Iatã Cannabrava, Caracas (2006), na exposição "Uma outra cidade, um outro tempo", em cartaz no Museu da Cidade de São Paulo

Não é de hoje que o fotógrafo Iatã Cannabrava tem seu olhar voltado para a periferia. Um olhar de olho no olho, de vivência, de trocas. Um olhar que vai se desenvolvendo ao conversar com os moradores, ao tomar uma cerveja com eles num boteco, ao frequentar suas casas. De 1997 a 2007, o fotógrafo visitou lugares afastados do centro de São Paulo e das grandes cidades da América Latina, para o que ele chama de seu “mais longo projeto fotográfico”. O objetivo era documentar o dia a dia das comunidades a partir das pessoas, “distante da tradicional denúncia de miséria e pobreza vista pelas teleobjetivas dos fotógrafos, de cima para baixo e, invariavelmente, em preto em branco”, reflete Iatã. “Sempre me senti mais à vontade ali, nas comunidades, sentando no balcão do primeiro boteco ao entrar em cada uma delas”, afirma.

Em geral, estes ensaios são quase sempre realizados em preto e branco, mas foi na cor que Iatã Cannabrava descobriu a linguagem das periferias. “Só fotografava em preto e branco, mas quando fiz o ensaio Casas Paulistas, em 2000, eu descobri a cor.” Neste livro, um ensaio sobre as várias formas de morar em São Paulo, já encontramos o germe do ensaio das periferias.

A denominação de seu “mais longo projeto fotográfico” tem sua razão de ser: Iatã pensou em voltar para os mesmos lugares, de tempos em tempos, para fotografar o desenvolvimento – ou não – das periferias visitadas. Não deu. Em 2008, ele foi diagnosticado com o Mal de Parkinson. A doença lhe deu outra perspectiva de vida: “A doença limitou minhas atividades, mas não me impediu de realizar meus projetos”, argumenta, no entanto.

O fotógrafo então mergulhou em seus arquivos, continuou, de alguma forma, a conversar com as pessoas que havia encontrado em suas viagens, manteve viva sua memória: “Se você nunca foi a uma dessas periferias fisicamente é difícil conhecer de fato”, explica. “Adorava passear pelo escuro das ruas, ou acompanhar as festas, ver todo mundo dançando, sentia-me vivo e seguro”, conclui.

Agora, sua memória e sua vivência podem ser vistas na exposição Uma outra cidade, um outro tempo, no Museu da Cidade de São Paulo, com curadoria do crítico e pesquisador Rubens Fernandes Junior.

A mostra traz cerca de 80 fotografias, registradas em sistema analógico, usando negativos de médio formato, em diversos bairros periféricos. As imagens vão do Capão Redondo a Itaquera, na cidade de São Paulo, além de Belém, Caracas, Lima, La Paz, Buenos Aires e Montevidéu. Para o curador Rubens Fernandes, o ensaio continua atual:

“Os territórios permanecem como centros de resistência cultural e política. O tempo é perceptível nas fotografias do ensaio Uma outra cidade por meio de pequenos detalhes: mobiliário, roupas, gestos, anúncios, automóveis, entre outros índices que qualificam e especificam o passado”, argumenta. “A fotografia é uma das manifestações visuais mais contundentes, justamente porque sua origem está intimamente associada com a ideia de que ‘fotografia é o registro inequívoco do mundo visível (da realidade)’.”

Para Iatã, agora é o momento certo de apresentar estas imagens. A cidade ganhou outro tempo, uma nova dinâmica. Ele percebe o tempo de forma diferente atualmente. Um tempo mais vagaroso: “Antes da minha doença, tratava-se do eu, agora, trata-se do outro, de outro tempo, é importante falar com o outro, saber do outro. Sou muito grato a todos que abriram suas casas, comunidades, vidas, para que possamos nos ver melhor, e a todos que, depois que acabou o projeto, continuaram a meu lado”.

Muito preocupado em suas reflexões com o ato criativo, com o caos e com a ordem, Iatã Cannabrava afirma: “Para mim, a periferia é mais próxima da alma deste país do que nossas avenidas ordenadas”.

SERVIÇO

Iatã Canabrava, Uma outra cidade, um outro tempo
Casa da Imagem – Museu da Cidade de São Paulo Rua Roberto Simonsen, 136B – Sé – São Paulo (SP)
Até 23 de outubro
Terça a domingo, das 9 às 17h
Entrada gratuita

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