Page 86 - ARTE!Brasileiros #40
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LIVROS FOTOGRAFIA






             VERBOVISUALIDADE




             ENSAIO ORIGINAL DO POETA, CRÍTICO E CURADOR MADRILENHO ADOLFO
             MONTEJO NAVAS DESFAZ AS FRONTEIRAS ENTRE FOTOGRAFIA E POESIA



             POR DANIEL DE MESQUITA BENEVIDES



             AINDA SE OUVEM ECOS da discussão sobre o Nobel de litera-  ARTHUR OMAR (Poços de Caldas, MG).
             tura dado a Bob Dylan, como se a poesia não fosse, lato sensu,   A obra do artista é plural, ultrapassa o conceito de
             a mais livre das manifestações artísticas. De certa forma, é daí   multimídia (produz música, poesia, ensaio, desenho) e
             que parte Montejo Navas em seu livro Fotografia & Poesia (Afi-  se expressa em exemplos de diversa natureza dentro
             nidades Eletivas). Trata-se de um ensaio inspirado e inspirador,   da fotografia e suas porosas coordenadas com as
             no qual ele situa ambas linguagens num âmbito de “estética   instalações, obra fílmica, vídeo. Mas em toda sua obra fica
             ampliada, que vive de metamorfoses, apropriações, modulações   refletido, sobretudo, um interesse dionisíaco e reflexivo
             insuspeitas entre a ‘arqueologia do detalhe’ e as ‘micrologias   pela natureza da imagem, pelo mergulho sensorial e
             da existência’.” Entre essas afinidades, o autor discerne a busca   cognitivo de sua experiência, como uma aventura abissal
             por tornar permanente tudo o que é fugaz; a suspensão do   da linguagem, uma escrita dos signos que constrói uma
             tempo como um enigma; a submissão da pluralidade do real a   antropologia visual e cultural ao mesmo tempo. Isso
             uma unidade, a uma concentração. “Em certo sentido”, afirma,   explica o lugar indissociável que também ocupa a teoria
             “são artes metonímicas por excelência.”              em sua obra; de fato, nunca deixa de ser um ensaio
             O livro se estrutura de acordo com seu tema: é a um só tempo   imagético o seu corpus artístico: como uma aventura da
             poético e visual, alimenta continuamente o intelecto e a imagina-  percepção, de visualização que arrasta a fotografia, no
             ção, com citações sensíveis de mestres esperados como Susan   caso, a territórios desconhecidos, “um passo imagem
             Sontag, Octavio Paz e Roland Barthes, mas também de nomes   adentro”, segundo palavras do artista. E como certa
             mais específicos em torno da fotografia, como Juan Fontcuberta   operação fenomenológica, de optar por criar-sintonizar-
             e Horácio Fernández. Poemas de Wallace Stevens, Nicanor Parra   detectar uma cosmologia pressentida, uma ciência
             e Ronald Polito, entre muitos outros, surgem aqui e ali, ilustrando   do sensível (pré-logos), traduzir uma cosmovisão, as
             ideias, sublinhando conceitos, ampliando sugestões. As páginas   múltiplas faces do que está em ambos os lados da câmera
             são diagramadas com leveza e certa narrativa imagética, respei-  e não só diante da lente. Esse mesmo jogo de imersão
                                  tando a própria natureza do ensaio.   quase líquido amniótico da imagem oferece resultados
                                  O autor mergulha fundo em sua pes-  que enganam seu lado estático, pois o que se oferece
                                  quisa; entra na câmera escura da   são aparições, potências de visão. Se as configurações
                                  bela mestiçagem proposta e extrai   simbólicas continuam nessa falta de fronteiras, a
                                  de lá definições elegantes tanto da   surpresa também: outro mapa de ver, de olhar além. Se
                                  evolução da fotografia e da poesia   seus títulos-obras funcionam como manifestos visuais,
                                  ao longo do tempo, quanto de suas   à reverberação barroca das formas-matéria une-se um
                                  criativas confluências na arte, na fic-  background culturalista que acasala Grécia, Vermeer,
                                  ção, nos fotolivros, no que chama de   Malevitch, a arte moderna e a cosmologia indígena. Daí
                                  fotografia transversa e assim por   que a imagem escolhida, procedente de uma deriva foto-
                                  diante. Ao final, Montejo Navas elege   gráfica (fruto do momento da própria impressão) do livro
                                  algumas imagens de impacto e as   Viagem ao Afeganistão (2010), seja um rosto-paisagem
             FOTOGRAFIA & POESIA
             (AFINIDADES ELETIVAS)   comenta, com perspicácia e inteli-  que consegue ser o inverso, uma paisagem-rosto: propõe
             ADOLFO MONTEJO NAVAS
             UBU EDITORA, 224 PÁGINAS   gência. Seguem três exemplos:  uma infância do olhar.

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