Índios e Mandacaru
Detalhe de "Índios e Mandacaru", xilogravura, 150 cm x 222 cm

ARTE!Brasileiros — Qual é a historia da Unifor Plástica? Como ela funciona, como se realiza a seleção de artistas?

Denise Mattar — A 1ª Unifor Plástica abriu suas portas em 1973, no ano que foi criada a Universidade de Fortaleza, mostrando já a vocação da Fundação Edson Queiroz e sua proximidade com as artes e a cultura regional e nacional. Desde seu começo, funcionou através de um edital e os trabalhos eram escolhidos por uma comissão de notório saber no campo das artes. A partir de 2013, se adotou um modelo mais curatorial e passou a funcionar a cada dois anos como Bienal Unifor Plástica.

As duas primeiras exposições foram curadas pelo crítico de arte e curador Ivo Mesquita. Ele fez, em uma das exposições, uma homenagem a Sérvulo Esmeraldo, chamada Uma Constelação para Sérvulo Esmeraldo.

Quando fui pensar a exposição atual, focando num elenco de artistas cearenses, tomei cuidado em selecionar um número expressivo de artistas, porém que permitisse uma mostra não poluída. Com auxílio de Cecilia Dedê, e junto a conversas com Bitu Cassundé, do centro cultural Dragão do Mar, que possui um amplo conhecimento da história cearense, olhei quase 100 portfólios e acabei editando aproximadamente 25 artistas.

Bluebird
Henrique Viudez, “Bluebird”, 2019, Mista sobre lona, 100 x 100 cm. Foto Ares Soares

Você sente que te trouxe um diferencial poder entrar em contato com estes artistas?

Eu reparo há muitos anos na produção do Norte e Nordeste. Em 2012, fui para Belém e conheci o Emmanuel Nassar, nascido em Capanema, no Pará, com um trabalho que me impressionou profundamente. De fato, por estar fora do eixo Rio-São Paulo, os artistas do Norte e do Nordeste ficam prejudicados. Eu conhecia obras esparsas dele e não o conjunto da obra. Fiz, pela primeira vez, uma exposição importante dele no CCBB do Rio e de Brasília e tenho certeza que isso colaborou com sua visibilidade. Vi várias exposições do curador Paulo Herkenhoff que, na minha opinião, foi de enorme importância para fazer esse entendimento do Brasil como um todo, doou muito do seu tempo em conhecer esses novos centros de produção. 

O que te chamou mais a atenção ao olhar esse conjunto?

Nesta oportunidade, o que me chamou a atenção foi o uso reiterado da palavra. Vi, nas obras apresentadas, um fio condutor: a palavra.

Empregada esporadicamente, ao longo da história, em pinturas e tapeçarias, a palavra foi incorporada às artes plásticas de maneira mais constante no inicio do século 20, a partir das vanguardas modernistas. Marcel Duchamp foi fundo nessa ideia e usava o termo “simultaneidades diferenciadas” para definir a articulação entre os campos verbal e visual. Um dos artistas mais conhecidos por esse imbricamento é o conterrâneo Leonilson, cuja obra pertence a esse ethos. Essa ideia acabou dando o nome à exposição: Simultaneidade – a arte com a palavra.

Poemetos de Memória e Sal
Rian Fontenele, “Poemetos de Memória e Sal”, 2010-2016, acrílica nanquim e pigmento sobre tela. Foto Ares Soares

Podemos citar alguns e suas características principais?

Alguns são mais conceituais e outros mais viscerais. Francisco de Almeida tem uma sala especial. Seu trabalho como xilogravurista é extremamente conceituado. Filho de pai ourives, mãe bordadeira e neto de avó rendeira, cresceu num ambiente que fundou seu universo imagético. Alegorias, religião, um mundo fantástico, construído por figuras por vezes reais: os beatos, o homem sertanejo e a caatinga; ora por figuras do mundo religioso ou mágico, como santos e anjos.

