O sociólogo Luiz Galina, atual diretor do Sesc São Paulo, comenta, em entrevista exclusiva, a sua trajetória junto a Danilo Santos de Miranda e o legado que levará adiante. Foto: Matheus José Maria
O sociólogo Luiz Galina, atual diretor do Sesc São Paulo, comenta, em entrevista exclusiva, a sua trajetória junto a Danilo Santos de Miranda e o legado que levará adiante. Foto: Matheus José Maria

Desde novembro do ano passado, quando assumiu o cargo de diretor do Serviço Social do Comércio (Sesc) no estado de São Paulo, o sociólogo e economista Luiz Galina vem ressaltando, em publicações numa rede social, a importância de renovar compromissos históricos da instituição, em suas múltiplas frentes de atuação, sobretudo no âmbito da cultura. Nas imagens, vemos os encontros que teve com a presidente da Funarte, Maria Marighella, com o músico Hermeto Pascoal e a ministra da Cultura, Margareth Menezes, entre outros.

Com uma trajetória de mais de 50 anos no Sesc, em que atuou como orientador social, gerente de finanças, superintendente administrativo e consultor técnico, Galina ocupa agora o cargo que pertenceu, a partir de meados dos anos 1980, ao carioca Danilo Santos de Miranda, morto em outubro do ano passado. A instituição está em plena expansão: ao longo dos próximos dez anos estão previstas ampliações de unidades existentes e aberturas de novas. Dentre elas, a de Franca, que terá forte atuação em questões de sustentabilidade. Na capital, há grande expectativa para as aberturas no Parque Dom Pedro II e a unidade que vai ocupar o antigo prédio do Mappin, uma aposta da instituição para ajudar a revitalização do centro da cidade.

Galina começou sua carreira no Sesc ao lado de Miranda. Juntos, trabalharam no programa chamado Unidade Móvel de Orientação Social (Unimos), em que equipes de três orientadores sociais viajavam, por cerca de um mês, para um município do estado levando consigo “projetor de cinema, material esportivo, bolas, redes, uniformes, toca-disco, uma coleção de LPs, livros, mimeógrafo etc.”, ele conta.

“Íamos por esse interior afora, a cidades em que não havia unidades fixas do Sesc, que eram poucas na época. Havia em Bauru, São José dos Campos, Ribeirão Preto, meia dúzia de cidades. A gente chegou a ter em torno de 100 orientadores sociais distribuídos nas diversas equipes. Esses orientadores começaram depois a trabalhar nas unidades, com essa filosofia de escuta, de ouvir as demandas, de ver o que mais era importante para cada localidade, para cada cidade e, de certa maneira, essa filosofia de trabalho se incorporou ao jeito do Sesc ser a partir das décadas de 1970 e 1980, algo que alimenta toda essa dinâmica do nosso trabalho”, afirma.

Leia, a seguir, mais trechos da entrevista de Galina à arte!brasileiros.

UNIDADE MÓVEL DE ORIENTAÇÃO SOCIAL

A gente ficava de um mês a um mês e meio em cada cidade, dependendo de seu tamanho, e lá nós conversávamos com as lideranças no campo da cultura, da arte, do esporte, da saúde. Nós nos instalávamos num local cedido e perguntávamos o que eles gostariam de fazer. Aí vinham várias ideias. “Vamos fazer um seminário, vamos fazer um ciclo de cinema etc.”. Falávamos qual era nosso menu e perguntávamos o que eles gostariam de fazer. Obviamente, às vezes vinham ideias além do menu que a gente preparava. Era uma atividade que começava com uma escuta.

SESC E O LEGADO DE DANILO

Eu participo dessa história desde sempre. Desde o começo, quando eu entrei como orientador social, eu estou impregnado dessa cultura que formou a mim, formou o Danilo e a tantos colegas. E demos continuidade. O Danilo liderou esse aperfeiçoamento do nosso quadro técnico, na formação, na especialização. Nosso quadro gerencial tem uma formação, assim, incrível. Desde a graduação, pós-graduação, nós temos hoje mestres, doutores. Quase todos os nossos gerentes tiveram alguma experiência, ou várias experiências, no exterior, por exemplo. Isso traz um repertório muito rico.

É claro que mudam os processos. O tamanho vai impondo mudanças. Mas a nossa raiz não muda. O nosso DNA organizacional não muda, está impregnado neste quadro gerencial e neste quadro técnico. Nós temos nesse quadro hoje de 8.200 empregados, uma força muito poderosa e muito ativa de competência profissional voltada a essa missão de educação permanente, de apoiar o desenvolvimento das pessoas, de colaborar, um trabalho conjunto com outras instituições.

