André Komatsu, Base Hierárquica, 2011-2014

Todos os anos o Padiglione D’Arte Contemporanea di Milano, o PAC, escolhe um país ou um continente para ser o tema de sua exposição de verão. Na edição passada, a África foi o continente escolhido. Países como Japão e Cuba também já tiveram suas temporadas. Este ano é a vez do Brasil ocupar o espaço expositivo do pavilhão. É o que conta Jacopo Crivelli Visconti, curador da mostra Brasile: Il coltello nella carne (Brasil: Navalha na Carne) ao lado de Diego Sileo. A exposição teve abertura no dia 3 de julho e se estende até 9 de setembro.

Convidado pelo PAC para a curadoria, Jacopo não teve muitas dúvidas de que forma abordaria a arte brasileira em tempos atuais: “No meu ponto de vista, se quisermos falar da arte brasileira hoje em dia, não tem como não partir de uma discussão sobre as questões políticas e sociais”. Apesar disso, confessa, estava um pouco cansado da literalidade das exposições que são expressamente políticas: “Muitas vezes [essas exposições] forçam uma leitura rasa dos trabalhos, como se o trabalho de arte, quando lidam com questões políticas ou sociais, se resumissem apenas àquilo”.

O desafio para ele foi justapor, em vários momentos, trabalhos que têm conotações muito claras a trabalhos que não têm ou não sugerem esse tipo de leitura, pelo menos à primeira vista. “Através dessa justaposição, o público é levado a ver alguns trabalhos que teoricamente são apenas esculturas ou pinturas abstratas pelas conotações e interpretações que elas podem ter como obras que refletem um contexto carregado socialmente e politicamente. E, por outro lado, ler obras muito políticas – ou que refletem isso de forma mais clara por terem sido estudadas com esta finalidade – como obras mais poéticas”, conta Jacopo.

Desta forma, foram reunidos trinta artistas brasileiros (ou em atividade no Brasil) de diversas gerações e com trabalhos em várias linguagens e formatos para que integrassem a mostra. São eles: Ícaro Lira, Cinthia Marcelle, Ana Mazzei, Letícia Parente, Regina Parra, Vijai Patchineelam, Berna Reale, Celso Renato, Mauro Restiffe, Luiz Roque, Daniel Steegmann Mangrané, Tunga, Carlos Zilio, Maria Thereza Alves, Clara Ianni, Francesco João, André Komatsu, Runo Lagomarsino, Leonilson, Sofia Borges, Paloma Bosquê, Jonathas de Andrade, Iole de Freitas, Daniel de Paula, Deyson Gilbert, Fernanda Gomes, Ivan Grilo, Carmela Gross, Tamar Guimarães e Maurício Ianês.

 

Um dos momentos em que Jacopo considera que esse contraste entre o que é mais explícito e o que é mais abstrato aparece é no espaço onde está uma instalação de Fernanda Gomes (Sem Título/Casetta, 2016) e, ao lado dela, uma instalação de Ícaro Lira (Campo Geral, 2015). “De alguma forma, os dois trabalhos são próximos, porque usam materiais muito simples. Mas se for feita uma leitura rasa, o trabalho do Ícaro é um trabalho didático e político. E o trabalho da Fernanda seria um trabalho totalmente abstrato em questão de estrutura”, pontua o curador. Ele acredita, porém, que essa colocação dos trabalhos junto a pinturas de Celso Renato que também estão dispostas ali leva a fazer leituras que geralmente não são feitas: “São nessas fricções desses trabalhos que está a parte mais interessante da exposição”.

O período das obras se expande dos anos 70 até obras de 2018, inclusive algumas estão sendo comissionadas pelo próprio PAC. É o caso da instalação Somos, de André Komatsu, artista da Galeria Vermelho que representou o Brasil na 56ª Bienal de Veneza. Feita com cimento em pó, sacos de cimento usados e ferro. Segundo o artista, o trabalho surge a partir de observações suas das fotografias de Marcel Gautherot na construção de Brasília e do contexto dos vilarejos em que viviam os candangos, obreiros que trabalharam na construção da capital.

“Uma dessas cidades/vilarejos surgiu a partir dos restos de material da construção de Brasília. Ela foi denominada como Sacolândia, porque as casas eram feitas com uma estrutura meio mambembe, de sarrafos/restos de madeira. As paredes eram feitas do acúmulo de sacos de cimento”, conta Komatsu. Gautherot quis publicar um livro com fotografias sobre esses vilarejos, mas foi boicotado pelo governo: “Quando eu soube dessa história, comecei a desenvolver esse projeto pra cá, porque a exposição tem, de certa forma, a intenção de trazer um caráter um pouco histórico e político”.

O contraste desenvolvimentista da cidade construída com os vilarejos em que viviam os construtores dela voltou a atenção do artista para a relação de desigualdade existente ali. Para André, se for pensado um ponto de vista menos idealista e utópico, ainda se vive em uma estrutura colonial: “Nós vivemos uma herança escravocrata. De certa forma, essa utopia [desenvolvimentista] torna-se uma mentira”. Interessado pelas questões políticas e sociais, o artista aponta que os trabalhos na exposição não são literais nesse sentido, como já pontuado anteriormente por Jacopo. “Acho que, de fato, é algo que a arte permite. Ela não precisa ser literal”.

 

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