Renato_Janine_Ribeiro_em_2015 - foto de Valter Campanato/Agência Brasil
FOTO: Valter Campanato/Agência Brasil

Este texto faz parte do especial 2017 x 24 – visões, previsões, medos e esperanças da edição número 113 da Revista Brasileiros, onde articulistas e colaboradores foram convidados a pensarem sobre o que e o quanto podíamos esperar – se é que podíamos – para nosso País em 2017.

O melhor que pode acontecer para o Brasil e para a esquerda, hoje, é aprofundar o combate à corrupção. Foi a manipulação desse tema que derrubou o governo constitucional do PT: investigações concentradas em seus governos, uma campanha implacável da mídia, a atuação dos operadores do Direito. Daí a aversão de muitos petistas às campanhas contra a corrupção. Tudo indica que o primeiro ato acabou, mas a peça continua. Dirigentes do partido que herdou o governo, o PMDB, são o novo alvo das investigações, dos protestos. O divisor de águas será o momento em que também o partido promotor do impeachment, o PSDB, entrar na linha de fogo. Aí poderemos separar o joio do trigo. Em todos os partidos, é mais que provável que tenha havido ou haja corruptos – assim como gente honesta.

A corrupção não é a maior questão do País. A miséria foi, no século XX, o flagelo nacional, como no XIX foi a escravatura. A abolição em 1888 foi solução superficial. Os escravos não ganharam terras ou indenização. Quando se discutia indenização, se pensava nos senhores, porque perderam propriedade, não nos cativos, que tinham sido privados de seu direito à liberdade. As iniciativas de inclusão social em larga escala, que chegaram ao apogeu nos governos Lula e Dilma, foram mais abrangentes porque retiraram multidões da miséria e procuraram fazer isso de forma consolidada. Não se completaram, porque o problema é enorme. Cinco séculos de exclusão não se resolvem da noite para o dia. E essa é a questão.

Mas o tema que emplacou foi a corrupção. E nenhum petista deveria reclamar. Afinal, o partido passou pelo menos 20 anos, da fundação à Presidência, acusando de corruptos os governos que tivemos. Ligava dois temas éticos, o combate à corrupção e à miséria. No poder, fez muito por ambos. Deu autonomia à polícia, à procuradoria, aos sistemas de controle. Criou programas premiados de inclusão social. Mas parou de falar em ética. Em vez de pregar, fez. Mérito seu, das palavras para os atos, mas palavras são necessárias para criar nova consciência. Calando-as, deixou o espaço da ética livre para a pregação da direita, que jamais colocou como flagelo do País a miséria: pôs, em seu lugar, a corrupção – acrescentando que nunca antes, na história do Brasil, tinha sido tão grande. Mentira? Sim, mas pegou.

E a corrupção é, sim, um problema. Menor que a miséria, mas também péssimo. Os dois fazem, da moral, uma farsa. A corrupção responde por boa parte do fracasso do poder público. Quando o cargo público é privatizado em suas vantagens, a república falha. Nossa república é débil porque em vez do bem comum provê bens privados. Temos inúmeras formas de privatização na sociedade. Costumo falar da privatização do diploma: aluno de universidade pública, boa, que usa a educação que lhe foi custeada pela sociedade só para ganhar dinheiro. Poucos, na esquerda tradicional, percebem ou denunciam essa privatização perversa. E há as formas óbvias de corrupção. Fazem um mal danado não só objetivo, para os cofres públicos, mas subjetivo, porque retiram a fé na vida em comum, desmoralizam a política e afastam dela pessoas talentosas e decentes. O que fazer, então, especialmente para a esquerda, deveria ser evidente. Exigir que o combate à corrupção não seja mero instrumento para desmoralizar e deslegitimar partido – qualquer que seja. Exigir que toda corrupção seja desmascarada e condenada. Cobrar que os partidos menos contemplados pelas investigações também prestem contas. Isso não resolverá os problemas. Se conseguirmos limpar a desonestidade dos agentes do Estado, eleitos ou nomeados, faltará adotar políticas públicas que promovam o crescimento econômico, a fim de completar a inclusão social (e não de revertê-la) com respeito à natureza e aos humanos. Será um passo importante e está na hora de dar. Lutemos para uma apuração até o fim, com respeito aos direitos humanos e com a meta de fazer do Brasil uma república, um país em que o valor maior seja a coisa pública, o bem comum.

*Renato Janine Ribeiro é professor titular da USP, na disciplina de Ética e Filosofia Política, e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados, da USP. Recebeu o Prêmio Jabuti em 2001 por A Sociedade contra o Social (Cia das Letras). Foi ministro da Educação entre abril e setembro de 2015

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