Frequentou a universidade, participou de exposições em Fortaleza, viajou muito, participou do Panorama da Arte Brasileira do MAM, em São Paulo, em 2005; da Bienal de Valência, em 2007, e da VII Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, em 2009. Nas palavras do crítico Pedro Costa: “O trato com matrizes; seus infinitos efeitos de gravação, entintagem e impressão; sua permanente reutilização e arranjos, vão fazer de Francisco de Almeida um pesquisador-artesão, um gravador por excelência”.

Mas gostaria de destacar vários dos artistas que escolhi e que foram resultado deste mergulho. Henrique Viudez, um artista jovem, com um trabalho desta vertente que chamo de “mais visceral”, trabalha com pintura, lona de caminhão e suas interferências. É mais figurativo e amplia a pesquisa sobre crenças, mitos e religiosidade. Trabalha ainda as questões de gênero e convenções binárias masculino, feminino, com grande qualidade de execução. Tem um trabalho mais alegórico.

Por outro lado, tem um artista muito jovem, Iago Barreto, que trabalha com os índios Tapebas, uma sociedade indígena nativa reunida na Aldeia de Nossa Senhora dos Prazeres de Caucaia, e que deu origem ao município do mesmo nome, na cidade de Fortaleza. Ele está inteiramente envolvido nessa cultura, realmente dedicado. Mora com a comunidade, e de uma forma autêntica, não de escolha marqueteira como alguns artistas acabam adotando. Ele usa a linguagem do trabalho corporal dos índios na interseção com a fotografia, traz o índio para o presente, no seu próprio espaço, porém atento às questões contemporâneas.

Marcados de urucum, sangue e terra
Iago Barreto, “Marcados de urucum, sangue e terra”, 2019, Foto 80 x 120 cm e depoimentos gravados

Aí você tem um artista como Rian Fontenele, mais consolidado, com uma obra maior, e que, no entanto, não tem a visibilidade que, na minha opinião, deveria ter.

Por isso, também procurei mostrar trabalhos de várias vertentes. Haroldo Saboia, por exemplo, fez um vídeo onde mostra cidades no interior do Ceará cujos nomes são Deserto, Prazeres, Miragens e Passagens.

Diego de Santos apresenta conchas queimadas, pequenas esculturas, trazendo a ideia da especulação imobiliária, onde o avanço queima as casas e os moradores saem da suas “casas-conchas” deixando tudo para trás.

A Bia de Paula também, com Todo filho é filho da mãe. Quando, começou seu trabalho, queria fazer algo sobre a ausência dos pais nos lares, porém, à medida que foi entrevistando as mulheres, percebeu que para elas esta não era uma questão. Encontrou, em contrapartida, uma outra história muito mais rica, a potência nessas mulheres, que tinham deixado isso para trás e encarado a vida com enorme força própria. Tem fotos e depoimentos maravilhosos.

Gostei de muita gente. A Virginia Pinho que fez o trabalho sobre Maracanaú, onde tinha aquele necrosario que depois foi extinto, mas que quem morava continua lá. As pessoas criaram um vínculo com aquela região e não saem daquele lugar, que foi uma prisão para eles.

Todas as obras já eram existentes, não houve trabalho comissionado. Apenas Nivardo Victoriano, que tinha uma produção de fotos menores, e aí fizemos uma sugestão de ampliar as fotos. Ele trabalha com a dor.

O que me chama a atenção é que a produção do cearense é muito poética. Todas as obras tem uma preocupação de questionar os problemas, o ambiente, o status quo, mas com uma pegada poética inesperada para mim. Eles têm histórias, cordéis, bordados.

Quando mostrei os trabalhos, me comentaram: “Nossa, como parece com Leonilson”. E eu falei: “Não. É que o Leonilson pertence a este lugar”.


20ª Unifor Plástica: Simultaneidades – A Arte com a Palavra
Espaço Cultural Unifor
Até 1º de março de 2020

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