Page 89 - ARTE!Brasileiros #40
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FERNANDO LEMOS (Lisboa, 1926). A sua obra fotográfica, como a pintura e o desenho, coloca-se na órbita
surrealista de forma confessional, pelo múltiplo reconhecimento do valor do sonho, do inconsciente e da
mirada de vigília sobre as coisas; em suma, a consideração do real como enigma e da imagem como
revelação. Dessa maneira, a procura do invisível é uma tarefa de desocultação, como pensa o artista, via
escrita automática, associação livre, “desambientação” (conforme o termo de Annateresa Fabris). A latência
da estranheza, a fala do desconhecido, a pulsação de certo infinito permeiam suas imagens, em que a
porosidade da realidade (irreal-real) ou o diálogo consciência-inconsciência recebe ares de intimidade, de
respiração visual, de contingência. Trata-se, portanto, de ganhar, conquistar outra evidência das coisas: “A
visão nos dá presença de vida”, como aponta o próprio Fernando Lemos. Ou então: “Quando vemos uma
fotografia, acordamos algo que estava na solidão”. Há, portanto, um background vital, um iceberg imagético
que a fotografia traz à superfície; ela traz outros olhos para nossa cegueira. Fotografias-miragens que
nomeiam o que não tem nome, como, aliás, faz a poesia com o indizível-ilegível. Fotografia como procura,
território amplo, o aberto, outro religatio. Eu poeta, obra pertencente à intensa produção fotográfica do
período 1945-52, ápice visual em sua múltipla trajetória, junto com a série Ex-fotos, 2014 (já em outro
registro de intervenção plástica), transmite a possibilidade de imagens mentais, símbolos ocultos à vista.
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