Danilo Santos de Miranda, morto em 2023, e Luiz Galina, em registro de 2019. Foto: Matheus José Maria
Danilo Santos de Miranda, morto em 2023, e Luiz Galina, em registro de 2019. Foto: Matheus José Maria
GOVERNANÇA

Estas entidades, Sesi, Senac e Senai, foram criadas na década de 40 do século passado. Na mesma época veio o Sesc, em 1946. Foi uma ideia precursora e pioneira dos empresários de então, lideranças que hoje participam da CNI, Confederação Nacional da Indústria, da Confederação Nacional do Comércio. Na Segunda Guerra mundial, o fluxo de importação da Europa para o Brasil ficou interrompido. Os alemães afundavam tudo, então o Brasil tinha que se industrializar. Para industrializar, precisava de mão de obra. A população, que era predominantemente rural, começou a vir para as cidades, grande parte analfabeta, grande parte sem educação para morar em cidades. Então esses empresários entenderam que, se quisessem industrializar o país, precisavam formar profissionais e também cuidar da mão de obra.

O Sesi e o Sesc surgiram, e muitos de seus programas iniciais eram dedicados à saúde. O Sesc teve maternidade, clínicas de exames laboratoriais. A ideia era boa, mas como financiar? Os empresários se predispuseram, então, eles próprios, a fazer uma contribuição. Para que essa ideia se concretizasse, levaram essa proposta ao governo, para que o governo criasse uma lei que tornasse a contribuição dos empresários e das empresas obrigatório. Porque eles sabiam que, se fosse voluntário, não haveria um aporte de recursos suficiente. E aí foi a primeira entidade então foi o Senai. Gestão privada da entidade com contribuição compulsória. Isso é a nossa característica até hoje.

O nosso decreto de criação e o nosso regulamento, que veio depois, é sábio, porque cada estado define a sua programação. Não há uma definição central de que todos os estados têm que fazer isso, isso e isso. Há um leque de programas. Por exemplo, todos os departamentos regionais do Sesc no Brasil, com exceção de São Paulo, investem na educação formal. Escolas, ensino fundamental, básico e médio. O Sesc de São Paulo falou lá atrás que não iria entrar nessa área porque já havia uma rede estadual, já havia redes municipais. Então, quem nos antecedeu na década de 1950, decidiu investir em cultura, esporte e lazer. E quando em educação, na educação extracurricular.

A âncora dessas entidades, primeiro, é o reconhecimento da sociedade e do papel que elas conquistaram ao longo da história. Isso é fundamental. Seja no campo da formação profissional ou seja no campo do desenvolvimento sociocultural, vamos dizer assim.

FINANCIAMENTO

Existem projetos na Câmara e no Senado que interferem na nossa arrecadação, por isso nunca estamos tranquilos. Isso sempre existiu. Mas a maior ameaça que nós vivemos foi durante a Constituinte. Há um artigo na Constituição brasileira que diz o seguinte: o que é descontado na folha de pagamento, uma parte do empregado, outra parte do empregador, esse tem que ser exclusivo para financiar a Previdência pública. Se esse artigo tivesse prevalecido sozinho, acabariam as contribuições para essas entidades. As lideranças, Confederação Nacional do Comércio e Confederação Nacional da Indústria, da época, entenderam que não podiam deixar essas entidades acabarem desse jeito. Se não tiver financiamento, não tem sentido. Essas entidades não vão conseguir continuar operando vendendo serviços.

A sociedade teria de mobilizar, criar uma emenda popular e levar para a Constituinte. Assim foi feito. Colheu-se mais de um milhão de assinaturas, e na época não havia internet. A gente montou barraquinhas nas praças, essas entidades todas se mobilizaram no Brasil todo e os presidentes da CNC e da CNI na época literalmente levaram um caminhão de abaixo-assinados e entregaram lá para o Mário Covas, que era o relator. Em função disso, foi colocado o artigo 240 da Constituição, que diz o seguinte: aquele artigo que diz que a contribuição empresarial é exclusiva para financiar a previdência pública, há uma exceção. As contribuições para financiar os serviços sociais autônomos, esse é o nosso nome oficial, e os serviços de formação profissional continuam a receber essa contribuição. De uma ameaça, nós nos fortalecemos, porque hoje temos uma âncora constitucional. Alguns especialistas dizem que essa seria uma cláusula pétrea.

