em cartaz, qual é seu ponto de EMANOEL ARAÚJO, IBEJIS II, 2007 na constituição da condição
partida? Há uma certa ironia mordaz, não? de mudança da sociedade bra-
Todos os personagens da vida polí- sileira. Se não fosse a África
tica e pública do Brasil que são negros são “coisa de preto”. seria o que? Imagina tirar o negro dessa história
É uma forma afirmativa do negativo. Fizemos um grande toda. Seria o que? Portugueses e índios? Por isso
apanhado de todos esses protagonistas do Brasil que a que eu acho que é muito importante sempre esse
sociedade brasileira insiste em não reconhecer e que a panteão para dizer “olha só, isso aqui foi real, foi
história do Brasil continua não reconhecendo. Escapa o verdadeiro, foi significativo, foi importante na cons-
Machado de Assis por esses abortos assim, porque ele tituição da sociedade brasileira”.
também era extraordinário.
Você parece afirmar que não se apaga a cultura. As tentativas
A exceção que confirma a regra... de apagamento, acabam levando a pensar, equivocadamente,
É. Mas quem é que sabe de Cruz e Souza, que é o maior como apenas uma questão étnica...
E não é uma questão étnica. Nem uma questão antro-
simbolista brasileiro, um dos grandes simbolistas do
FOTO: JORGE BASTOS mundo? Quem sabe dos irmãos Rebouças? Do Paula Brito, pológica. Não é só isso. É muito mais. Não sei o que
seria do Brasil sem essas personalidades. É isso que
que foi o primeiro editor brasileiro... Ninguém sabe. Quer
dizer, ainda vira e mexe você tem certas posições que
importa, que essa cumplicidade exista.
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