Neide Sá com sua obra 'Transparência', 1968.

Oúltimo livro do jornalista e romancista Edgard Telles Ribeiro, Uma mulher transparente, lançado este ano pela Todavia, desenha as marcas que a ditadura militar no Brasil deixa na vida de Gilda, uma mulher esfíngica. Na vida real, a artista carioca Neide Sá, nascida em 1940, não se assemelha um tanto à personagem com sua elegância noir. Quando a artista começa a produzir suas peças, em meados da década de 60 – e assinalada pelo movimento Poema-Processo (leia texto sobre livro do movimento aqui), do qual se destaca como uma das fundadoras –, não se pode negar que a artista transpõe seu olhar sobre o momento político do País.

São obras de Neide que ressaltam essa sua ligação com três Ps – política, poética e palavra –, que estão em exposição agora em Mulheres Radicais, na Pinacoteca de São Paulo, e em Arte-Veículo, no Sesc Pompeia.

Até recentemente, também faziam parte de Estrutura poética, ruptura e resistência, sua primeira individual na Galeria Superfície. O artista visual e diretor da galeria, Gustavo Nóbrega, não teve dúvidas de que Neide era uma artista que merecia um resgate substancial. Desde que começou a representa-la, se empenhou em inseri-la em grandes exposições.

Versão 1967-2010 de A Corda, exibida em individual da artista na Galeria Superfície.

No caso de Mulheres Radicais, ele conta, as curadoras Andrea Giunta e Cecilia Fajardo já haviam aparecido na casa da artista para convidá-la para fazer parte da exposição e pesquisar obras. Neide, no entanto, não sabia onde estava a obra, que no caso seria A Corda.

“Tinham obras que ela nem lembrava que existiam ainda e encontramos num depósito lá na casa dela”, conta o galerista. Dentre as obras encontradas durante sua pesquisa para a exposição em homenagem aos 50 anos de Poema-Processo no ano passado, que rendeu um livro, estava a obra pensada pelas curadoras, que prontamente foram contatadas por ele.

Durante a ditadura militar, a obra – composta por pregadores/clips, colagens de impressos jornalísticos e uma corda – ficava exposta na rua para que as pessoas fossem pregando as colegas, como num varal. “A polícia chegou a sequestrar algumas vezes essa obra dela, mas não sequestrava a artista porque não sabia quem era”, conta Nóbrega. Outra versão da obra  esteve exposta na galeria e, agora, outra faz parte da exposição no Sesc, mostra que reúne obras de artistas que realizam intervenções midiáticas.

A obra A corda’, de Neide Sá, em sua versão de 1967.

Outra obra da artista que manifesta seu posicionamento de forma eminente é Transparências (1968). Três cubos de acrílico em proporções diferentes, colocados um dentro do outro, com vinis adesivos colados letras. Dependendo da perspectiva pela qual é observada, palavras como ‘Guerra’ e ‘Paz’, além de formações onomatopaicas que remetem a sons de batalhas, são percebidas: “Na codificação da palavra, eles [Neide e o Poema-Processo] conseguiam passar mensagens que o regime militar não percebia”, aponta Gustavo. Ele explica que Neide foi uma artista que chamou muito sua atenção nesse percurso de pesquisa sobre o movimento porque, além de ser a única mulher atuante no grupo de vanguarda, teve uma produção muito grande tanto naquele momento quanto posteriormente.

Neide é transparente porque, em seu fazer artística, comunica-se de forma aberta e determinada. Por meio do uso habilidoso da semiótica e da construção de seus poemas visuais, instiga o público, que se transforma em um interlocutor na experiência do contato com a produção da artista.

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