Ana Hupe: 'Texto Vivo' é a colagem de todos os escritos, incluindo troca de mensagens eletrônicas, realizados em 3 semanas de residência no La Ene, Buenos Aires, Argentina em 2013

Em 2015, o Instituto Goethe lançou o projeto Episódios do Sul, que promoveu durante três anos uma serie de debates, pesquisas, programas de intercâmbio, produções artísticas e encontros internacionais, cujo principal foco foi a descolonização do pensamento.

Artistas, curadores, acadêmicos e diversos agentes culturais, principalmente da América Latina da Ásia e África, debateram o “inconformismo” com a historia colonial, a necessidade de discutir a existência ou não de uma historia da arte global e quais poderiam ser os caminhos de aquisição e mediação do conhecimento.

Foram vários encontros. O Episódio Museal, por exemplo, permitiu em 2016 e 2017, que diretores de Museus de diferentes continentes trocassem ideias sobre o futuro global dos museus, reunindo-se em Salvador, no Brasil, Santa Cruz e La Paz na Bolivia e Johanesburgo na África do Sul.

Todos os eventos, embora partindo de questões diferentes, foram permeados pela intenção de pensar o sul, a “partir dele mesmo”.

Como diria o antropólogo indiano Arjun Appadurai, “em vez de pensar uma teoria do sul que gera formas de pensar tradicionais do norte, um ‘ao sul da teoria’ que dará origem a uma outra arquitetura da cultura global”. (ARTE!36)

Agora, a partir de abril de 2018, o Goethe dá sequência ao seu investimento cultural e promove a “CONFERÊNCIA ECOS DO ATLÂNTICO SUL, sobre o futuro das relações transatlânticas do Sul”, – https://www.goethe.de/ins/br/pt/kul/sup/echoes.html –

A conferência vai abordar desde diferentes perspectivas, multidisciplinares, multiespaciais e multitemporais, o futuro das relações transatlânticas do Sul, partindo da base do papel da Europa no passado, presente e futuro.

Na definição do Instituto, até o século 15, o Atlântico representava uma fronteira perceptível entre a África e a Europa de um lado e a América do outro. Com o descobrimento se rompe essa fronteira e se da inicio a uma história de colonização, escravização, exploração, migração e enriquecimento da Europa. Isto criou um vínculo indissolúvel entre os três continentes. A medida que as relações de poder e as relações politicas mudam, os interesses de intercambio entre os três continentes vem aumentando.

Qual a importância do Triângulo Transatlântico no século 21? Que tipo de posição a Europa vai assumir frente à África e à América do Sul, depois de ter feito o papel de hegemonia colonial – em diferentes nuances – durante os últimos 500 anos? Como lidar com conhecimentos e descobertas do passado em relação às futuras trajetórias?

Como determinar os desenvolvimentos sociais, econômicos, políticos e culturais nas respectivas regiões do mundo? Que histórias abrem caminho para o futuro e que estratégias culturais e inovações podem melhorar a vida na Terra de maneira substancial e sustentável?

Para apresentar seus trabalhos e dialogar entre sí sobre “Novas historiografias”, “Migração e desalojamento”, “Sociedades civis do futuro”, “Democracia”,“Arte e ciência como formas híbridas de produção de conhecimento”, estarão presentes mais de 50 artistas, acadêmicos e intelectuais de diferentes países do mundo.

Dentre eles, Lilia Moritz Schwarcz, professora de antropologia na Universidade de São Paulo e bolsista global de Princeton. Lilia foi bolsista da Fundação Guggenheim (2006/2007) e professor visitante em Oxford, Leiden, Brown, École des Hautes Études en Sciences Sociales e Universidade de Columbia.  Publicou vários livros sobre os temas em discussão, como Retrato em Branco e Negro (1987), O sol do Brasil (2008); Lima Barreto. Triste visionário (2017); entre eles três em inglês: Espetáculo de raças (1999);  A barba dos imperadores: D. Pedro II um rei tropical, (Farrar Strauss e Giroux, 2004), e Brasil: uma biografia-com Heloisa Starling (Companhia, 2016/Penguin, Espanha 2016; Farrar Strauss e Giroux e Penguin UK, a ser publicada em 2018). Ela foi curadora de algumas exposições como: Nicolas-Antoine Taunay: uma tradução francesa dos trópicos (2008).

Bonaventure Ndikung, PhD, biotecnólogo e curador independente. É fundador e director do SAVVY Contemporary Berlin um espécie de Laboratório cujo objetivo é promover o diálogo entre “arte ocidental“ e “arte não-ocidental“. Bonaventure é editor-chefe no SAVVY Journal para textos críticos sobre arte contemporânea Africana. Ele já foi curador da dOCUMENTA 14 e é curador convidado da Dak’Art Bienal 2018 em Senegal.

Elisa Larkin Nascimento, PhD em psicologia na universidade de São Paulo, assim como Mestre em artes na Universidade de Buffalo, (USA). Diretora do IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros, se dedica à guarda, preservação e difusão do acervo documental e museológico de Abdias Nascimento, como base para atividades educativas e culturais em relação à herança africana na diáspora. No seminário, pretende apresentar aos colegas um pouco do conteúdo desse acervo e trocar ideias sobre a gravidade do quadro de genocídio do negro brasileiro, que Abdias denunciou há 40 anos no livro que teve uma nova edição, bem como sobre como potencializar o uso do acervo em ações culturais e educativas que podem contribuir para o combate ao racismo e a intolerância religiosa.