ARRECADAÇÃO

A nossa receita depende da massa salarial paga pelas empresas de comércio, serviço e turismo. Se o número de empregados está aumentado, com carteira assinada, a nossa arrecadação cresce. Se o salário dessa massa melhora, se melhora pela quantidade e pelo valor do salário médio que as empresas pagam pro seus empregados. Se isso cresce, nós vamos bem. Claro, há momentos em que isso não cresce tanto quanto precisaria crescer, às vezes isso diminui, essa oscilação do mercado de trabalho. Aí que está a nossa base de evolução da nossa arrecadação. Nós tivemos momentos em que isso não cresceu, às vezes caiu, e aí a gente teve que se ajustar. Mas nós temos uma gestão muito cuidadosa, uma reserva financeira para que esses ajustes se façam sem precisar demitir. A nossa essência é esse conjunto de 8.200 empregados. Claro que o prédio é importante, mas a nossa equipe, você vai lá em São Caetano, que é uma unidade pequena, uma casa que a gente adaptou, essa equipe é maravilhosa, ela desenvolve atividades em praças públicas, ruas. Porque a competência profissional que é importante. Se nós tivermos um prédio bonito e não tivermos um profissional bem preparado, não acontece nada. O prédio por si é frio.

GESTÃO

Nós temos um foco muito importante nas análises dos custos. Temos uma arquitetura muito bem estudada e resolvida, usamos sempre nas nossas construções materiais de primeira. Uma pessoa desavisada pode perguntar por que o Sesc usou tal granito. Para não ter que fazer várias vezes. Então nós temos um cuidado na gestão do custo, para sempre ter um custo-benefício mais adequado. É sempre material de primeira. Porque sai mais barato. Você vê o Sesc Consolação, tem 60 anos aquela unidade. Claro, foi reformada várias vezes, mas ela está inteira. Atendem lá três, quatro mil pessoas por dia.

AS PARCERIAS

Estamos abertos a ouvir, a trocar ideia, a correalizar atividades com diversos parceiros, inclusive com equipes de órgãos públicos. Não temos qualquer problema de trabalhar na esfera municipal, na estadual ou mesmo na federal, quando há abertura para isso. Temos um relacionamento muito bom com as equipes das secretarias de cultura, de esporte, de educação. Aqui em São Paulo, por exemplo, temos um convênio com a Secretaria de Educação do município em que a gente recebe, nos meses de férias, crianças das escolas públicas para fazer visitas às nossas unidades, participar das atividades esportivas onde há equipamentos para isso etc. Temos um trabalho também relacionado às exposições, que é o de trazer estudantes e, em muitos casos, a gente contrata até o ônibus, porque às vezes há dificuldade para a escola em conseguir uma verba. Toda essa filosofia nasceu na Unimos, e eu e o Danilo entramos juntos nisso.

EXPANSÃO

Está estabelecido o nosso plano de expansão. Pirituba, Campo Limpo, São Miguel Paulista. E nós vamos iniciar, nos próximos meses, a obra em São Bernardo do Campo, um projeto de teatro da Lina Bo Bardi. Contratamos o Marcelo Ferraz. Vamos começar a construção do Sesc Limeira, estamos construindo em Marília um novo Sesc, e em Franca. Compramos um terreno em Sapopemba maravilhoso.

Há alguns anos, nos procuraram para que o Sesc assumisse o Teatro Brasileiro de Comédia. Começou há uns dez anos, eles procuraram o Danilo, e o Danilo falou com o presidente, e o presidente aceitou e disse que receberia. Mudou o governo, isso parou. No último ano do governo Bolsonaro, o pessoal da Funarte nos procurou novamente e falou, “olha, nós queremos efetivar essa concessão”. Aí houve todo um trabalho político do formato dessa concessão e o Sesc assumiu, então, o TBC. É uma concessão por 35 anos, renovável. E o que nos permitiu assumir o TBC, que está totalmente deteriorado. A faixada é tombada, inclusive. Mas o que nos permitiu é que nós compramos, ao lado, um terreno do Silvio Santos, um galpão. Então vai dar pra fazer uma unidade lá. É um lugar pequeno, mas vai ter o teatro, que tem 200 e poucos lugares, e ao lado do teatro tem uma unidade onde vai ter exposições, biblioteca, atividades físicas, um espaço para atender as crianças e será lotado de idosos também. Vai ser um centro de referência do teatro brasileiro.

SUSTENTABILIDADE

É um processo de aprendizado. Nosso cuidado começa no projeto arquitetônico. O projeto arquitetônico para futura unidade de Franca, prevê ventilação natural e iluminação natural, por exemplo. O cuidado no consumo de energia elétrica para se usar menos ar condicionado, menos iluminação, usar energia solar para o aquecimento da água, tanto dos processos industriais das nossas cozinhas, como para o aquecimento da água da piscina, da água dos vestiários e tal. Isso já está, nesse nível, incorporado aos nossos projetos arquitetônicos. Mas tem um mundo pela frente.

