Page 70 - ARTE!Brasileiros #43
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CAPA ARTISTA
ARTE FEITA POR NEGROS.
VOCÊ ACEITA?
UMA CONVERSA COM MOISÉS PATRÍCIO SOBRE SUA VIVÊNCIA COMO ARTISTA NEGRO
DENTRO DO MERCADO E DA ACADEMIA. EM JUNHO, O ARTISTA PARTICIPA COM
SUAS OBRAS DA EXPOSIÇÃO HISTÓRIAS AFRO-ATLÂNTICAS, NO MASP
POR MATHEUS MOREIRA
À PORTA DO PRÉDIO onde fica seu ateliê, Moisés é baixa. Mesmo com a pouca representatividade
Patrício, artista e educador, recebe convidados na arte, afrodescendentes têm dificuldade em
com um sorriso e um abraço. Todo de branco, escapar dos estereótipos. Negros costumam ser
o artista por trás da série fotográfica Aceita? e associados artisticamente, na forma mais comum e
da série de performances Presença Negra, que cotidiana, a temas como a escravidão, ritos tribais
reúne negros para visitas em grupo a aberturas de etnias africanas e às religiões afro-americanas.
de galerias de arte, explica que ocupa o local, Mas o cenário começa a mudar e museus brasi-
emprestado por uma amiga, há dois anos. leiros estão abrindo as portas para a arte con-
Patrício é artista e é negro. Para ele, as duas coisas temporânea de origem afro. Em maio de 2018, o
não precisam estar sempre acompanhadas, mas Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) inaugurou
não devem ser esquecidas. “Por que toda vez a maior exposição de artistas africanos em São
que um artista que é negro faz uma exposição ou Paulo. Foram 90 obras de artistas de oito países
projeto as pessoas chamam de Arte Negra? De africanos e dois artistas afro-brasileiros. Agora
alguma forma, isso acaba reduzindo tudo a essa Museu de Arte de São Paulo (Masp), considerado
única questão. Ninguém diz arte branca quando cartão postal da cidade, terá pela primeira vez
o artista é branco”, questiona. Para ele, arte é todo o seu espaço dedicado à exposição Histórias
arte, mas Patrício não foge à critica de seu próprio Afro-atlânticas. E não acaba aí. O Instituto Tomie
questionamento, pois muitas vezes artistas bran- Ohtake, no bairro de Pinheiros, outra instituição
cos, mais velhos e conservadores, manifestaram bastante popular na capital paulista, firmou par-
opiniões como se a arte no Brasil estivesse em ceria para expor, junto ao Masp, cerca de 400
momento decadente, em referência à arte afro- obras de mais de 200 artistas na Afro-atlânticas.
-brasileira e à arte periférica. “Já ouvi, também, Moisés está entre os 200 artistas da exposição.
de artistas brancos que ‘a arte não tem cor e que, No Masp, são de autoria do artista. E o destaque
portanto, não há porque privilegiar alguns artis- é para sua série fotográfica Aceita?.
tas porque são negros’”, reproduz. Para ele, isso
acontece porque uma parcela da classe artística A MÃO PRETA QUE ENVELHECE
receia perder seus privilégios. Andar pela cidade de São Paulo é estar diante
Em 2014, negros (pretos e pardos) já representa- de finais e começos o tempo todo. Dos traba-
vam a maior parte da população brasileira, com lhadores que dão vida à cidade logo nas pri-
54% das autodeclarações étnico-raciais, mas meiras horas da manhã, antes mesmo do sol
ainda assim sua presença nos espaços artísticos nascer, aos resíduos do consumo dos produtos
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