Page 68 - ARTE!Brasileiros #43
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CAPA ENTREVISTA EMANOEL ARAÚJO
repente. Não deu nem tempo de a gente fazer uma reflexão.
Só sei dizer que no meu tempo de formação era mais viável
alguém sair do seu lugar de origem e ir para o mundo. Ir para
o mundo significava o que? Rio de janeiro, São Paulo, e até o
estrangeiro. Eu vejo que hoje é muito difícil para um artista
jovem fazer isso. Do meu tempo para cá o que aconteceu com
os artistas afrodescendentes?
A história do negro no Brasil é feita de heróis, de grandes figuras emble-
máticas, não?
Isso é uma coisa muito brasileira, você não encontra isso em todo
lugar do mundo. Podemos citar o exemplo de Mestre Valentim
(1745 – 1813), que fica amigo do vice-rei Luís de Vasconcelos
(1742 – 1809). Eles vão trabalhar juntos, ter uma relação abso-
lutamente extraordinária porque o Brasil também tem isso, é
um país que é ambíguo. A ambiguidade é a nossa mais genuína
forma de ser. Tudo pode e tudo não pode. Tudo pode, à medida
que você consegue romper esta barreira. E tudo não pode
EUSTÁQUIO NEVES, FOTO 21, SÉRIE ARTUROS, 1993-94, MINAS GERAIS porque já não pode mesmo, porque institucionalmente é para
não acontecer. Quando acontece, é um caso à parte. Então
nós todos somos umas exceções disso. Dessa ambiguidade.
Você vê a sua trajetória também dentro desse perfil de excepcionalidade?
Eu estava outro dia olhando os jornais de matérias publicadas
ADENOR GONDIM, SÉRIE IRMANDADE DA NOSSA SENHORA DA BOA MORTE,
DÉCADA DE 1990, 50 X 60 APROXIMADAMENTE, COLEÇÃO DO ARTISTA sobre meu trabalho desde que cheguei em São Paulo. Tanto
sobre meu trabalho pessoal como sobre essa questão de
gestão que em me meti, que é uma coisa diferente do traba-
lho artístico. Eu sempre tive o meu trabalho pessoal como
teimosia. Comecei fazendo política estudantil, trabalhando
para o Partido Comunista. Mas era um tempo mais ameno.
Quando eu cheguei em São Paulo, em 1965, tinha uma única
favela, em Santo Amaro.
Você parece ter preservado este tempo mais doce, delicado, tranquilo,
para seu trabalho artístico, é isso?
A exposição do Masp deriva de um momento em que achei que
eu deveria ser mais explicitamente afro-brasileiro. Há alguns anos
pensei que precisava deixar de ser tão eurocêntrico. Senti que
faltava algo mais contundente nesse sentido E isso eu consegui
com essa inspiração de juntar minha geometria, que já tinha laços
com a questão africana, com certos registros que levassem alguma
coisa religiosa. Foi uma coisa que eu entrei, fiz aquela série toda,
e depois sai, também porque ela mete medo nas pessoas. Difícil
vender uma obra daquelas. Porque ninguém quer ter este estigma
defronte de si. Impossível que alguém compre ou queira. E como
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