Tenho conversado com a nossa área que cuida das exposições, por exemplo, com a Juliana [Braga de Mattos, gerente de artes visuais e tecnologia]. Estive em Rio Preto, para a montagem da exposição com itinerância das obras da Bienal do ano passado. É muita madeira. Eu falei: “Juliana, como é que a gente faz para depois essa madeira ser reutilizada?”. Estou provocando as equipes, vamos pesquisar, vamos estudar, vamos ver o que está sendo feito mundo afora nesse sentido. Você viram a Casa Verde? A Casa Verde é um prédio que o Sesc comprou, era a sede da Riachuelo, e em outubro começamos a ocupá-lo. Lá fizemos uma exposição relacionada à música, ao carnaval, à arte popular, é uma parte do acervo do Museu do Pontal do Rio de Janeiro. Agora, vocês vão ver a montagem, é um prédio dentro do prédio. Na hora em que acabar a exposição, o que faremos com todo aquele material? O pessoal tem que inventar novas soluções: como eu desmonto aquilo em módulos, onde guardo e como reutilizo?

Na linha da sustentabilidade, procuramos sempre ter ações que sejam modelos. A gente quer servir de paradigma naquilo que faz para que outras instituições sigam. Se a gente tem condições para fazer isso, novas soluções para as exposições, isso depois será copiado. Os profissionais que trabalharam nisso levam esse conhecimento, expandem esse conhecimento e essa prática. Em Bertioga, por exemplo, nós temos uma RPPN, Reserva Privada do Patrimônio Natural. Pegamos um pedaço do terreno, grande, centenas de hectares. Havia lá uma cobertura vegetal original e nós propusemos uma RPPN, isso tem um processo legal de aprovação e já está aprovado pelas autoridades competentes. Ninguém mais vai poder mexer nesse área, na cobertura vegetal. Então isso foi um exemplo, e é importante essa RPPN em Bertioga porque ela está em um ambiente urbano. Ela está praticamente dentro da cidade de Bertioga.

A gente também tem feito muitos seminários, com convidados especialistas na questão climática. Esse é um assunto permanente, isso faz parte da nossa programação, e essa questão da sustentabilidade, nós temos uma gerência aqui dedicada a isso. E, cada vez mais, nas nossas unidades, estamos criando espaços adequados à educação para a sustentabilidade. É um movimento importante de renovação na nossa programação nesse sentido.

DIVERSIDADE

De alguns anos para cá, nós estamos atuando muito forte na questão da diversidade. Na questão racial, na questão LGBTQIA+. É um desafio, você não imagina a dificuldade de implantar certas ideias de respeito à diversidade. E nós estamos trabalhando, afinal, nós somos todos racistas, né? Estive conversando com uma senhora que é conselheira da SP Escola de Teatro, uma psicanalista negra muito atuante nesse movimento, Isildinha Nogueira. Ela, negra, falou, “nós todos somos racistas. Inclusive os negros.” Porque isso está entranhado, né? Então nós estamos trabalhando fortemente isso internamente. Garantindo que todos os funcionários possam ascender, desenvolvendo suas carreiras. Nós mudamos alguns critérios de recrutamento e seleção para garantir que todas as pessoas possam participar em igualdade de condições nos nossos processos. E temos a presença até de participantes descendentes de indígenas e indígenas mesmo. Nós os temos no quadro. Esse é o nosso DNA. O nosso conselho nos dá esse empoderamento. Com esse empoderamento que eu recebo do presidente e do conselho, eu trabalho muito tranquilamente.

IDOSOS

O Sesc foi pioneiro no campo do trabalho social com idosos. Nós comemoramos, ano passado, 60 anos. Fomos uma das primeiras entidades, se não a primeira, a reconhecer no idoso um cidadão como qualquer outro. Como é que isso começou? Começou no Sesc Carmo, próximo à praça da Sé, onde um técnico do Sesc observava as pessoas que iam lá almoçar, aposentados, e depois essas pessoas não tinham o que fazer. E ele pensou: vamos juntar essas pessoas, vamos bater papo. Aí começou o trabalho social com as pessoas idosas, a gente começou a convidar esses idosos a participarem. Nossos técnicos foram estudando países na Europa onde havia avanço etário na população. Então temos esportes adaptados, ginásticas adequadas. Temos um conjunto de conhecimento que nos permite atender bem a pessoas idosas. Nossos técnicos, lá na década de 1960, participaram ativamente da formação das políticas do Estatuto da Pessoa Idosa, por exemplo, que foi aprovado no Congresso Nacional. Nós tivemos uma participação importante na formulação dessa legislação. Atualmente nós temos, todo ano, uma campanha de prevenção de queda da pessoa idosa, porque é um problema seríssimo. Temos educadores especializados, espaços adequados, uma cultura de receber idosos. Anualmente, fazemos um encontro em Bertioga, em que reunimos pessoas idosas de todas as nossas unidades do estado de São Paulo para discutirem os problemas desta fase da vida. Para as pessoas também terem lazer, namorarem, brincarem, dançarem.

 

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