A música de protesto Canción Sin Miedo, de Vivir Quintana, trouxe energia ao início da concentração da Marcha das Mulheres em Tijuana, México, no último dia 8 de março. Na voz da cantora local Giuliana, violão em punho, a mensagem contundente da compositora ressoou como um chamado. Com versos como “cada minuto, de cada semana / nos roubam amigas, nos matam irmãs / Destroçam seus corpos, os desaparecem”, Quintana denuncia as injustiças e violências enfrentadas pelas mulheres. Sua música é um chamado à ação e à memória, convocando os políticos e a sociedade a reconhecerem e combaterem essa realidade brutal. Giuliana se diz indignada e está na marcha pelo direito à vida, pela busca incansável das crianças que desaparecem todos os dias, pelas mulheres que são silenciadas e por aquelas que já perderam suas vidas. “Aqui as pessoas cometem crimes e simplesmente escapam impunes, ninguém é responsabilizado”. A canção de Quintana é uma carta de alerta à população e, por isso tornou-se um hino presente em várias manifestações.

Em outro ponto da concentração, encontro uma voz firme e decidida: a ativista e atriz de teatro, Adriana Millanés, que é parte integrante da Fundação Manos Entrelazadas. Esta instituição, há 17 anos dedica-se incansavelmente à prevenção do abuso sexual infantil e da violência intrafamiliar. Adriana, com uma determinação inabalável, destaca: “Aqueles que negam a existência desse problema são, sem dúvida alguma, cúmplices da discriminação e violência contra as mulheres”. Ela compartilha uma estatística alarmante: 1.426 mulheres desapareceram apenas nos primeiros dois meses e meio deste ano. Em um dia significativo para a manifestação, como o Dia Internacional da Mulher, ela ressalta que as pessoas estão nas ruas porque não aceitam mais essa situação. No entanto, ela lamenta que, no dia seguinte, 9 de março, tudo permanecerá inalterado, destacando a contínua crise enfrentada pelas mulheres no México. Após a marcha, Adriana Millanés segue para seu trabalho, subindo ao palco da Antiga Bodega de Papel, um renomado teatro local, onde atua na icônica peça de Eve Ensler, Os Monólogos da Vagina. Assim, após lutar nas ruas, ela continua sua missão de conscientização e empoderamento por meio da arte.

Converso com Ana Hernandez, professora de uma escola elementar que diz ter a esperança de que, ainda este ano, o México tenha uma presidenta que diminua a violência no país. “É um momento especial em nossas vidas, eu acredito na determinação de uma mulher e no seu compromisso de executar o prometido”. A eleição está marcada para 2 de junho e estão no páreo, a ex-prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, líder com 50,5% das intenções de voto, do mesmo partido (Morena) do presidente Andrès Manuel López Obrador. E a senadora Xóchitl Gálvez, com cerca de 28,8% das intenções de voto. O único homem é Jorge Álvarez Máynes, sem chances na competição com apenas 4,8% de intenção de votos.

Tijuana enfrenta um desafio significativo: o constante fluxo de uma população em movimento, que atravessa a cidade em uma tentativa desesperada de cruzar clandestinamente a fronteira. Muitos buscam emprego nas Maquiladoras, indústrias que contratam trabalhadores por períodos flexíveis – uma hora, uma semana ou um mês – dependendo da demanda. É uma dança frenética de oportunidades e incertezas, onde alguns se estabelecem temporariamente, enquanto outros insistem na busca pelo tão almejado sucesso na travessia da fronteira. Esses indivíduos, enraizados na esperança, constroem uma comunidade vibrante e diversificada em Tijuana. Com seus 130 anos de história, Tijuana se destaca como um centro pulsante, abrigando uma população impressionante de três milhões de habitantes.

Os homens não participam da Marcha, ficam intimidados por sua segurança. Um repórter fotográfico foi atingido por manifestantes com tintas e teve que se retirar. No todo, a manifestação foi controlada, embora um grupo de mulheres vestidas de preto, com rosto coberto portassem nas mãos martelos e tacos de basebol. Com palavras de ordem, entre outras, “Somos más e podemos ser piores”, “Nem uma Mais”, o movimento cumpriu seu propósito. Um dos feitos de impacto foi a exposição de fotos e xerox, na praça das Tijeras (tesouras), dos rostos de estupradores, agressores e exploradores, em cuja lista apareciam professores, padres, políticos, e parentes das vítimas.

Mesmo com seus problemas Tijuana atrai mexicanos de outros estados e latino-americanos de vários países. Ranqueada como a segunda metrópole mais populosa do México é considerada a porta da América Latina. Como uma cicatriz que não fecha, a cidade é cortada por um muro de mais de 700 quilômetros que divide e atravessa também outras cidades. Enquanto os banhistas tentam relaxar na praia de Tijuana, o abominável muro se ergue imponente, dominando todos os ângulos da paisagem e avançando pela areia por mais de cem metros em direção ao mar.

Ao contrário do que ocorria no litoral na Alemanha Oriental, na época da Guerra Fria, onde guardas armados portando binóculos potentes tudo observavam, em Tijuana a vigilância é praticamente monitorada por drones. Parte do muro foi erguido ou restaurado durante o governo de Donald Trump, e outros trechos foram levantados a partir de 1991.
Nas últimas décadas, o governo mexicano colocou em prática um projeto cultural ambicioso, visando amenizar o estigma negativo de Tijuana e apresentá-la também como cidade voltada às artes. Entre outras iniciativas surge o Salão Internacional de Estandarte (1996), idealizado por Marta Palau que participou da 19ª Bienal de São Paulo de 1987, e que depois o transformou em Bienal. Ainda com esse propósito surge InSITE, uma exposição internacional criada pela Intersection Gallery de San Diego, California e que acontecia simultaneamente no Centro Cultural Tijuana (México), construído com um projeto arrojado, dentro desse programa de reestruturação, e inaugurado em 1982. Na opinião de Roberto Rosique artista, crítico, professor e membro do conselho curador da Trienal de Tijuana, InSITE foi impulsionado pela visão empresarial de Michel Krichman y Carmen Cuenca, com recurso do Conselho Nacional para a Cultura e as Artes (Conaculta), além de empresários norte-americanos. Para legitimar o projeto foram convidados artistas e curadores internacionais. Os críticos brasileiros Adriano Pedrosa, curador da Bienal de Veneza 2024, e Ivo Mesquita, ex-diretor da Pinacoteca do Estado, foram curadores desse evento em edições diferentes.

Com o objetivo de fomentar e promover a arte local, além de estimular o intercâmbio internacional na cidade, Álvaro Blancante, renomado crítico de arte mexicano, foi um dos visionários na concepção da Trienal de Tijuana: 1. Internacional Pictórico, de 2021. Embora não tenha testemunhado sua concretização, tendo falecido em 2021, o projeto floresceu. A segunda edição, que está sendo trabalhada sob a minha curadoria geral, será inaugurada no dia 26 de julho deste ano. O evento contará com a presença de artistas consagrados e emergentes ajudando a Trienal de Tijuana a se consolidar como um marco importante no calendário cultural da região, reafirmando o compromisso da cidade em celebrar e promover a arte em todas as suas formas, com a participação de artistas representando 15 países diferentes.

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