O Professor emérito e catedrático de Inglês e Estudos Americanos no centro de graduação da Universidade de Nova Iorque. Robert Fitzgerald Reid-Pharr, PhD em Estudos Americanos, Mestre em Estudos Afro-americanos pela Universidade de Yale e um Bacharel em Ciências Políticas pela Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Um especialista em cultura afro-americana e um proeminente estudioso no campo de estudos de raça e sexualidade, ele é autor de quatro livros: Conjugal Union: The Body, the House, and the Black American, Oxford University Press, 1999; Black, Gay, Man: Essays, NYU Press, 2001, for which he won the 2002 Randy Shilts Publishing Triangle Award for Gay Non-Fiction; Once You Go Black: Choice, Desire, and the Black American Intellectual, NYU Press, 2007; and Archives of Flesh: African America, Spain, and Post Humanist Critique, NYU Press.

Ana Hupe, brasileira, uma das artistas presentes se dedica a pesquisar e construir projetos de memoria e contra-memoria da migração. Ela é PHd em Artes visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e atualmente mora em Berlim onde cursa um ano de doutorado como aluna convidada na Udk, Universitat der Kunste com orientação da artista Hito Steyerl. Como artista residente convidada, no período da Conferência Echos do Atlântico Sul, ela vai participar com uma exposição na Vila Sul, do Goethe em Salvador. Seu trabalho deverá abordar uma pesquisa sobre os ”retornados” que são os brasileiros ou africanos que resolveram ou foram obrigados a voltar para África no fim do século XIX inicio do século XX. Para Hupe interessam historias de “não pertencimento”, os inmigrantes no Brasil idealizavam o outro lado do Atlântico e ao chegar na África eram Brasileiros. Mas lá formaram comunidades brasileiras potentes como Lagos, Togo, Benim e Gana. Seu mais recente trabalho foi “Muito futuro para uma só memória”, que ocupou a Galeria Massangana – Fundação Joaquim Nabuco em Recife, com curadoria de Moacir dos Anjos.

ARTE!Brasileiros vai acompanhar o evento e trazer para o público a essência do debate.


Katharina Von Ruckteschell, diretora do Goethe Institut São Paulo e também diretora regional da instituição na América do Sul.

Conversamos com Katharina Von Ruckteschell, diretora do Goethe Institut São Paulo e também diretora regional da instituição na América do Sul quem persegue, no seu trabalho, o que entende por vocação do Instituto, a troca de conhecimento.

ARTE! Existe por parte do Goethe Institut um trabalho enorme já desde Episódios do Sul, um projeto extremamente complexo que envolve três continentes, América do Sul e África historicamente colonizados pela Europa. É fato que partimos de uma desigualdade. Como é possível compensar essa disparidade em um evento como este.

A ideia do projeto “Ecos do Atlântico Sul” é lançar um olhar para a relação triangular entre Europa, África e América do Sul/Caribe a partir de várias perspectivas. É claro que há uma relação histórica. Desde o início, foi a Europa que impôs a desigualdade e dependência nas relações entre os continentes no Norte e no Sul, através da colonização. A escravidão e as outras explorações econômicas aprofundaram a desiguladade e as dependências. Mesmo as independências políticas alcançadas em ambos os continentes não puderam até agora muda-las – até agora. O mundo e sua ordem mudam significativamente. O “Sul” começa a se emancipar do “Norte”, fronteiras que se formaram consistentemente pela escravidão agora começam a diminuir devido às raízes culturais comuns, mas também por visões mútuas do futuro. A desigualdade pode existir ainda. Mas por quanto tempo será assim e em que medida uma Europa ainda ignorante, será capaz de tomar parte nesta relação triangular? Convidar acadêmicos, intelectuais cientistas e artistas vindos dos três continentes, que abordam essas questões, para se reunir e trocar perspectivas numa base comum, pode ser um ponto de partida para enxergar possibilidades futuras.

O projeto anterior, Episodio Museal, tinha um objetivo claro: reunir diretores de museus e curadores para pensar novas práticas no mesmo eixo geográfico. Quais são os principais agentes que vão tomar parte do projeto agora? E com que objetivo. Qual o campo que se pretende emular dessa vez?

A “conferência” como a chamamos, tenta estimular e apoiar projetos de pesquisa, arte ou literatura que abordam a questão do “Atlântico Sul”. “Atlântico Sul” representa uma relação entre continentes que no passado foi opressiva e violenta, hoje é tensa e problemática e amanhã poderia ser pior que no passado ou presente. Mas pode também ser muito melhor. O projeto “Episódios do Sul”, incluindo o “Episódio Museal” tiveram base na tese de que olhar as coisas a partir de diferentes perspectivas pode torna-las mais claras e ajuda a encontrar novos caminhos para o futuro. A “conferência” irá reunir essas diferentes perspectivas e disciplinas e formatos a fim de discutir a questão de como e em quais formatos avançaremos de forma mais concreta. Uma discussão sobre diferentes narrativas da história da escravidão, por exemplo, pode evoluir para um projeto concreto sobre reconciliação das vítimas. Eu espero que, após a conferência, surjam diferentes ideias que possam vir a se tornar projetos.

Espera-se alguma atividade prática a partir desse projeto, seja a publicação de um livro ou alguma parceria entre universidades?

Estou certa de que somente o encontro de participantes vindos de diferentes contextos, países, culturas e disciplinas, trabalhando sobre um mesmo tema irá criar uma rede que irá colaborar e encontrar apoiadores. Além disso, eu espero que projetos concretos, que já existem ou que estão sendo desenvolvidos recentemente, possam ser realizados nos próximos anos. “Ecos do Atlântico Sul” está planejado para durar três anos e tenho esperança de que vá crescer em visibilidade e em participantes.

 

*Colaborou Fabio Cypriano

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